No próximo domingo, a série “Perfil” da Gazeta do Povo caminha para o terceiro personagem. Começou com o jovem Wilson Madeira, dos Meninos Cantores de Angola – vítima de uma granada que o deixou cego -, passou por Vera Maria Vianna Baptista, escritora e profissional da saúde que, junto com o marido, o medido Milton, se alista entre os pioneiros do Norte Novo, e chega agora aos cientistas Igor Chmyz e Oldemar Blasi, dois bambas da arqueologia. A programação vai até meados de novembro e as publicações serão feitas em diferentes editorias do jornal.
Tive o prazer de perfilar a Vera. Digo que esse texto começou a nascer há oito anos, quando ela veio até a redação divulgar seu livro Curitibanos nos Campos Gerais, um estudo genealógico primoroso sobre a família Vianna Baptista. Ao conversar com a autora sobre o lançamento – algo quase protocolar –, ficou a curiosidade sobre quem era aquela mulher, moradora de uma cidade pequena há tanto tempo – Primeiro de Maio -, e que conseguiu educar seis filhas nos primores da literatura e da arte.
Vera e Milton têm seis filhas, todas expoentes no seu campo de atuação. Josely Vianna Baptista, a mais conhecida, é tradutora respeitada de autores cubanos, conhece como poucos a obra de Jorge Luis Borges e hoje, com folga, uma das maiores autoridades em prosa e poesia hispânica no Brasil. Maria Ângela, a mais nova da trupe, é uma desenhista soberba. A lista de qualidades das “meninas” vai longe.
Cheguei a Primeiro de Maio, há duas semanas, disposto a investigar mãe e filhas. Mas logo às primeiras falas da entrevistada, mudei de ideia. A importância de Vera e de Milton na cidade que escolheram para viver é tamanha que outro assunto não poderia se sobrepor a esse. Deixei a pauta de lado e fiz o que deveria fazer: recolhi o testemunho daquela senhora admirável, uma legítima pioneira, sobre sua relação com cada palmo daquele chão. A curitibana bem nascida da Rua Pedro Ivo tinha se tornado uma pé-vermelho. Eis um bom assunto.
Foi fácil encontrar a casa onde Vera e o marido vivem. Bastou perguntar onde ficava a “chacrinha” do doutor Milton. Todo mundo sabe quem é. Lá estava ela: cerca vermelha, gramado bem cuidado, a Represa do Capivara ao fundo. A conversa se deu num cantinho que a anfitriã escolheu. Reza a lenda que se uma entrevista transcorre no espaço que o entrevistado considera mais aconchegante, as chances de êxito são maiores. Pode não ser regra, mas foi o caso. Vera elegeu a biblioteca, sentou em sua poltrona predileta e começou do início.
Soube sobre os Biscaia – nome de solteira de Vera – dos Vianna Baptista, da vida na chácara, da paixão por Milton, dos filhos e netos, mas principalmente da militância daquela mulher de 82 anos, cabelos brancos e raciocínio rápido sobre a implantação de programas de saúde e ação social na cidade.
Tudo o que é informe a respeito de postos de puericultura, maratonas para abrir Apaes, pedido de ajuda a autoridades, vinha entremeado por histórias saborosas sobre gente que Vera encontrou pelo caminho. Narradora por excelência, falou-me de alguns portadores de deficiência com o mesmo carinho dedicado aos seus. Andava queimada por uma jovem deficiente física demitida do Correio.
O trabalho por esse grupo foi tamanho entre os anos 50 e 90 – quando o casal decidiu se recolher – que lá pelas tantas Vera percebeu que sua casa tinha se tornado a rua: “Certa vez comprei poltronas novas, lindas. Um dia me dei conta que nunca havia me sentado nelas”. E prosseguiu, sem lamúria de dona de casa: ela não tinha chegado a Primeiro de Maio para descansar ou tomar café com as amigas.
Tenho cá para mim que as histórias de Vera são perfeitas para um perfil – e estimularia a quem quer que possa fazer mais e mais outro sobre ela: a vida dessa personalidade paranaense junta paixão, originalidade, ação no mundo, emoção, conflitos à flor da pele. Impossível não se comover com essa avó que fala de tudo, absolutamente, pelo que é: humano.
Digo mais: os anos de Vera em Primeiro de Maio são um belo estudo de caso para uma pá de situações, da vida pública e da vida privada. Por eles, pode-se especular a ocupação do interior paranaense e a saga dos pioneiros naquele Paraná então recém-nascido. Vera e Milton confirmam: o território empoeirado do Norte, habitado por gente de tudo que é canto, era estimulante demais. Eles se sentiam fazendo parte de algo diferente e definitivo. Daí a entrega, sem hora para dormir ou para sentar.
Mas não é tudo: a história de Vera é uma história sobre as mulheres, sobre os costumes, sobre a saúde pública, sobre a educação. Ela é inspiração para umas tantas conversas. Daí o prazer que tantos, e tão diferentes, têm em conhecê-la. Para isso serve um perfil.
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