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A banda Nuvens faz dois shows neste final de semana, no simpático Teatro Paiol, para lançar Fome de Vida, segundo disco de estúdio. Semana passada bati um papo com Rapha Moraes, vocalista, e Marcus Pereira, percussionista do grupo.

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Conversamos sobre Poléxia – Rapha foi co-fundador da banda – e Hermann Hesse, sobre o momento de Curitiba no cenário musical nacional e o trabalho do produtor Álvaro Alencar (Maria Rita e Lenine). O mais impressionante, entretanto, foi perceber como Fome de Vida é realmente um pacote completo, que uniu pessoas e resumiu o momento especial dos cinco integrantes da banda. Abaixo, a entrevistona completa. Matéria e resenha sobre o álbum dos curitibanos, você lê aqui.

Novo disco então. Quando ele começou a surgir?
O processo começou em dezembro de 2010. Tínhamos a intenção, no começo
do ano passado, de dar uma renovada. Apontar para outro caminho e fazer uma nova
história. Não sabíamos direito pra onde a gente ia.

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Por que queriam mudar?
Não era nem no sentido de mudar, mas de fazer algo novo. Naturalmente a gente
mudou. Não foi pensado. Aconteceu, é coisa de visão de mudo. A gente conhece novas pessoas, tudo muda.

“O mundo muda, a gente muda”, canta André Abujamra…
(Risos) Pois é! Houve um momento em que comecei a compor músicas que falavam coisas parecidas. Deu um estalo. Pensei “pô, tá vindo algo com unidade, mesmo que inconsciente.” Aí continuei compondo, a vida acontecendo, e o tema começou a se aprofundar. Chegou um momento em que conversamos sobre fazer uma renovação. Saíram dois músicos, entrou um novo. Guima [Guilherme Scartezini], o batera, aí falamos: vamos fazer um disco novo. Foi um processo natural de transformação humana. Ano passado ficamos uma semana isolados, discutindo a banda, conceitos, caminho de arranjo e composição. Tinha um teclado, agora não [saiu Vinicius Nisi, d’A Banda Mais Bonita da Cidade]. Pensamos em explorar mais a guitarra, baixo. O Guima tem bastante punch, é bem técnico, mas bastante roqueiro. E três livros também fizeram parte disso tudo.

Quais?
O Poder do Mito [Joseph Campbell], A Alma Imoral [Nilton Bonder] e o Lobo da Estepe [Hermann Hesse]. O Edson Bueno [ator e diretor teatral] tem uma importância grande no projeto. Se tornou amigo, o tino dele de diretor de teatro funcionou. Ele que me apresentou O Poder do Mito. ‘Você vai pirar’, ele me disse. Mas os três livros falam
a mesma coisa.

Qual a grande mensagem?
Não existe uma grande mensagem. Existe um caminho, que é falar que a vida
justamente é movimento, que tudo se transforma o tempo inteiro. Os três livros
discutem a humanidade no sentido da dualidade do homem. A sociedade tem como
costume colocar o certo e o errado. Mas sou eu que decido isso. Será que o errado
às vezes não pode fazer bem pra mim? Estava em um momento pessoal de muita
transformação. O Lobo da Estepe fala, durante boa parte do livro, do lobo e do homem. Do certo e do errado, e do que há no meio. Esses livros vão todos por esse caminho.

Interessante, porque compositores normalmente prezam muito por extravasar
aquilo que tem dentro de si, entender aquilo como mensagem e esperar que o
mundo compre isso de alguma forma. E você é um cara solidário nesse sentido.
Gosta de absorver e se conectar com mais coisas, ler, remoer e aproveitar isso.

Acho que é uma característica da banda… lembro quando surgiu o nome Nuvens. Surgiu
e veio a concepção de que as nuvens estão se transformando o tempo inteiro. Elas têm
uma forma, mas ela perde a forma de vez em quando.

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Às vezes ela nem existe
Isso, não tem uma regra. A ideia artística do projeto é um pouco essa também. Ao
menos nesse momento, porque pode ser que amanhã mude (risos). Já estou muito dentro
dessa história toda… e estou melhor como pessoa. Estou vivendo muito mais o presente. O eterno não está além do que vivemos, está na nossa capacidade em transformar
momentos. Hoje, para mim, é muito importante que a arte seja condizente com o que eu
vivo, com o que eu sou nesse instante. Para mim e para banda, não conseguiria fazer algo só racional. Tem muito de trabalho intelectual, de pesquisa. Sempre fui muito mais
intuitivo, mais “xamânico”.

