Por: Ana Biselli e Rodrigo Junqueira
Um dia preguiçoso, o sol nasceu brigando com o vento e as nuvens para conseguir garantir o seu espaço. Saímos do Corumbau, no Sul da Bahia, em direção à Barra do Cahy, um daqueles lugares paradisíacos com rio, praia e falésias, já que a paisagem nordestina as prefere às montanhas. Passamos por uma pequena comunidade, aldeia indígena que resiste bravamente desde os idos de 1500.
Tupiniquins que viviam tranquilos e em paz na sua taba olham para o mar e avistam algo estranho se aproximando, não sabem do que se trata, nunca viram algo parecido, tão grande e espalhafatoso. Todos correm e se armam com arcos e flechas, prevendo o perigo que se aproxima, mal sabem eles, hoje é o dia do descobrimento do Brasil.
Várias caravelas portuguesas navegam em direção à costa brasileira sem saber o que irão encontrar. “Terra à vista!”, grita o marinheiro ao avistar terra e uma montanha, que por ser tempo de páscoa chamaram de Monte Pascoal. Pensavam que seriam as Índias, mas logo notam que estavam equivocados. A primeira caravela se aproxima da praia e alguns portugueses desembarcam na praia, junto à Barra do Rio Cahy. Lá encontram os primeiros habitantes locais e passam a chamá-los de índios. Os tupiniquins não sabem se devem confiar nestes homens esquisitos, vestidos de forma estranha. Há uma primeira troca de bugigangas e aos poucos os índios vão ganhando confiança. No terceiro dia dois dos líderes da tribo vão à embarcação portuguesa, desnudos, chocam parte da tripulação, ainda não acostumada ao hábito dos locais. Logo todos já estão amigos e os índios começam a ajudar os portugueses a carregar lenha para as embarcações, para produção de carvão. Assim começa a história do Brasil que todos nós já bem conhecemos, o desmatamento, a exploração da colônia, a perseguição aos nativos e o genocídio da população que ocupava as terras do novo continente.
Quando chegamos ao Cahy é praticamente impossível não refazermos em nossa mente toda esta história, imaginar que foi ali que tudo isso aconteceu. Na estrada que usamos para chegar lá, são centenas de hectares de pastos e eucaliptos que hoje substituem o que um dia foi a Mata Atlântica. Quanto não foi devastado? Aqui vemos claramente onde foi que tiraram os 92% da Mata Atlântica que um dia existiu no Brasil. Este é um problema que vem de longe, fomos colonizados desta forma, foi assim que nasceu a nossa cultura e o nosso povo, da extração, da exploração, difícil mudar algo que vem se enraizando há mais de 500 anos.
Belíssima praia, o rio ainda não “pocou”. Por estar com seu volume baixo suas águas, ainda não encontraram o mar. As falésias mostram que o mar tem sido bravo em conquistar mais espaço. Cumuruxatiba, uma vila que fica apenas 14km mais ao sul, nos lembrou muito a Ilha do Mel, praia, mata, um estilo meio alternativo das casas e pousadas. Um almoço no restaurante do Hermes e um brinde, ao descobrimento do Brasil! O sol vai ganhando ainda mais espaço e dando a promessa de que veio para ficar.
Praia, coqueiros, água de coco, recepção calorosa e amistosa dos baianos e, principalmente, o sol não nos deixam mentir. Uma ponta de areia que se estende uns 300 metros mar adentro e que dá o ar da graça apenas na maré baixa. Um cenário maravilhoso, todos os tons de verde se mostram da areia até a sombra do arrecife que ladeia a língua de areia.
Um quilômetro ao norte dali fica o Rio Corumbau. Às suas margens se encontra uma aldeia de índios pataxós, que assumiram a costa já que os tupiniquins não conseguiram sobreviver aos portugueses. Conversando com os comerciantes na vila de pescadores soubemos que na aldeia existem escolas que ensinam a língua indígena falada por eles, assim como a cultura e história do seu povo. Algumas professoras brancas que já lecionaram nessas escolas acabaram se apaixonando por pataxós, casaram e hoje vivem dentro da cultura indígena. Assim começou e continua a miscigenação que faz o povo brasileiro e que não poderia ter dado mais certo.
