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Diretora mineira é cúmplice de suas personagens no documentário A Falta Que Me Faz

Alexandre Baxter/Divulgação
Cena do filme “A Falta Que Me Faz”, de Marília Rocha, que tem apresentação no Festival de Brasília

No meio de uma programação diversificada que incluía documentários declaratórios sobre política (Perdão Mister Fiel, de Jorge Oliveira) e música (Filhos de João, de Henrique Dantas), mais um documentário formalista interessado na poesia da imagem (Quebradeiras, de Evaldo Mocarzel), e um romance de faroeste (O Homem Mau Dorme Bem, de Geraldo Moraes), são dois filmes dirigidos por mulheres os favoritos do 42º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

A tradicional mostra da produção cinematográfica do país começou na terça-feira passada com a estreia polêmica da cinebiografia do atual presidente quando jovem, Lula — O Filho do Brasil, de Fábio Barreto (fora da competição), e termina esta noite, com a cerimônia de premiação dos curtas e longa-metragens concorrentes.

Na corrida pelo troféu Candango, despontam duas obras bastante distintas na linguagem e na maneira como se comunicam com o espectador. Uma delas, É Proibido Fumar, de Anna Muylaert, é um drama psicológico com uma guinada policial, que, não apenas pela carismática dupla de protagonistas Glória Pires e Paulo Miklos, tem elementos de sobra para cativar o grande público (leia mais na edição de hoje do Caderno G).

A Falta que me Faz
O outro longa de destaque exige um olhar mais paciente. Como o da diretora mineira Marília Rocha ao se aproximar das cinco moças de Curralinho que partilham seu cotidiano de carências e risos no documentário A Falta Que Me Faz, apresentado na noite de ontem.

A intenção da jovem diretora, de respeitado trabalho autoral (venceu o festival É Tudo Verdade, em 2005, com o documentário Aboio), de início era voltar a câmera para a colheita de sempre-vivas: flores secas que substituíram o garimpo, proibido, na economia da região.

Mas a liberdade que permite a si mesma na feitura de seus filmes, sujeitando-os ao acaso, confrontou o projeto inicial a outra realidade. A das meninas (duas delas, grávidas) em trânsito da adolescência para fase adulta, seus dramas em um ambiente de beleza tão impactante quanto a escassez de oportunidades que oferece.

A qualidade única do trabalho de Marília está na intimidade cúmplice que estabelece com suas personagens. Há um domínio, talvez até intuitivo, do tempo de espera para a escuta, sem o qual é de se duvidar que fosse possível vê-las se descortinarem com tamanha naturalidade.

Dois episódios o comprovam. Na coletiva de imprensa realizada hoje, ao meio-dia, duas das garotas reveladas pelo filme estavam presentes. Um jornalista perguntou a elas como se sentiam diante da câmera durante as filmagens e qual havia sido sua reação ao assistir às suas vidas projetadas para uma grande plateia na noite de ontem, no Cine Brasília. Responderam com uma timidez emudecedora. Completamente diversa da espontaneidade com que falam para as lentes de Marília.

Outro exemplo vem do próprio filme. Perto do fim dos 80 minutos de duração, uma das garotas se sente à vontade para inverter os papeis e fazer perguntas pessoais para a equipe de filmagem. A conversa flui amena e bem-humorada.

A exposição da presença desses interlocutores externos, que vieram de longe para filmar a realidade delas, nunca é negada. Ao mesmo tempo, se harmoniza com o ambiente, minimizando a estranheza de um olhar estrangeiro que ressaltaria as “faltas” como uma triste sina, à qual apenas meninas como aquelas estariam fadadas.

Pelo contrário. Em alguma medida, quando expõem sua maneira de lidar com o suicídio, a morte do pai, a amizade, a traição, a liberdade, o casamento e o amor — ao menos para quem tiver paciência de prestar atenção –, as cinco personagens reais de A Falta Que Me Faz revelam carências com as quais é possível se identificar muito além dos arredores de Curralinho.

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