Pelé criou e redefiniu dezenas de parâmetros do futebol. Um é o de o camisa 10 ser o craque do time. O 10 pode até não ser o Pelé, mas a partir do momento em que veste essa camisa, o jogador passa a carregar a obrigação e a esperança de decidir partidas, ganhar campeonatos. Éverton Ribeiro e Paulo Baier vestiram a camisa 10 no Atletiba e devemos muito a eles por termos visto um dos melhores clássicos dos últimos anos. Certamente o melhor desde outubro de 2009, como, justiça seja feita, anteviu o camarada Napoleão de Almeida. Os dois times mostraram que jogos de futebol são vencidos atacando, não se defendendo alucinadamente.
Éverton Ribeiro havia mudado o Coritiba nas três partidas anteriores saindo do banco de reservas. Impôs sua escalação e desde o início justificou a escolha de Marcelo Oliveira. As duas joias da sua exibição são o gol logo aos 2 minutos, em que aproveitou com frieza o passe de Anderson Aquino (único bom momento de Aquino na partida), e o passe de letra para Roberto fazer 3 a 2. Este lance decidiu o jogo. O Atlético chegara ao empate no minuto anterior e Carrasco reorganizava a equipe para suportar a pressão que viria. O gol mudou tudo, embora o Furacão ainda tenha tido chance de buscar novo empate, antes de Renan Oliveira fechar o placar.
Paulo Baier demorou um pouco mais a entrar no jogo. Começou um pouco perdido na linha de três meio-campistas e descalibrado nas cobranças de falta e escanteio. O 10 rubro-negro entrou efetivamente no clássico a partir da expulsão de Guerrón. Sem a bola, comandou o batalhão atleticano de dez homens e acossou Antonio Denival de Moraes a cada marcação do árbitro. Com ela, carimbou todas as jogadas de um Atlético que em certos momentos parecia jogar com 12. Fez um gol espetacular de falta, daquelas que em programas de auditório dão o prêmio máximo ao participante. E pouco depois quase virou o jogo, em um chute de fora da área defendido por Vanderlei.
Éverton e Baier foram os craques, mas o Atletiba teve grandes coadjuvantes. Lucas Mendes, enquanto precisou, cumpriu bem a função de marcar Guerrón. No segundo tempo, arriscou-se mais ao ataque e fez a boa jogada individual para Lincoln marcar 2 a 1. Aliás, Lincoln foi outro a mudar o ritmo da partida. No primeiro tempo, o Coritiba tinha oportunidades de contra-ataque que eram desperdiçadas por erros tolos de passe, por afobação. Lincoln ditou o ritmo dos contragolpes e levou o jogo para o lado esquerdo. Fez o gol, ameaçou não comemorar, correu pra galera, deu passe sem olhar pra bola e no finzinho ainda tirou Paulo Baier do sério com um toque de letra. Foi decisivo e líder como todos esperam desde a sua contratação.
No Atlético, Edigar Júnio cobriu muito bem a ausência de Guerrón e a inoperância de Marcinho, correndo por todas as posições do campo e dando muito trabalho à defesa do Coritiba. Zezinho deu mais uma demonstração de que precisa ser titular. Não só pelo gol, mas por ter levado novamente o Atlético à frente depois do 2 a 1. Com ele no meio e Ricardinho na frente, substituindo Marcinho, o Rubro-Negro teria sido mais forte.
Comecei falando de Marcinho, então emendo com os outros jogadores que decepcionaram. Guerrón foi uma negação. Não fez uma boa jogada de ataque sequer e ainda foi expulso infantilmente. Vinícius não passa a menor segurança à defesa. No Coritiba, Anderson Aquino salvou-se da nulidade pela assistência no gol de Everton, enquanto Tcheco piorava a cada minuto que passava, a ponto de perder como um iniciante a bola para Zezinho fazer 2 a 2.
Os técnicos, por outro lado, foram muito bem. Marcelo Oliveira escalou o Coritiba ideal, valorizando o bom momento de Éverton Ribeiro e com Lucas Mendes voltando para marcar Guerrón. Depois, mexeu bem com a entrada de Lincoln, soube ver o futebol de Tcheco definhar e só pôs Renan porque não havia outro para substituir Rafinha. Sim, Rafinha esteve em campo. E mais uma vez jogou mal em um clássico. Atletiba parece não ser jogo para ele.
Carrasco errou apenas na insistência com Marcinho. No mais, o uruguaio não inventou, soube reorganizar o time após a expulsão e disse a frase que melhor define a partida: “Com 11 contra 11, falaríamos de outra coisa.” Perfeito. Mesmo com dez, o Atlético pressionou o Coritiba com um futebol coletivo e solidário. O Coxa ganhou porque, quando precisou, seus jogadores decidiram especialmente pelo talento individual.
Agora é certo que teremos final e que o segundo jogo será no Couto Pereira. Na soma das duas partidas, o Atlético jogou melhor. Foi levemente superior na Vila e no Couto encarou o Coritiba nos olhos mesmo tendo dez por um terço do tempo. Na soma dos placares, o Coritiba se deu melhor. Empatou fora de casa e ganhou no seu estádio. Só por aí dá para ter a noção de como a decisão – sem saldo de gols nem vantagem de empate – estará aberta. Qualquer detalhe pode fazer a diferença. Como, por exemplo, a semana inteira de descanso que o Coxa terá entre um jogo em outra, enquanto o Atlético vai a Minas decidir vaga na Copa do Brasil com o Cruzeiro.
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Não, não esqueci da arbitragem. Já na quinta escrevi que a indicação de Antonio Denival tirava a pressão do apito ao mesmo tempo que significava confiar no baixo nível médio dos profissionais locais. No que dependia exclusivamente de si, Denival foi bem. Pode ter errado em alguma marcação de falta, mas nada comprometedor.
Os pepinos mesmos caíram no colo dos bandeiras. No lance do primeiro gol do Coritiba, tive no campo a impressão de condição legal de Anderson Aquino no momento do chutão de Jonas. Acertou Braatz, embora, vendo no vídeo, eu reconheça que é uma jogada que permite a dúvida.
Luiz Renesto teve participação mais decisiva. Foi ele quem alertou Denival para a agressão de Guerrón a Lucas Mendes. Os dois vêm se embolando e trombando enquanto Edigar avança pela esquerda. O jogo para (foi falta para o Atlético) e Guerrón dá um bico de Lucas, fora do lance. Agressão ingênua, expulsão merecida.
Se foi preciso na expulsão, Renesto falhou no segundo gol do Coritiba. Lincoln está impedido quando Lucas Mendes faz o passe.
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Foi um Atletiba de seis gols, muita emoção, alguma polêmica, grandes jogadas. Para ser completo, faltou a torcida visitante. Foi desconcertante o silêncio no estádio quando Paulo Baier empatou o jogo pela primeira vez. O próprio camisa 10 hesita por um instante, olha para o setor onde deveriam estar os rubro-negros e só então corre para abraçar Carrasco.
Como escrevi na semana passada, que se enterre definitivamente a ideia de torcida única. E que Vilson e Petraglia tenham a iluminação de costurar um acordo para fazer os dois Atletibas decisivos no Couto Pereira, com estádio dividido. Há uma semana inteira para tratar disso.