Por anos dominada pelos Boeing 727-200, a frota das companhias aéreas cargueiras do Brasil agora aponta para outro lado. A referência da vez são os Boeing 737-400, mais modernos, econômicos e com uma vida útil ainda confortável para a operação de transporte de carga.
Essa transição ficou nítida nos últimos três anos. Enquanto em 2013 havia 12 Boeing 727-200 transportando carga no país, hoje esse número se reduziu a oito unidades. Em compensação, no mesmo período a frota de 737-400 saiu de zero para os mesmos oito aviões do tradicional trijato. Completam a frota das cargueiras, em menor número, os 737-300, 757-200, 767-300 e os Airbus A300 e A330.
A maior responsável pela inversão de papeis é a Sideral. A empresa paranaense tem quatro aviões do modelo voando atualmente, sendo que foi a primeira a receber o bimotor no Brasil com o propósito cargueiro. A outra metade está pulverizada entre Colt Cargo (duas unidades), Rio Cargo (uma) e Modern Logistics (uma).
Apesar de transportar menos carga que o 727-200 – 25 toneladas contra 21 -, o 737-400 leva vantagem principalmente no quesito custo operacional. Ao invés de três tripulantes, precisa de dois. O consumo de combustível é menor, afinal tem um motor a menos. E os motores são mais modernos e, consequentemente, mais econômicos.
A disponibilidade no mercado também é um aspecto importante. Os 727-200 estão no fim da vida útil, inclusive para operação cargueira. A aeronave foi fabricada pela Boeing até 1984. Já o 737-400 foi produzido entre 1988 e 2000. Mais jovens, deixaram há pouco tempo as operações na aviação comercial e começaram a ser convertidos para o transporte de carga.
“O 737-400 é o avião referência no mundo de carga aérea hoje”, atesta o vice-presidente da Rio Cargo, Mauro Martins, que consegue comparar no dia a dia a eficiência da aeronave. A empresa sediada em São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba, tem um 737-400 e cinco 727-200.
A estreante Modern Logistics, que recebeu o primeiro 737-400 no primeiro semestre deste ano, aposta fortemente no modelo. O plano da empresa é iniciar os voos em novembro e ter outros dois aviões até fevereiro de 2017. E o 737-400 será o ponto neural das operações da companhia.
“A tendência é que o 737-400 seja a espinha dorsal das frotas de aviões cargueiros de 20 toneladas no Brasil pelos próximos anos”, analisa o vice-presidente comercial e de marketing da Modern, Adalberto Febeliano.
Os 727-200 ainda resistem
Apesar do crescimento de participação dos 737-400 nas cargueiras, os tradicionais trijatos 727 ainda guardam espaço por aqui. Se não pela tecnologia defasada, mas pela capacidade de carga.
Os Correios são o maior cliente de transporte de carga pelos céus no país. E a ficha técnica dos pregões de algumas rotas, especialmente nas que integram a Rede Postal Noturna, pede por aeronaves com capacidade para 23 toneladas. “E aí só tem 727, um avião com 40 anos”, decreta Mauro Martins, da Rio.
Para dar conta desses pregões, as empresas que operam 737 precisam usar duas aeronaves, mesmo que a carga total da rota esteja dentro da capacidade de 21 toneladas. Operação muitas vezes inviável.
A Total Cargo é a única cargueira brasileira que ainda opera exclusivamente os 727-200. Os três aviões da empresa paranaense têm mais de 35 anos. O de matrícula PR-TTO, aliás, é o mais antigo em operação no país – ele voou pela primeira vez em 1976.
“O 727 é imbatível em algumas situações. Mas tenho a consciência de que é preciso uma renovação”, avalia o presidente da empresa, Alfredo Meister.
737-800: a próxima fronteira
A renovação à qual se refere o representante da Total passa pelo Boeing 737-800. “Dentro de um ano devem começar a sair os primeiros 737-800 [cargueiros], aí sim um avião excepcional, que carrega mais carga e é mais econômico”, diz Meister.
A animação em torno desse avião tem algumas razões. Ele é mais jovem que o 737-400, portanto, mais moderno e econômico. Sem contar que tem a mesma capacidade que o 727-200. Ou seja, o substituto ideal.
Airbus entra no jogo
Além do 737-800, outro avião pode entrar nessa briga dos cargueiros: o Airbus A320. Concorrente dos 737s na aviação comercial, ainda não tem uma versão para transporte de carga, o que deve acabar em 2018, quando o programa de conversão será ativado. Seriam duas variantes: o A320 carregaria 21 toneladas e o A321 com capacidade para 27 toneladas.
O Boeing 737-800 ainda está na linha de produção da fabricante americana – começou a atender a aviação comercial em 1998 – e tem mais de 5 mil unidades em operação em todo o mundo. Mas aos poucos devem deixar de atender os passageiros – será substituído pela nova geração 737 MAX – para transportar carga.
Como a Boeing lançou em fevereiro deste ano o programa para converter os 737-800, a previsão é que os primeiros desses aviões voltados para a carga aérea voem a partir do último trimestre de 2017.
Mesmo assim, os primeiros exemplares cargueiros podem demorar um pouco para chegar ao Brasil, afinal ainda é uma aeronave cara para aquisição e mesmo para contratos de leasing. “Daqui a alguns anos terão maravilhosos 737-800 parados e as companhias aéreas não vão usar. Mas ainda é um avião caro”, ressalta Mauro Martins, da Rio.
Antes passageiros, depois carga
Dos 25 aviões cargueiros do Brasil, 22 serviram a aviação comercial antes de serem convertidos para o transporte de carga aérea – um deles é do tipo quick change, que atende tanto passageiros como carga com rápida alteração no formato. Tirando o Airbus A330F da Avianca e dois Boeing 767-300F da Latam Cargo, todos os outros viram, em algum momento, a cabine tomada por poltronas e pessoas.
O processo de conversão é muito comum na aviação. Quando as aeronaves deixam de ser rentáveis para as companhias aéreas e confortáveis para os passageiros, há dois caminhos: virar estoque de peças ou partir para a carga aérea.
Para transportar carga, entretanto, não basta simplesmente tirar as poltronas e receber os pallets. No caso dos 737-400, por exemplo, há uma grande modificação no lado esquerdo para instalar uma porta de carga, além de reforços nas estruturas existentes. Um processo que leva cerca de 90 dias para ser realizado.
“A maioria das aeronaves convertidas poderão ser usadas por 10 a 15 anos adicionais”, explica o diretor de programa de conversão da Pemco, Mike Andrews. A empresa americana converteu os Boeing 737-400 da Colt, da Rio e da Modern, aviões que, em média, voaram 20 anos antes de serem convertidos.
A opção pela conversão se dá por dois motivos: ausência de aeronaves específicas para carga aérea na faixa de 20 toneladas e valor mais baixo de aquisição. “O custo é mais atraente. Um avião convertido custa, a grosso modo, um terço do preço de um avião cargueiro novo”, completa Andrews.
**A reportagem entrou em contato com a Colt Cargo, mas não teve respostas. Já a Sideral tem uma política de não atender a imprensa.