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Meu medo de altura é daqueles que impedem de chegar perto de uma janela com o batente baixo se estou acima do sexto andar. A sensação de estar prestes a cair é imediata, quase uma vontade de pular – que não tem nada de suicida, que não confundam, é só uma espécie de atração física. Conversando com a psicóloga Neuza Courassa, eu soube que isso é bem comum. E, embora ainda falte muita pesquisa no campo das fobias, ela especula: “Parece que você está sendo atraído pelo centro da Terra, pela Lei da Gravidade.” É assim mesmo que sinto.

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Pois bem, o curioso disso tudo é que se pode ter medo de altura em algumas situações e não em outras. Como os paraquedistas que não topam voar de avião como qualquer outro passageiro – só agarrados a seus equipamentos de pouso. Eu descobri esta semana que não tenho medo nenhum de pairar a 200 metros de altitude, olhando mar, pedra e vegetação de cima, sem nada entre mim e eles.

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A trilha e o tombo

Fomos eu, o fotógrafo Valterci Santos, o motorista Roberto Raimundo e meus instrutores, Márcio e Kauan Lichtnow, pai e filho. Mais um amigo deles que encararia o parapente em voo solo, dele só lembro o primeiro nome, Guilherme. O caminho até a rampa é íngrime e fechado, mas o maior complicador é a terra úmida que não dá nenhuma segurança à pisada. O jeito foi firmar os pés nos cipós para não desabar. Eu quase consegui. Uma hora não teve jeito, o pé direito deslizou e a mão por sorte alcançou onde se segurar, o corpo já tombando. Claro que o fotógrafo, que vinha atrás, registrou a bela pose. E é claro que eu não vou deixar ele mostrar para mais ninguém – já basta os risos dos meus colegas de redação. Além do mais, esse não seria o único mico da aventura.

Vencida a trilha com um saldo de quatro arranhões apenas, chegamos ao topo do Morro do Boi com o sol a pino. O pior havia passado. Kauan e Márcio (que foi atencioso a ponto de carregar minha mochila depois do tombo, obrigada) abriram suas bagagens e tiraram de lá um tecidão laranja: nosso parapente, que foi esticado (deitado) na grama rala da rampa. Kauan e eu vestimos as amarras e Márcio as prendeu no equipamento de voo.

Só faltava sair do chão

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Se teve um momento em que bateu aflição, foi quando o Márcio explicou que eu deveria correr em direção a ele me mantendo em pé, sem sentar – e só, nenhuma instrução a mais. Confesso que não fez muito sentido pra mim. Mas lá fui eu. Com a câmera do celular em mãos, corri, e o que era para acontecer não aconteceu, a tentativa “um” falhou. (Isso me lembra o lema do Guia do Mochileiro das Galáxias: “Para voar, basta errar o chão”.) Pois lá fomos nós de novo, uma corridinha para frente, o Kauan logo atrás de mim, e o parapente se ergueu e suspendeu os dois no ar. Tudo muito rápido, tanto que não consegui gravar direito, e os segundos de adrenalina pela corrida e a expectativa de como levantaríamos voo deram lugar à sensação um tanto assustada ainda, mas tranquila, de pairar no ar.

Como a velocidade do voo duplo é baixa, qualquer temor que ainda insistisse foi embora. A partir do momento em que ganhamos a altitude certa, o meu trabalho era apenas ficar sentada na atmosfera, contemplando a paisagem – o que eu comecei a fazer quinze minutos depois de já estar suspensa, quando enfim troquei o visor da câmera pelos meus próprios olhos. Acima de mim, céu azul colorido pelo parapente alaranjado. Ao meu redor, oceano, cidade, areia, morro e ilha delineando o horizonte. E abaixo, bem abaixo, as ondas quebrando sobre as pedras no pé do morro.

Voar de parapente é um descanso acompanhado de um friozinho na barriga. Lá fica mais fácil chegar perto da tal paz de espírito — é mesmo relaxante. Os momentos de maior emoção ficam por conta dos arrojos do instrutor. O Kauan escolheu começar sem aviso uma manobra chamada “windover”, alternando breves curvas bruscas para a direita e a esquerda, como se desenhasse o símbolo do infinito. O frio na barriga ficou potente, parecia que o centro de equilíbrio do meu corpo tinha caído lá do alto e se banhava nas ondas 200 metros abaixo. Fechar os olhos foi inevitável.

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Nas nossas voltas aéreas, algumas vezes chegamos perto do topo do morro o suficiente para nos comunicarmos aos berros com quem ficou plantado no chão. Quando o Guilherme veio nos fazer companhia, em seu parapente individual, sentimos uma leve turbulência. É porque o parapente dele deslocava o ar e afetava o nosso, mas nada muito intenso, afinal o equipamento individual, menor, não é páreo para o duplo. Quarenta minutos depois, chegou a hora de pousar. O Kauan nos dirigiu até a areia, passamos pertinho da cobertura de um prédio e fomos baixando de altitude em ritmo lento, sem sobressalto algum. Por mais que meu instrutor tenha dito e repetido que a minha parte era apenas ficar em pé até encostar na areia da Praia Brava de Caiobá, não tive o menor controle sobre o que fazia e terminei mesmo praticamente deitada, para o deleite do meu editor, Luís Celso, que me filmava e ria. Ninguém perguntou, mas não, não doeu nada.

Minha próxima meta é pular de paraquedas.