Inspiração?
Também. Evolui muito enquanto artista. Porque hoje consigo, no meio do processo,
sentar e dizer: quero falar disso. E aí a inspiração vinha durante o processo. Mas essa
coisa de absorver o que está em volta não é um privilégio meu. O artista é sensível ao
que está ao redor dele. Na arte há muito do ego, mas no geral existe isso.

Numa entrevista recente, o Criolo disse que as pessoas têm fome. De farinha, de
feijão, mas de filosofia e paixão também. E a fome de vida, existe por aí?

Quando se fala em cultura, em conhecimento, acho que essa fome é latente. Elas têm,
mas não sabem. Não acho que é o nosso papel despertar isso, acho que não. Não acho
que a Nuvens vá se tornar uma banda de massa.

Vocês querem isso?
Queremos levar nossa música ao maior número de pessoas possível. Mil, dez mil, cem mil. Quem vai dizer não é a gente. Seria muita pretensão termos controle sobre isso.Fazemos o que a gente acha que é nossa verdade nesse momento. Fizemos o projeto pensando o que queríamos levar para as pessoas. É a primeira vez na vida que toco em um projeto em que cada um tirou muito de si. Aprendemos muito de forma coletiva. Aconteceu de eu chegar, mostrar uma música e levar um revés. Pô, para mim era linda aquela música. Mas os caras me cutucavam. Aí eu varava a madrugada trabalhando nela, chegava no dia seguinte… e aí sim. Isso porque os caras me conhecem, e sabiam que eu podia dar mais. A mesma coisa com os outros. “Saiu o teclado, como fazemos para substituir?” Vamos trabalhar a percussão orgânica, mas agora partir para um outro
caminho, coisas eletrônicas. Foi tudo meio pensado.

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Então acho que é mais do que um disco, né. É uma obra maior, no sentido de que algo além da música foi construído
(Marcus Pereira). Sim, o disco foi, em parte, transformar todas as nossas forças de trabalho em algo que se pode pegar. Mas que não é só isso. Nós passamos por muita coisa e foi lindo. Ensaiamos todos os dias em janeiro, antes de gravar.

Como foi a gravação?
11 dias em fereveiro. Depois, o processo se estendeu um pouco. O Alvaro [Alencar,
produtor] tinha muitos trabalhos pra fazer, inclusive em nova York. Aí fui para o Rio, fiquei na casa dele.

Já conheciam o Álvaro?
Então, foi muito louco. Quando falo que essa intensidade do projeto, das pessoas
envolvidas e da banda foi muito grande, em alguns momentos penso: como a gente tá
abençoado. Tem pessoas muito talentosas em volta. O Álvaro: tinha dois discos que
estava ouvindo muito, o Amar la Trama, do Jorge Drexler, que é um cara que eu gosto
muito; e o outro o da Maria Rita, o Segundo. Acho a sonoridade do disco linda, porque foi gravado ao vivo. Você escuta a alma dos músicos. Nosso disco acabou se tornando cada vez mais rock, e seguiu por um caminho diferente. Mas tenho um sonho de gravar um disco todo ao vivo. Aí abri o disco da Maria Rita, abri o encarte, achei o nome dele, fui no site, vi que o cara ganhou 11 Grammys. Pensei: vou ligar. Liguei, expliquei, falei da banda. A primeira coisa que você pensaria é: não vai rolar, mas rolou. E ele trabalha
bastante com mainstream. Agora está mixando um seriado da HBO, fez o ultimo da
Maria Rita, é um outro patamar da indústria. Na verdade, ele é mainstream, mas é cool.
Ele fundou a Toca do Bandido com o Tom [Tom Capone (1966-2004) lendário produtor brasileiro]. Ele que trouxe o cachorro do Tom no avião, quando Tom morreu. Aí mandei o disco, o primeiro, ele gostou e rolou. Virou um grande amigo da banda. E isso aconteceu com várias pessoas. Também com a Edith de Camargo [vocalista, Wandula], que fez a preparação vocal do disco. Nós fomos o máximo que a gente pode em nós mesmos.

