Nas chaleiras de Xavi e Durval, um síntese da final do Mundial de Clubes.
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Escrever sobre Barcelona x Santos com um dia e meio de atraso é assumir que a sua opinião será muito mais uma colagem do que já foi dito por aí do que algo 100% original. Difícil achar alguém que não tenha visto o jogo. E mesmo quem não viu já leu o suficiente para saber como o Barcelona empalou o Santos sem anestesia.

Mas digamos que você estava voltando da autópsia do Kim Jong-Il, fez um retiro espiritual no cume do Everest ou estava em uma orgia com suecas, jumentos e anões besuntados, enfim, esses programas para os quais qualquer cidadão comum é convidado cotidianamente. Não assistiu ao jogo nem leu a respeito dele, mas quer um resumo do que aconteceu em Yokohama. Minha sugestão: veja o primeiro gol. Ou melhor, veja as duas chaleiras que compõem o lance do primeiro gol. Elas são mais verdadeiras para sintetizar a partida do que o modesto placar de 4 a 0.

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A primeira chaleira é a de Xavi. Ela é improvisada. E é perfeita. É um falso improviso. Xavi percebe que a bola passada por Fabregas vai fugir ao seu controle e seu instinto é dar a chaleira. Um instinto treinado, pois a lição número 1 de Guardiola é manter a bola sob domínio custe o que custar. O movimento da perna direita de Xavi é curvilíneo, uma semicircunferência perfeita que doma a bola imediatamente. Enquanto a bola quica, Xavi faz o movimento de retorno da perna e, sem alterar a trajetória, gira o pé o suficiente para impulsionar a bola até a área, onde está Messi. Xavi não desperdiça movimento para transformar o raro passe imperfeito de um companheiro em uma assistência perfeita. Tudo isso com dois toques que, somados, duram menos de dois segundos.

A segunda chaleira é a de Durval. Ela é improvisada. E desastrada. Durval vacila por um instante. Ele olha fixamente para a tentativa de Xavi de domar a bola. Gira a cabeça para a esquerda para ver a passagem de Messi. Quando volta os olhos para Xavi, a bola já não está mais com ele. E Messi também não está mais no seu campo de visão. A bola rasga o ar e está a poucos centímetros do seu corpanzil de becão. Durval, um zagueiro-zagueiro, tem tempo apenas de recorrer à arma que ele nem conseguiu ver Xavi usar: uma chaleira. Desengonçada, disforme, irregular, atrasada, nunca treinada e… furada. O bico da chaleira de Durval passa longe da bola, que encontra Messi e dali vai para o gol.

A chaleira de Xavi é o Barcelona de todo o dia. O improviso ensaiado de quem dá a própria vida para manter a posse de bola. A perfeição geométrica refletida em cada passe. A velocidade e a precisão de quem não permite ao adversário nem mesmo um piscar de olhos.

A chaleira de Durval é o Santos de ontem. O improviso desesperado de quem resolve mudar o sistema de jogo na partida mais importante do ano. O movimento de corpo desengonçado de quem não sabe de onde vem o ataque inimigo.

O Barcelona venceu porque foi o Barcelona de todos os dias. Se o Santos fosse o Santos de todos os dias, teria perdido do mesmo jeito. Mas ao menos teria perdido com dignidade. E não daria brecha para até a chaleira torta do seu zagueiro esquerdo virar parâmetro do chocolate que levou do melhor time do mundo.

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Só mesmo o atordoamento de quem acabou de ser massacrado explica Muricy ter definido o esquema do Barcelona como 3-7-0. A movimentação do Barça é tamanha que fica simplesmente impossível emular o sistema em três ou quatro números. De qualquer maneira, sempre havia algum jogador no ataque. E se a referência fosse a posição de origem de cada jogador, teríamos um 4 (Daniel Alves, Puyol, Piqué e Abidal) 5 (Busquets, Xavi, Iniesta, Fàbregras e Thiago) 1 (Messi).

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Daniel Alves jogou como ponta contra Real Madrid e Santos. Se continuar por ali, cria-se um problema para Mano Menezes. O técnico não convocou Hernanes para a Seleção por um bom tempo sob justificativa de que ele joga no clube em um função que a Seleção tem opções melhores. E agora que Daniel Alves deixou de ser lateral, será convocado para qual posição?

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Acho que já está na hora de parar de tratar Paulo Henrique Ganso como o novo mago do futebol brasileiro. A expectativa em torno de Ganso é muito maior do que o futebol que ele já entregou. Mesmo com o desconto necessário das contusões, Ganso tem se mostrado um jogador pouco participativo, que não muda o seu estilo nem um milímetro sequer para se adequar às exigências do jogo. Cansei de procurar genialidade nos raros bons momentos de Ganso. Hoje, ele é um jogador médio que precisa render muito mais para ser o craque que todos queremos que ele seja.

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Ok, o Barcelona é um time maravilhoso e há uma série de lições a serem aprendidas do time catalão, mas algumas outras precisam ser relativizadas:

– O Barcelona não é a Ordem Jedi do futebol. O mesmo imperialismo de que os blaugrana acusam o Real Madrid é exercido pelo Barça perante os demais clubes catalães;

– Joan Laporta, o presidente até o ano passado, usou o sucesso do Barcelona como trampolim político, exatamente como um Perrella da vida;

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– Sandro Rosell, o atual presidente, é sócio de Ricardo Teixeira em negócios que estão sob investigação do Ministério Público brasileiro;

– La Masía é um dos segredos, sim, do sucesso do Barcelona, por formar adequadamente atletas para o profissional, mas o CT do clube não é uma fábrica inesgotável de craques. Bojan Krkic foi um novo Messi que já espirrou do Camp Nou. Assim como Jeffren e Giovanni dos Santos. Messi, Xavi e Iniesta são craques tendo saído de La Masía como seriam craques se tivessem saído dos cobrinhas do Professor Miro;

– O modelo Barcelona não é aplicativo de computador, que você instala no seu clube e ele roda sem sobressaltos. A Roma contratou o técnico do Barcelona B e jogador formado em La Masía para reproduzir o jeito Barcelona de jogar. Está em sétimo lugar no Italiano, foi eliminada da Liga Europa na primeira fase e a diretoria já pensa em mandar o técnico embora.

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