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“Vento Seco’, de Daniel Nolasco, foi atração brasileira hoje na 70ª edição do Festival de Berlim, selecionado para a Panorama.
É um filme com muitos fatos ocorrendo pela “primeira vez”: primeiro filme não documental do diretor, primeira ficção realizada na cidade de Catalão, primeira vez em Berlim – e arrisco dizer – provavelmente um dos primeiros filmes sobre gays, focando a dimensão maior que isso pode ter numa cidade pequena, interiorizada e na qual os modelos mentais e princípios das pessoas podem ser ainda muito rígidos e arraigados.
A história é ambientada numa pequena cidade no interior de Goiás e no mês de junho, quando o vento seco e a baixa umidade do ar ressecam a pele dos moradores. Sandro divide seus dias entre o clube da cidade, o trabalho, o futebol com amigos e as festas locais. Mantém um relacionamento com Ricardo, seu colega de Trabalho, mas as coisas começam a mudar com a chegada de Maicon, um rapaz que desperta o seu interesse e do qual todos sabem muito pouco.
O filme vai fundo na questão da diversidade e como essa dimensão pode se tornar muito maior para pessoas “diversas” que residem em cidades do interior do país.
Na entrevista conosco, Nolasco conversou sobre o filme, a motivação para realizá-lo, o significado da exibição em Berlim e – como todos os brasileiros que estão aqui – não deixou de fazer referência à situação atual da cultura no Brasil.
O que representa ter a première mundial de “Vento Seco” em Berlim e na prestigiada Panorama, conhecida por selecionar filmes de cunho social e qualidade artística?
“Acredito que fazer a estreia mundial do “Vento Seco” no festival de Berlim na Panorama no momento histórico que estamos vivendo acaba significando diversas coisas. Desde coisas mais práticas que decorrem da exibição do “Vento Seco” em um festival com tanta visibilidade: como as discussões que possam surgir sobre o filme; ou como essa estreia pode impactar positivamente na distribuição do filme tanto internacionalmente e quanto no Brasil.
Outra coisa é que o cinema brasileiro tem marcado presença significativa no Festival de Berlim nos últimos anos, penso que isso é um dos resultados de várias políticas públicas que vinham sendo desenvolvidas e aprimoradas e que agora se encontram ameaçadas. O “Vento Seco”, por exemplo, é resultado de duas políticas – a de descentralização da produção audiovisual que possibilitou a produção de diversas obras em todas as regiões do país; e do Prodecine 05 que era voltado para produção de filmes que propunham novas narrativas e diferentes estéticas. Diante disso e do que está acontecendo em relação à produção audiovisual do país, a participação não só do “Vento Seco” na Berlinale, mas até todos os outros filmes brasileiros e profissionais da área acabam ganhando outras camadas e significados.
2 – Qual a motivação para ter feito o filme?
“Eu nasci e fui criado em Catalão, uma pequena cidade interior de Goiás que é também o cenário do filme. Aos 27 anos eu me mudei para o Rio de Janeiro para fazer faculdade de cinema. Era minha primeira vez no Rio de e em uma cidade grande. Foi uma experiência que me marcou muito em diversos aspectos e de diversas formas. Só para entender o que significou essa mudança, em Catalão quando eu queria ir em uma cidade grande, ia para Uberlândia. Mas morando no Rio eu percebi como as pessoas que viveram a vida toda em um centro urbano desconheciam que existia uma vivência gay em cidades do interior como a que eu nasci. Uma das principais motivações para fazer o “Vento Seco” vem da vontade de mostrar parte da diversidade, da riqueza e as particularidades dessas vivências e subjetividades.
Outra forte motivação vinha da vontade de filmar Catalão, as suas paisagens, seus habitantes, hábitos, festas, etc. Esse é o primeiro filme de ficção gravado na cidade.
3 – que receptividade espera do público da Berlinale?
Como vai ser a primeira exibição do filme, confesso que fico na dúvida sobre qual será a reação do público e o que esperar – se o filme vai conseguir se comunicar com o espectador ou não. O público de festival normalmente é mais aberto a filmes que fujam de estruturas e narrativas mais convencionais, a Berlinale também tem tradição em exibir filmes que abordam o universo LGBT, diversos filmes brasileiros que se debruçam sobre essas narrativas e personagens foram exibidos lá. Então acho que isso tudo pode ajudar na recepção positiva do filme. E apesar de todas as particularidades que o “Vento Seco” tem que possa dificultar o estabelecimento de um diálogo com o público, como uma certa regionalidade que não é tão conhecida e decodificada por um público internacional, a história do filme é, no final das contas, um romance. E histórias de amor são entendidas por quase todo o mundo.