A mensagem do disco está muito clara. Acho isso um grande ponto, o fato de álbum estar redondo, sem arestas.
É, tivemos ideias, também em relação ao nome do disco, que soavam pretensiosas. O
Fome de Vida tem muito conteúdo. A gente é bonitinho, louco, do bem, do mal. A gente
é humano. É isso que a gente é. Fome de vida é uma ideia que sugere o movimento. A
fome de vida gera evolução.

Voltando um pouco, sobre a gravação e sonoridade. Na minha
opinião, o primeiro era etéreo, ambiente demais, por assim dizer. Era o momento
da banda naquele momento, mas faltava um punch de alguma forma. Acho que
nesse disco a mensagem está completa, e a Nuvens surge com mais personalidade —
além de estar mais rock. Isso foi acontecendo aos poucos, estava nos planos?

Não queríamos mudar. Mas a gente mudou. Quando percebemos que mudamos,
queríamos tirar o melhor disso. Tirando o Marquinhos, todo mundo tem uma criação
roqueira. Eu vivi muito o grunge. Ouvi muito Pearl Jam, Soundgarden, Alice in Chains.
(Marquinhos): a mudança foi favorável a essa sonoridade também. Exploramos mais alguns instrumentos.
Tem outra coisa: o primeiro álbum não é um disco de banda. Saí da Polexia, tinha
muitas composições, queria fazer algo de uma maneira que pra mim fosse condizente
com essa verdade momentânea — que não era mais a da Poléxia — e comecei
a entrar em estúdio sozinho. A intenção era me descobrir. Agora não. Já tinha me
descoberto e já existia uma banda. No primeiro disco, gravei baixo, violão, guitarra e
voz….

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Fome de Música, hein?
(Risos). É, aquele era outro momento. Além da mudança da banda, foi uma necessidade
de transmitir musicalmente o que as canções pediam.

Tem um tema recorrente no disco, um fio condutor?
Tem. É uma ótima pergunta… e precisa ser uma resposta certeira.

Não precisa, não.
Precisa sim, para mim mesmo. Talvez eu não tenha certeza, acho que a resposta é essa:
a incerteza. A grande beleza de estar aqui é isso, a incerteza das coisas.

O acaso?
Também. Tem um texto, que vai estar no começo do show. É uma locução do Eduardo
Galeano, algo que ele disse em uma entrevista que tem tudo a ver com a essência do disco. Perguntaram: ‘para que serve a utopia?’ Ele disse: ‘sempre que eu ando dez passos em direção a utopia, ela dá dez passos à frente. Eu sei muito bem que nunca vou chegar nela. Então pra que serve? Para eu caminhar.’ O clichê de que o caminho é mais importante do que a chegada está muito presente aqui. Cada faixa fala sobre uma parte do caminho. O Fome de Vida fala sobre essas incertezas. E de curtir isso. Aquela paixão, que bate às vezes e você fala: “vou me entregar”. Se entrega por duas semanas.
Depois de algum tempo não está rolando mais por algum motivo, mas aquelas duas
semanas…

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Durante o processo todo, ouviram algum artista em especial?
Marquinhos): O Jorge Drexler. Conhecemos meio juntos, fomos para São Paulo em
um show. É um trabalho que me toca bastante, pela forma como as músicas foram
trabalhadas. A parte rítmica é um pouco diferente do normal.
No lançamento do primeiro disco, tinha muito preconceito com o novo rock.
Strokes e essas bandas que surgiam e ficavam hypadas. Na época eu ouvia muita música brasileira. Para mim essas bandas novas soavam pasteurizadas. Não tinha a organicidade das bandas roqueiras antigas. Mas, de lá pra cá, isso se transformou. Esse disco tem muita influencia de Jorge Drexler, mas também do rock setentista, Led Zeppelin, The Stooges e de bandas novas. E o Álvaro também trouxe as suas referências.

É um disco cheio de conceitos, denso. Pensaram sobre o momento da indústria fonográfica, e a possível inserção de Fome de Vida nela?
Talvez a musica que mais funcione comercialmente hoje é a mais rápida, direta. Em geral, o que você escuta, por mais lindo que seja, não dá espaço para o frenesi do artista, para viagem. Porque existe medo de arriscar. Não digo que isso é ruim, é uma característica. No disco, nos permitimos isso. Tem uma musica que tinha 3 minutos,e deixamos ela com 5 minutos e 30. Não importa se vai tocar na rádio ou não, mas,para nós, aqueles dois minutos e trinta, aquela guitarra… tinha que ser aquilo. Não que não pensemos no mundo, mas nos preocupamos com a música. Musicalmente nos permitimos ir na contramão do que é feito hoje, e foi algo consciente. Algo que a gente
assumiu.

