“Potencial construtivo” – eis a questão. A expressão causa bocejo e preguiça. Parece assunto para uns poucos. Uma pena. Por conta da dificuldade da maioria da população em entender esse recurso de política urbana, um debate importante está escapando à sociedade. O preço pode ser alto: Curitiba está cada vez mais igual às outras cidades e cada vez menos parecida a ela mesma.
A quem interessar possa, segue um pequeno roteiro para entender “o bicho que é”. Mas não tem segredo. O próximo passo e pôr a conversa na berlinda e se posicionar. A dúvida é só uma: ao usar a política de potencial construtivo para creches e para favorecer a Copa de 2014, a prefeitura estaria prejudicando o patrimônio?
POTENCIAL CONSTRUTIVO OU DESTRUTIVO?
A LEI
Lei Municipal 9.803, de 3 de janeiro de 2000, “dispõem sobre a transferência de potencial construtivo”
O QUE É
Potencial construtivo é uma moeda virtual de compra e venda de direito de construir acima da metragem permitida pelas leis de zoneamento e de uso do solo. Quem tem direito a construir mais, mas está impedido por se tratar de imóvel histórico ou área de proteção ambiental, pode vender seu direito a outro, revertendo o dinheiro para restauro, conservação e preservação.
QUEM COMPRA
Qualquer pessoa física ou jurídica interessada em construir acima da capacidade permitida em seu terreno e zoneamento. Na prática, compradores são principalmente empreendedores da construção civil e o próprio poder público, que utiliza o benefício em programas de habitação popular.
QUEM VENDE
Proprietários de imóveis históricos – as chamadas Unidades de Interesse de Preservação (UIPS), ou de áreas verdes protegidas. O poder público vende para custear habitação popular e para bancar as chamadas Unidades de Interesse Especial de Preservação (UIEPs), que podem ser o prédio do Ministério Público ou a rede de creches.
QUANTO VALE
O valor do metro quadrado do terreno do que cede e do que recebe o potencial segue critérios da lei 7291/1988. Hoje, o metro quadrado oscila entre R$ 200 e R$ 350. Cálculo não é para amadores, pois equaciona dispositivos como zoneamento, valor de mercado do metro quadrado, coeficiente de aproveitamento, área total, entre outros que podem diminuir o valor e tornar o caro mais barato.
COMO SURGIU
Na década de 80, como forma de angariar dinheiro para o restauro e conservação do patrimônio histórico de Curitiba. Donos de imóveis considerados unidades de interesse de preservação (UIPs) podiam vender potencial construtivo para bancar despesas. Ainda nos anos 80, política nascida para custear patrimônio passa a ser utilizada para preservar áreas verdes e nos anos 2000, para construir creches e agora para restaurar um campo de futebol.
A POLÊMICA
Nova legislação municipal sobre transferência de potencial construtivo, aprovada no ano 2000, ampliou mais uma vez os beneficiários do recurso. Além do patrimônio, do meio ambiente e da habitação popular, passaram a vender potencial construtivo grandes obras, como a Linha Verde, e setores específicos escolhidos pela prefeitura. É o caso das creches e agora do Campo do Atlético, espécies de UIEPs por decreto. Esta política estaria criando uma concorrência desleal entre o cidadão e a prefeitura.
UIP X UIEP
Venda do potencial construtivo de um imóvel histórico (UIP)
1. O proprietário tem de ir à luta ou contratar profissional especializado.
2. Há burocracia no repasse, o que implica maratona em cartórios e por duas secretarias municipais – Urbanismo e Ippuc.
3. Cálculos costumam ser decepcionantes, muitas vezes não cobrindo as despesas básicas, como pintura.
Venda de potencial construtivo de UIEPS, como creches e campo de futebol.
1. Negociação é feita diretamente na prefeitura, em vezes, como uma prestação nas Casas Bahia.
2. Valor do metro quadrado acaba saindo mais barato, pois cálculo não inclui despesas com restauro, diferentemente do que acontece com as UIPs.
3. Construtores – maiores consumidores de potencial construtivo – procuram oferta maior e mais barata. Em muitos casos, há recomendação de que seja comprado o potencial de creches, por força do decreto 689, de 12 de maio de 2009, que legislou o repasse para esse fim, inibindo os compradores interessados em patrimônio.
O QUE ALEGAM OS PROFISSIONAIS DE PATRIMÔNIO
• O mecanismo de transferência do potencial construtivo foi criado para impulsionar o restauro do patrimônio. A mudança nas regras prejudicou o setor.
• O Decreto 689, assinado por Beto Richa ano passado, para vender R$ 10 milhões de potencial para a construção de creches, teria inibido o setor, afastando investidores do patrimônio e mudando a posição da prefeitura: de mediador e facilitador do repasse, o poder público passou a decidir para onde vai o dinheiro do potencial.
• Diminuiu o apoio aos donos de imóveis históricos. A lei não equivale a tombamento, mas as obrigações sim. Proprietários recebem pouco em troca da conservação.
A PREFEITURA ALEGA
• Que além do potencial construtivo, oferece desconto no IPTU de até 100% para proprietários que conservem bem imóveis históricos.
• Que ampliou a lei do Uso do Solo, de 1975. Pela nova legislação, até a Linha Verde gerou venda de potencial construtivo, dinamizando o mercado imobiliário.
• Que a lei obriga os empreendedores a irem atrás da transferência de potencial. A prefeitura vende direito de 12 andares onde se pode construir 14 andares. Os outros dois são procurados no mercado. Logo, todos os vendedores teriam compradores.
• Que o mercado ainda está se adaptando à nova legislação.
• Que cada setor tem seus captadores próprios, evitando ação predatória entre eles. A dizer:
• RECURSOS CAPTADOS DE 2005 a 2010 COM POTENCIAIS CONSTRUTIVOS – VALORES EM REAIS
• 2005 – R$ 4.749.452,80
• 2006 – R$ 1.223.155,60
• 2007 – R$ 4.550.912,20
• 2008 – R$ 4.736.021,90
• 2009 – R$ 7.848.621,90
• 2010 – R$ 2.624.845,40
ANOTE
o Potencial construtivo do AtlétICo é de R$ 90 milhões. Diz-se que pode gerar deságio no setor e monopolizar a compra e venda de títulos nos próximos anos.