De uns anos para cá, um dos meus sonhos é passar o Carnaval no Rio de Janeiro. Mas não no Sambódromo para ver o desfile das escolas de samba (“Beija-flor de Nilópolis, nota… Dez!”). O que quero mesmo é tirar os quatro dias de folia para curtir os blocos de rua, o caos e a imprevisibilidade coletiva no calor desértico de 40º. Sentir e viver, enfim, a atmosfera hedonista dos quatro dias de festa numa cidade que transpira o Carnaval.
Se fosse outra pessoa que dissesse isso, talvez a revelação não fosse tão incrível assim. Mas vindo de mim, é. Se olharmos para trás, uns dez anos, mais ou menos, poderíamos me diagnosticar como um típico alérgico ao Carnaval. Tinha rinite à folia. Só em ouvir a palavra “abadá”, a minha pele já coçava, e o nariz entupia – bem que podiam ser os ouvidos – ao primeiro acorde de um cavaquinho.
Diante dessa situação crítica, o único lugar capaz de me refugiar desse bombardeio de axés e coreografias era o meu quarto, um bunker blindado com uma grossa camada de música, livros e videogames.
É verdade que quando tinha 17 anos e vivia no interior as opções eram poucas: ou eu corria para as montanhas, ou fazia o que fazia ou ligava no modo “tanto faz” e entrava em algum bloco de carnaval, desses que tem nas festas de salão. Aliás, até hoje as folias em clubes fechados não me atraem, não. Em geral a música é ruim e o clima é claustrofóbico. Quase uma tortura chinesa.
Mas à medida que os anos foram passando, os blocos de rua começaram a me curar dessa alergia, que encontrou um antídoto a mais, ou um bom chazinho natural, no bloco Garibaldis e Sacis. A festa comemorada desse jeito me mostrou que o carnaval poderia ter uma aura diferente, a começar pelo espaço em que ela acontece: a rua, um lugar pelo qual passamos muitas vezes despercebidos, mas que podemos projetar e pincelar novamente, de acordo o tamanho e as cores da nossa felicidade. Afinal, a rua é nossa, e a liberdade também é. Nesse ambiente de festa sincera e coletiva, as antigas marchinhas servem como a trilha-sonora para nos lembrar que a realidade somos nós que criamos. Não há hora para celebrar a vida, estejamos numa cidade cinzenta ou num paraíso tropical.
Infelizmente, não vai ser dessa vez que vou ao Rio, mas nem por isso vou procurar um abrigo anti-carnaval. Vou viver a vida lá fora.