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Animal notívago e urbano ou como a Ilha do Mel cobra seu preço


Salto sob uma correnteza duvidosa: a natureza (ou o que fazemos com ela) cobra seu preço.

De dentro do barco que ruma para Pontal do Paraná, dou uma última olhada para a Ilha do Mel. A vista é qualquer coisa de sensacional. O sol reflete na água do mar e a branco da areia vai ficando para trás. Sinto-me quase como um Dorival Caymmi do Litoral paranaense. Tivesse um violão na mão, sairia fazendo acordes menores, rimando “Ilha” com “maravilha” e “Mel’ com “Céu”.

A epifania litorânea dura pouco. Basta mais uma coceira na perna. Tomei uma picada de um borrachudo ou qualquer coisa semelhante. Matei vários bichinhos durante minha estadia de 24 horas na ilha e é impressionante a quantidade de sangue que voa quando você os esmaga entre as mãos. São verdadeiros depósitos de sangue os pernilongos bombados. Um conseguiu fugir e me atacou com precisão. Erro básico. Vim pra Ilha sem repelente.

A Ilha do Mel conserva muito das nossas matas e dos nossos bichos, afasta as comodidades da vida na cidade e tudo mais. Por isso mesmo é um perigo. Você precisa de repelente, protetor solar, lanterna… Sim, de lanterna!Que mundo é esse em que você precisa de lanterna?

Tem mais. Vim sem óculos de sol e não posso comprar qualquer óculos por aí. Preciso de um óculos de sol que tenha grau e deixei minha receita em Curitiba. Apesar das sobrancelhas franzidas, meu olho arde. Muito.

O sol, aliás, é um capítulo à parte. Talvez eu tenha gravado em meu subconsciente aquela frase que toda mãe diz quando você é criança. “Não deixe a cabeça no sol que faz mal”.

Pra mim faz muito. Sol na moringa me deixa com pressão baixa, enjôo, dor de cabeça, lerdeza e cansaço muscular. Além é claro de ser um facilitador para gripe. Sabe como é. Meu organismo aprendeu a vencer a chuvas e o frio de Curitiba, mas não sabe lidar com um solzinho.

Sou um cara programado para as tentações, benfeitorias e prazeres da vida urbana. Funciono melhor de noite que de dia. Durmo e acordo tarde.

A garoa da madrugada é minha companheira e o solzão de meio-dia um espetáculo, que deve ser apreciado de longe. O sistema imunológico fica comprometido e aí os vírus fazem a festa.

A coisa toda do Dorival Caymmi dura pouco. No seu lugar, lembro-me de um conto do Rubem Fonseca chamado As agruras de um jovem escritor. Nele, o personagem principal tem verdadeiro pavor do sol, da areia e, principalmente, do azul do mar. Não sou tão jovem assim e nem sou escritor, no sentido exato da palavra. Mas entendo como sofreu nosso anti-herói. Entendo mais ainda quando tenho de receber uma injeção antialérgica para combater o estrago que o borrachudo fez. Sol, praia e natureza são bons, mas cobram seu preço. Principalmente para animais notívagos e urbanos.

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