Não se falou em outro assunto na semana passada que não fosse o patrimônio dos presidenciáveis.
Alguns ficaram em estado de choque com os R$ 425 milhões declarados por João Amoêdo (Novo) e com os R$ 377 milhões de Henrique Meirelles (MDB), enquanto outros se debruçaram incrédulos sobre os pífios R$ 15 mil declarados por Guilherme Boulos (PSOL) ou sobre o patrimônio nulo do Cabo Daciolo (Patriota).
Superada a surpresa inicial com os valores reportados, seguiu-se um debate sobre a alocação do dinheiro. E lá veio uma nova rodada de julgamentos…
Jair Bolsonaro (PSL) revelou ter R$ 487 mil (21% do patrimônio) na caderneta de poupança; Alvaro Dias (Podemos) chocou com os R$ 538 mil (18,6% do total) parados em conta-corrente; Ciro Gomes (PSB) informou contar com R$ 1,2 milhão (71%) em imóveis; Geraldo Alckmin (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (por ora, o candidato à Presidência pelo PT) mostraram grande concentração em planos de previdência do tipo VGBL, com R$ 481 mil (35%) e R$ 6,3 milhões (79%) respectivamente; e Marina Silva (Rede) relatou ter apenas R$ 11,1 mil (9%) em aplicações financeiras, incluindo a triste caderneta de poupança.
Com uma análise restrita aos bens, como já era de se esperar, os únicos que se salvaram foram os milionários Amoêdo e Meirelles, com um patrimônio mais diversificado e com uma parcela em investimentos de maior risco, como ações, além de recursos no exterior, joias, obras de arte e outros itens menos presentes ou completamente ausentes nos portfólios dos outros candidatos.
Nem assim podem ser inteiramente poupados de críticas. Mas a diferença em relação à alocação dos outros candidatos é tão abissal que dá até para perdoar os quase R$ 60 mil (ou irrisórios 0,01% do patrimônio) de Amoêdo “aplicados” na poupança, produto sobre o qual meu colega Roberto Indech já comentou nesta semana.
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O fato é que as informações publicadas dão apenas uma vaga ideia do valor (não necessariamente atualizado) do patrimônio e da distribuição dos recursos dos candidatos, sem nenhum detalhe aprofundado que nos leve a compreender melhor os perfis dos presidenciáveis no papel de investidores.
Mais do que observar os erros e acertos deles, contudo, é importante que a observação sirva de gatilho para você refletir sobre a sua própria carteira. Afinal, como você investe seu dinheiro?
De fora para dentro
É quase automático para muitas pessoas saírem por aí “atirando pedras” nos candidatos pelas más escolhas na hora de alocar o patrimônio.
Facilmente se cria a ilusão de que todos nós temos atitudes bem diferentes em relação aos nossos próprios recursos. O julgamento parece nos distanciar ainda mais daqueles que disputam o cargo máximo do poder no Brasil.
Mas, infelizmente, a realidade do brasileiro “comum” passa bem longe da sofisticação financeira. Deixando de lado os muitos entraves enfrentados no país e a (in)capacidade de poupança de cada um, quando se decide aplicar o dinheiro, as escolhas seguem empobrecidas.
Números recentes da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) revelam que existem hoje apenas 70,3 milhões de contas de clientes pessoas físicas com investimento, metade delas na região Sudeste do país. Do total, 59 milhões pertencem a clientes de caderneta de poupança.
Ao mesmo tempo, os dados da Bolsa (atual B3) apontam a existência de somente 715 mil contas (sendo que um investidor pode ter mais de uma conta ativa) e revelam que apenas 166,5 mil pessoas físicas investem em fundos imobiliários. No Tesouro Direto, mesmo com o crescimento notório da base, os detentores de títulos públicos, que são os produtos mais acessíveis do mercado financeiro, se aproximam agora dos 620 mil.
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Você faz parte desse universo? Ou se parece mais com os candidatos?
Tem apenas produtos bancários, como CDBs, LCIs e companhia, ou já diversificou a parcela de renda fixa com investimentos como títulos públicos e debêntures?
Num contexto atual de juros a 6,5% ao ano, qual percentual do seu patrimônio está alocado em ativos de maior risco, como ações, fundos imobiliários ou multimercados?
E, tão importante quanto: como você tem se informado para investir seu dinheiro?
Entra ano, sai ano, mudam as tecnologias, surgem ferramentas inovadoras para facilitar a gestão financeira da pessoa física, mas grande parte dos investidores insiste em se consultar com os mesmos profissionais de 40 anos (ou mais) atrás.
Sim, os gerentes de bancos seguem como a principal referência dos brasileiros para aplicar seu dinheiro. Nada contra a categoria, obviamente, mas, a essa altura do campeonato, era esperado que as pessoas tivessem mais claro para si que os gerentes trabalham para os bancos, têm metas para bater e, por conta disso, nem sempre terão o produto mais adequado para recomendar aos seus clientes.
Há um claro conflito de interesse, que deixa as indicações comprometidas. Ainda assim, outra pesquisa da Anbima, quantificada pelo Datafolha, mostrou na semana passada que 41% dos investidores de produtos financeiros vão, presencialmente, a agências bancárias para buscar informações sobre suas aplicações com seus gerentes.
É claro que a preferência parte principalmente dos mais velhos, mas a segunda opção com mais votos na pesquisa, de recorrer a amigos e parentes, com 33%, também assusta.
Se formos a um médico e ele indicar um só remédio de determinado laboratório ou manipulado em uma única farmácia, provavelmente desconfiaremos de sua idoneidade. Então por que é que, para cuidar do seu dinheiro, você espera que um funcionário de determinada empresa – no caso, um banco – lhe dê a melhor indicação de investimento?
É importante não só analisar seus investimentos para ver onde estão alocados, mas também entender as razões por trás das suas escolhas. A julgar pela alocação dos candidatos à Presidência, é de se imaginar que a qualidade das recomendações recebidas está bem aquém do desejado…