Convivemos ainda mais perto disso no famoso Monte Pascoal. O parque nacional é gerenciado pelo Ibama, Funai e pela tribo Pataxó responsável pela recepção e por guiar os turistas nas suas trilhas. Quem nos guiou foi Timiniá, uma pataxó de 31 anos, casada e com 4 filhos que vivem ali na aldeia. Está localizada onde era uma antiga fazenda, onde produzem legumes, verduras e raízes para subsistência e para venda nas feiras próximas. Com este dinheiro, eles podem comprar roupas e alimentos para a família. 1700m de trilha em uma pirambeira bem inclinada que nos leva dos 100m até os 535m de altura do Monte Pascoal. Ele fica um tanto quanto afastado do mar, mas mesmo assim segundo relados foi primeiro ponto a ser avistado pelas caravelas portuguesas. Este parque, junto com o Parque Nacional do Descobrimento, guarda o pouco que restou da Mata Atlântica na costa brasileira.
Continuamos pela Costa do Descobrimento e finalmente chegamos à Caraíva! As ruas da localidade lembram muito a Ilha do Mel, ruas de areia, onde é proibido qualquer veículo motorizado, postes de luz e iluminação sem uma cobertura orgânica, tecido ou palha. A comunidade se organiza para que a vila mantenha suas características. Hoje a velha Caraíva não tem mais para onde crescer, uma vez que suas fronteiras estão delimitadas pelo mar, rio e pela área do Parque Nacional do Monte Pascoal. A única internet que existe é via rádio no internet café e está com problema há uma semana, por isso ficamos ilhados. O modem da internet até funciona, mas em uma velocidade 1G.
Um dia em Caraíva é uma das histórias que podemos equiparar com um dia em um paraíso. Primeiro você deve escolher: rio ou mar? Ambos estão ali, ao seu alcance e deliciosos te esperando. Na lua cheia, a maré vai para os seus extremos, extremamente alta ou extremamente baixa. Pela manhã, ainda na baixa, as águas do mar deram espaço às águas ferruginosas do rio, que por sua vez formaram uma paisagem maravilhosa entre bancos de areia e ilhas de corais. Aos poucos as águas verdes do mar tomam conta e vão vencendo a correnteza do rio. O rio antes vermelho já parece verde, antes calmo, já é corredeira. Observar a terra em movimento é uma atividade corriqueira neste pedacinho do paraíso. As ilhas já foram completamente inundadas e o cenário já é outro, o sol começa a se despedir atrás do manguezal. Algumas horas depois, a lua amarela torna prata os verdes mares e cheia de si vence quaisquer nuvens para iluminar toda a vila de Caraíva.
A 5km de Caraíva, caminhando pela praia chegamos à Praia do Satú. Primeiro lugar com vida depois de uma extensa praia pela qual vamos passando apenas pelos cercados de fazendas de coco. O Satú já mora lá há muitos anos e há algum tempo abriu uma barraca que funciona no verão. Chegamos lá com a maré ainda baixa e encontramos algumas crianças brincando nas piscinas naturais. Lagoas deliciosas para um banho, arrecifes e falésias douradas maravilhosas. Depois das lagoas, parte da caminhada acontece pelo alto das falésias, subimos e continuamos por trilhas seguindo as placas da Praia do Espelho. Quando cruzamos toda a falésia pelo alto a primeira vista que temos novamente da costa é impressionante! Um mar azul, transparente e uma vista de tirar o fôlego. Ali só faltam alguns quilômetros para descermos das falésias do Espelho e chegarmos à Praia de Coruípe, também chamada de Praia do Espelho. Pousadas chiquérrimas ficaram muito conhecidas pelo clima romântico e pelo turismo mais selecionado que proporcionam. Mas vale à pena, o lugar é mágico, rio desaguando no mar, pousadinhas à beira da praia com um lounge super gostoso para casais, famílias e até para os solteiros que querem descansar.
O roteiro da Costa do Descobrimento sem dúvida é uma ótima pedida para as férias, além de viajarmos pela história, viajamos por praias maravilhosas, de águas cristalinas e muita tranquilidade, de Corumbau à Caraíva, passando pelo Monte Pascoal.
Próxima Semana
Passaremos por Trancoso, Porto Seguro onde vamos conferir o marco histórico do descobrimento, pedra colocada por Gonçalo Coelho. Seguimos pelo litoral da Bahia até Itacaré.
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