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A mostra Fórum do Festival de Berlim é uma paralela conhecida por escolher filmes que desafiam convenções e retratam situações afetadas pela turbulência do mundo atual. Em 2003, por exemplo, “Amarelo Manga”, de Cláudio Assis foi um dos filmes premiados na Mostra com o importante troféu da Confederação das Artes.
Nesta edição no aniversário de 70 anos da Berlinale – e ela mesma completando 50 anos – uma mistura de antigo e novo percorre sua seleção. Muitos dos 35 filmes do programa são caracterizados pela forma como buscaram mediar passado e presente.
Este é o caso de “EL TANGO DEL VIUDO y su espejo deformante” dos diretores chilenos Raúl Ruiz e Valeria Sarmiento, que abriu hoje a Fórum hoje numa concorrida sessão no majestoso Palácio dos Festivais.
Ruiz filmou o primeiro material em 1967 no Chile, mas não conseguiu concluí-lo antes de seu exílio em 1973. A diretora Valeria Sarmiento, sua viúva (o cineasta morreu em 2011), transformou-o em uma obra acabada, através de várias técnicas elaboradas.
A história segue um homem cuja esposa cometeu suicídio e aparece para ele como um fantasma, seguindo-o em todos os lugares e mudando sua personalidade. Inacabado em 1967 e restaurado e finalizado para estrear em 2020.
Em entrevista à Gazeta do Povo Valéria falou sobre a origem do filme, o longo processo para finalizá-lo e o que representa sua exibição no Festival de Berlim.
Como e quando tudo começou?
“Remete ao tempo que conheci Raúl. Ele havia acabado de terminar “Três Tristes Tigres” (1968), seu primeiro longa-metragem. E me falou sobre um filme anterior que não pode terminar e que permaneceu inacabado devido à falta de recursos. Eu somente o assisti após sua morte, já que as cópias eram consideradas perdidas e só foram encontradas posteriormente no telhado do Cinema Normandie, em Santiago. Eram sete rolos, faltava o primeiro do conjunto, mas só havia a imagem sem o som”.
Foi a partir desse material então que foi dada continuidade ao filme?
“Eu formulei algumas perguntas para mim mesma que ainda não tinham respostas. O que fazer então? Como resgatar esse material? perguntava a mim mesma. Minha primeira impressão dessas imagens foi ver apenas fantasmas: grande parte dos atores havia morrido. Era o mesmo sentimento que dali em diante, iria nos guiar. A falta irremediável do som me sugeria que não seria uma questão de tornar todo esse material um filme daquela época. A música, por exemplo, deveria ser contemporânea e, assim deixar em evidência a incompatibilidade com o tempo de sua primeira filmagem”.
Como foi a recuperação dos diálogos e a realização do roteiro?
“Tentou-se imediatamente descobrir uma forma de recuperar o que os atores disseram em seus diálogos – um trabalho que poderia ser realizado com a colaboração de especialistas em leitura labial”. Com esse material, construímos um esboço de roteiro, seguido de uma história e uma primeira tentativa de montagem. Mas para nós, a duração do filme parecia ainda muito curta”.
Qual foi a maior dificuldade?
“Uma dificuldade grande foi imaginar o que Raúl teria feito. Lembrei então que ele sempre quis realizar um filme que, por um lado apresentasse imagens no sentido normal e que, por outro, elas pudessem ser vistas na direção oposta. Era o momento então de colocar em prática o “espelho distorcido” que Raúl quis criar, através da primeira história e o esboço de uma segunda que consistia em deixar a impressão de que a primeira é vista através de um espelho distorcido. Essa é a aventura deste filme”.
Você ficou satisfeita com o resultado?
“Sim e manifesto minha gratidão com todos que a ajudaram. Tenho a sensação de ter respeitado a vontade de Raúl e espero que, resgatando outros filmes que ele deixou inacabados em todo o mundo, possamos apresentar uma semana de filmes Raúl Ruiz post mortem. Devo agradecer a toda a equipe de produtores, técnicos e muitos outros colaboradores que me acompanharam nesta aventura”.
Qual o significado da seleção do filme para a Fórum.
“Hay que decir que este año Forum cumple 50 años y El tango... también”