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Mutum-cavalo é uma ave grande que vive na Amazônia meridional. Pode chegar até 89 centímetros de comprimento e cerca de 4 quilos. Tem o porte de um pavão, mas sem aquele rabo característico, além de penas pretas e lisas, topete e uma crista vermelha acima do bico. Mas pelas bandas de Curitiba, Mutum Cavalo é na verdade uma grande e deliciosa IPA que tem admiradores muito fiéis pelos bares da região. Há inclusive fã clube: os mutumzeiros.
Temos por aqui cervejas e cervejarias de grande projeção nacional. Mas em Curitiba a queridinha é mesmo a Mutum”, diz Ivan Beligni, o Gugu, que trabalha no bar Beer Mad e que criou o perfil @mutumzeiros no Instagram.
Ele conta que tudo surgiu como uma brincadeira a partir da observação de que mesmo com cervejas de renome nacional e internacional sendo oferecidas no bar, muita gente só pedia Mutum e se dizia mutumzeiro. Isso é raro, pois no meio da cerveja artesanal o consenso é que o público não é fiel a marcas, mas à categoria cerveja artesanal em si.
A história da Mutum se confunde com a da Ignorus Cervejaria, que desde maio de 2018 tem fábrica própria em Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba. Ela foi a primeira cerveja feita em casa pelos sócios Marcelo Popi e Alberto Basso, em 2011, e de maneira bastante improvisada. “A gente tinha visto uns vídeos no Youtube. Só tínhamos uma panela grande. O malte foi moído no moedor de carne e no liquidificador e o chiller era feito de serpentina de um freezer velho. Tosqueira total”, conta Beto. Essa primeira cerveja era bem diferente, mas sofreu ajustes a partir de feedbacks de amigos e de um concurso.
Eu conheci a Mutum nessa época, mas já feita com equipamentos melhorados e receita nova. Fui juiz no 1º Concurso Paranaense de Cerveja Feita em Casa, promovido pela Acerva Paranaense em outubro de 2012. Ela
não só levou medalha de ouro na categoria IPA como abocanhou o prêmio Best Of Show, como a melhor cerveja do concurso. “E foi aí que começou a lenda da Mutum Cavalo”, diz Marcelo. Em 2014 também foi a melhor IPA do 1.º Concurso Sul Brasileiro de Cerveja Caseira.
Sucesso misterioso
O motivo do sucesso não é claro, até mesmo entre os criadores. A demanda reprimida é uma possibilidade.
Logo após a primeira premiação, muitos queriam experimentar a cerveja, que não estava disponível para venda. Quando conseguiram produzir comercialmente em 2014 na Cervejaria Bonato, em Curitiba, o volume era pequeno. “A gente tinha mais de 2,5 mil litros de pedido e só conseguia entregar 1,8 mil por mês”, diz Saulo Basso, sócio desde 2012. Ela foi também produzida na Way Beer, em Pinhais, entre 2017 e 2018, mas o volume ainda não era o ideal.
O nome forte também é uma possibilidade. Mas talvez o mais certo seja a qualidade. Mutum é pedida certa nos bares de Curitiba, sempre saborosa e de bom custo-benefício. Dourada, com aroma cítrico marcante de maracujá, suave limão e abacaxi, traz notas suaves de tostado dos maltes, corpo médio e final seco, com amargor elevado e limpo – termo que usamos quando ele é agradável, sem adstringência ou aspereza. Um ótimo exemplo clássico do estilo.
E parte dessa qualidade é “culpa” dos fãs. “Como ela sai muito, nem o bar nem a gente consegue fazer estoque. Ela vai direto do tanque para o ponto de venda. E como gira bastante, está sempre fresca”, diz Marcelo, que calcula que ela atinge entre 70% a 80% da capacidade da cervejaria.
A Mutum e a Ignorus
A nova fábrica foi fruto de muito esforço. Grande parte do equipamento foi parcelado e houve ajuda de amigos e parentes, que formaram um grupo de investidores por uma cota da cervejaria. Mas também foi em razão dela.
“Não teríamos a fábrica se não fosse a Mutum”, diz Beto. A produção começou com 16 mil litros e 3 funcionários e depois de um ano e meio intenso, de muitos aprendizados, está indo para 11 colaboradores e cerca de 30 mil litros por mês. Hoje são mais de 10 rótulos próprios e várias cervejarias ciganas – aquelas que não têm instalações próprias e fabricam sob contrato nas instalações de terceiros.
Entre os novos rótulos destaco a Berus, uma Sour com framboesas e pitaia bastante ácida e saborosa. Outra dica é a Double IPA Tucandera, com amargor, corpo e álcool elevados. E no futuro devemos ter coisas ainda mais especiais, como a Doppelbock Malamém, premiada em 2013 como melhor Lager no 2ª Concurso Paranaense, que além da versão pura terá algumas unidades maturadas em barris de Bourbon ou de carvalho americano. Uma delícia que experimentei ainda no barril. “A Mutum é nossa cerveja de combate. Não podemos fazer nada inferior a ela”, diz Marcelo.
Para o futuro, a ideia é expandir a distribuição para outras cidades do Paraná e depois para São Paulo. Mas sempre mantendo um crescimento sustentável, mês a mês, com a qualidade que fez da Mutum a cerveja fenômeno que é hoje. “Temos o maior orgulho da nossa IPA ser referência em Curitiba, que por sua vez é referência em cerveja artesanal no Brasil”, diz Marcelo.
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