Estamos vivendo um momento sem igual na história da cerveja no Brasil. A bebida alcoólica mais consumida do mundo, e uma das mais antigas, ganha corpo e visibilidade no país a medida em que o consumo aumenta – principalmente, mas não só, no segmento artesanal. É um momento importante que frequentemente é comparado à revolução das cervejas artesanais dos Estados Unidos, um movimento teve início no final dos anos 70 e começo dos 80 e fez o número de pequenas cervejarias disparar no país, aumentando a variedade de produtos disponíveis e ajudando o país a construir uma identidade e cultura cervejeira própria. No entanto, o setor enfrenta um grande desafio no Brasil: os impostos da cerveja. Na grande e na pequena indústria,a carga tributária que incide sobre a cerveja chega a cerca de 60% do preço. Somente no último mês, a cerveja sofreu com dois aumentos em cerca de 30 dias, às vésperas da Copa do Mundo.
O primeiro foi no começo de maio e serviria, segundo o governo, para cobrir o rombo da energia elétrica (veja outra análise aqui), o que deve impactar o preço da cerveja para o consumidor em 0,4%. O segundo foi um reajuste na tabela sobre a qual são calculados PIS, Cofins e IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), e deve gerar aumento de 2,25% em média. As duas medidas impactam todo o setor de bebidas frias, que inclui também refrigerantes, energéticos e isotônicos. A Receita Federal espera arrecadar até o fim do ano mais R$ 200 milhões no primeiro caso e R$ 1,5 bilhão no segundo.
O setor foi pego de surpresa, principalmente pelo mais recente, que aconteceu sem aviso na quarta-feira (30). A Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (Cervbrasil), que reúne as quatro maiores empresas do setor (Ambev, Brasil Kirin, Petrópolis e Heineken), chegou a divulgar nota oficial, na qual comenta sobre ter sido surpreendida e a respeito da falta de diálogo prévio sobre o assunto. Também alertou para o fato de ter contabilizado um aumento de 30% em impostos da cerveja desde o abril do ano passado.
E olhe que esse é um setor importante para o Brasil. Além da popularidade da bebida entre os brasileiros, que está aprendendo também a apreciar a cerveja artesanal, o país é o terceiro maior produtor de cerveja do mundo. O setor também representa 3% do PIB nacional. Além disso, segundo a nota da Cervbrasil, fez aportes de mais de R$ 22 bilhões no país nos últimos três anos, gerando 3 milhões de empregos, diretos, indiretos, induzidos, desde o agronegócio até o pequeno varejo.
Obviamente, o problema dos impostos não é exclusividade da cerveja – o Brasil tem a carga tributária mais pesada entre os países emergentes e uma das maiores do mundo. No entanto, esses aumentos recentes vão na contramão do que acontece no resto do mundo. Outros países, como Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha, contam com incetivos para indústria da cerveja, principalmente a pequena. Esses incentivos, inclusive, são dos principais responsáveis pela mudança norte-americana e o resgate das cervejas inglesas nos anos 90.
Qual a diferença, então? Nesses países a tradição da cerveja é mais antiga e arraigada do que no nosso. A cerveja faz parte da cultura, até mesmo da identidade cultural nacional, sendo um bem e, principalmente, vista como alimento – e não como droga lícita, como infelizmente ainda é encarada em nosso país. Nesse ponto de vista, não é de se entranhar que a cerveja sofra uma “sobretaxação” semelhante a feita no cigarro, por exemplo, porém velada.
Um dos outros temores do governo é, por exemplo, que um incentivo a esse tipo de indústria seja visto como incentivo ao consumo de bebidas alcoólicas. O que mais uma vez vai na contramão do que acontece em outras partes do mundo. Além do lema das cervejas artesanais, do “beba menos, beba melhor”, a cerveja foi usada ao longo da história como forma de diminuir o consumo de álcool em excesso. Por ser uma bebida de baixo teor alcoólico, Inglaterra e Bélgica já apoiaram a cerveja para diminuir o consumo e bebidas mais pesadas e o alcoolismo. Esses países possuem ótimas experiências nesse sentido.
Portanto, para que se atinga patamares de países desenvolvidos, a mudança deve ser mais profunda do que só na carga tribuária ou na Lei. Deve ser cultural. A cerveja no Brasil, seja artesanal ou não, não irá para frente enquanto for encarada como droga. E olhe que estamos falando de um alimento que existe desde 6.000 AC. Infelizmente, essa é a verdade. Também falta por parte do governo, com raras exceções, conhecimento de causa e da variedade que bebida tem, sua história e tradição, para só depois tomar decisões desse tipo.
Neste terça-feira (6), a Câmara dos Deputados deve votar o Projeto de Lei Complementar 221/12, que altera o Simples, o regime tributário simplificado, e pode incluir as microcervejarias na modalidade. As pequenas indústrias se encaixam perfeitamente nas exigências, mas não podem participar por conta de produzirem bebida alcoólica. O governo chegou a pedir a exclusão de pequenas cachaçarias, vinícolas, cervejarias e fábricas de licores, mas elas foram reintroduzidas por meio de emendas, como consta no blog Dois Dedos de Colarinho.
As associações e empresas do setor já estão nessa luta há algum tempo. Resta saber se a aprovação virá. Caso aconteça, talvez indique um novo ponto de vista do governo sobre o assunto. Apesar de torcer por isso, talvez nossos líderes não estejam culturalmente maduros e bem informados o suficiente para esse passo. Resta conferir.
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