E a Poléxia?
Fundei a banda junto com o Rodrigo [Lemos, d’A Banda Mais Bonita da Cidade e Lemoskine] e o Dudu [Eduardo Cirino, da Te-Extraño]. Tocamos por nove anos juntos, nos formamos musicalmente juntos. Saí em 2006…

A Poléxia e seu disco O Avesso foram importantes marcos no rock da cidade. A
banda abriu para Los Hermanos, fez muitos shows importantes em São Paulo etc.
e você tem toda essa história com eles – história que não deu certo. Aí começa uma
nova banda, um disco, um outro disco, as coisas andando e agora você diz que as
músicas vão na contramão do que está acontecendo aí, ao menos em termos de
mercado. Te dá algum tipo de medo, de patinar de novo?

O medo está presente em tudo o que é novo e diferente. Esse é um risco que assumimos.
Isso é algo que está muito presente no nosso dia-a-dia. A felicidade está na hora de escolher as coisas. Não tenho medo porque o que vivemos nesses quatro anos foi
muito positivo. Talvez o trabalho tivesse certa imaturidade em um primeiro momento,
mas soubemos retirar coisas boas dele. Tivemos até um respaudo financeiro, mas em
determinado momento não éramos mais aquilo e tínhamos que nos renovar. Acredito
que o mundo é segmentado, de nicho. Quando falo que não é um disco para as massas,
é que dificilmente vamos tocar no Faustão por causa dele. Mas isso não quer dizer que
não podemos fazer shows para duas mil pessoas. É uma construção, e tem muita gente
aberta para isso.

Ser a Nuvens em Curitiba faz diferença?
Sim, e ultimamente para melhor. Quando a Polexia começou, era muito diferente.
A cidade mudou, evoluiu. Talvez por vir muita gente de fora, o preconceito e o
tradicionalismo diminuíram. Existe mais vontade de as pessoas estarem nas ruas, se
comunicarem. Consequentemente, a arte acaba tendo um papel mais importante. Curitiba está em um momento muito especial, em que nunca teve.
Grandes artistas tiveram importância nisso e isso precisa ser valorizado. Chegou em
um ponto em que a cidade tem muita gente talentosa fazendo as coisas, e em sintonia.
Quando nos encontramos em um show na Casinha, ou em um outro show, isso é muito
bacana, ver que as coisas estão acontecendo. Até arrepia. E se vivemos numa bolhinha pequena é porque a criamos. Curitiba está bonita, mas ela precisa ser levada para o Brasil, para o mundo. O olhar de fora mudou e o olhar de dentro está mudando a cada dia. Parece que todo mundo quer fazer, quer botar o bloco na rua.

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Teve o caso Banda Mais Bonita da Cidade e por esses dias as cinco indicações ao VMB.
Outra prova. A Banda mais Bonita foi fundamental. Todo mundo está trabalhando
muito, e aí acontece algo com quem está do seu lado. Pô!
(Marquinhos): a máquina estava andando, mas andava rangendo.
Nós nos sentimos atingidos, positivamente. São todos muito próximos. A Uyara
[Torrente, vocalista] gravou o primeiro clipe da Nuvens. Um dia depois do que
aconteceu estávamos comemorando juntos no James. Em uma semana, nosso clipe
aumentou em 2 mil views. Não é só por causa da BMB, mas pelo contexto todo.

Tem toda uma corrente por aí.
É. E não é igual futebol. Posso gostar da Nuvens, e também do Narciso Nada, da
Humanish, do Molungo. Uma coisa não anula a outra, e pode se potencializar. Mas não
vejo que há uma necessidade de botar todas as bandas aqui e fazer uma reunião pra que
tudo “aconteça”. Quando se tenta olhar de fora, você vê que está acontecendo. Como
essa cidade mudou. E também o gás dos artistas e a visão do público sobre os artistas locais. Teve toda a coisa dos novos curitibanos também. Acho que não é necessário rotular, mas as coisas estão acontecendo. Pelo menos estão olhando para cá.