Já faz um tempinho (12 de junho) essa crítica saiu no Estadão sobre Isso te Interessa?, espetáculo mais recente da curitibana Companhia Brasileira de Teatro que esteve em cartaz em São Paulo no mês passado. Vamos aproveitar a visão da colega Maria Eugênia de Menezes e republicar aqui:
Espetáculo da Cia. Brasileira de Teatro condensa trajetória de três gerações de uma família
Quanto tempo, quanta vida cabe em uma hora? Em Isso te Interessa?, novo espetáculo da Cia. Brasileira de Teatro, são três gerações de uma família que desfilam diante do público nesse intervalo. Mortes, casamentos, nascimentos. Tudo está contido nessa longa breve história. Só que sem as curvas e os acentos dramáticos que costumamos associar às sagas familiares.
No texto da francesa Noëlle Renaude, que ganha sua primeira montagem no Brasil, todos os acontecimentos aparecem revestidos pela mesma casca de banalidade. A partida do filho e o passeio com o cachorro. O pai que fuma um cigarro e a filha que fica grávida. Não existe diferença entre os grandes e os pequenos eventos. “A escolha dos momentos que marcam essa trajetória e a maneira como as palavras desenham esses eventos é muito bem realizada”, comenta o diretor Marcio Abreu. “É preciosa a forma como ela consegue condensar tanto em tão pouco. E não é uma concisão que se esgota ali. Não falta nada. Sobra. É abundante, é generoso. O que ela oferece de curto, de condensado, tem bastante potencial.”
Destaque da última edição do Festival de Curitiba, “Isso te Interessa?” promete estar entre as grandes realizações de 2012. Além disso, reafirma o protagonismo do grupo paranaense na cena nacional.
No original, a peça merece o nome de “Bon, Saint-Cloud”. Trata-se de uma referência a uma pequena cidade do subúrbio parisiense. Constantemente evocado pelos personagens, o lugar surge como possibilidade de evasão do cotidiano, uma promessa que nunca se realiza. Não é apenas no título, porém, que a leitura da Cia. Brasileira de Teatro se distancia do texto de Noëlle Renaude. A atual versão tem adaptação do diretor Marcio Abreu, que pontua com momentos de drama um conjunto eminentemente narrativo, seleciona o que é fala e o que é ação.
Nessa história, portanto, não importa apenas aquilo que é contado. Mas a maneira como se conta. Os diálogos dos personagens e o que seriam as rubricas aparecem amalgamados em um mesmo discurso. Constantemente, cada ator é convocado a entrar e sair do seu papel. Chegar perto para, em seguida, distanciar-se. Por vezes, seu discurso é acompanhado de uma ação correspondente. Em outras situações, porém, essa mesma ação pode ser simplesmente narrada.
O elenco formado por Giovana Soar, Nadja Naira, Ranieri Gonzalez e Rodrigo Ferrarini – que pode ser substituído por Rodrigo Bolzan – também precisa se desdobrar em diferentes funções desse clã. Gradativamente, filhos se tornam pais. Passam a ocupar outro lugar dentro da estrutura, herdam hábitos e comportamentos. O trânsito entre tantos papéis se dá sem figurino: os intérpretes surgem nus em cena, com apenas alguns adereços e sapatos.
Tanta instabilidade tem como resultado um estilo de interpretação bastante particular, característica que a Companhia Brasileira já exibiu em outros de seus trabalhos, como os recentes e aclamados Vida e Oxigênio. Ainda que as duas montagens deem conta de universos temáticos completamente diversos, existem princípios estéticos comuns que também se repetem agora: permanece a recusa à representação. Reafirma-se a intenção de expandir a presença do intérprete em cena e o desejo de estabelecer uma relação de proximidade com a plateia.
Apesar do formalismo da dramaturgia e do olhar distanciado que ela propõe, é usual que o espectador se emocione. “Não coloco a estrutura em primeiro plano. Desde o início, pensei em usá-la como mecanismo”, argumenta o encenador. “Não se trata de esconder a estrutura, mas considerar o que ela é capaz de mobilizar nos atores e no público.”
A despeito de sua sofisticação formal, a peça apresenta seu enredo de maneira muito clara. Relaciona-se à estética contemporânea, mas sem abrir mão de uma narrativa. “O público tem a expectativa de uma fruição linear. Não tenho esse problema com essa peça, o que já me coloca um passo à frente”, considera Abreu. “Tudo está dito. No entanto, há fissuras, fendas.”
De tão prosaica, a família que está no palco guarda algo de arquetípico, terreno propício para que qualquer um projete os próprios medos e inquietações. O envelhecimento, as perdas, as coisas que ficam por dizer, o tempo que passa impiedosamente.
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