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Embora a bola da vez seja o globalismo, a retórica dominante entre os seus críticos tem sido a do anticomunismo. Eu estou de acordo quanto aos fatos apontados por Flavio Gordon neste artigo sobre a utopia globalista. Com o que eu não concordo é a categorização do globalismo como uma espécie de continuidade do comunismo.
O globalismo hoje tem um pai, que é Klaus Schwab. Este fundou em 1971 o Fórum Econômico Mundial (em inglês, WEF), que hoje tenta obrigar empresas e governos a se adequarem à ESG (sigla em inglês de Governança Ambiental e Social). ESG é o nome bonito para o capitalismo lacrador, que junta a teoria crítica da raça, estudos de gênero e ambientalismo à Greta Thunberg. Já disse o que acho do capitalismo lacrador: é fascista; é reserva de mercado para monopolistas. Um dia eles ainda impedem o pequeno comerciante de funcionar porque ele é transfóbico, ou seja, não conseguiu cumprir uma cota para trans. Pois bem: há quem aponte relações entre Eugen Schwab (pai de Klaus) e o desenvolvimento do programa nuclear nazista.
Traços típicos do nazismo, não do comunismo
Mas saiamos da pessoa de Klaus Schwab e passemos ao nazismo histórico. Racismo, vegetarianismo e fetiche com a natureza são marcas distintivas do nazismo, não do comunismo. Líder vegetariano era Hitler; desconheço comunista vegetariano na URSS ou na China de Mao. Se os comunistas comiam gato, cachorro, papagaio e até morcego, Goering era um amante dos animaizinhos – hoje seria um daqueles candidatos ao Legislativo que tiram foto abraçando cachorro.
Essa pieguice misantropa é um sentimento difuso pela nossa sociedade. Os animais seriam inocentes, ao passo que os homens são maus. Toda boazinha, Xuxa sugeriu que presidiários fossem usados em testes de remédios, em vez de animais. Veganos se mobilizam para comprar objetos que não têm “escravidão animal”, mas não se importam com manufaturas da China nem do Sudeste Asiático, locais conhecidos por usar mão de obra escrava.
O que é mais fácil encontrar, hoje, no Ocidente: defensores do fim da propriedade privada ou dos direitos dos animais? De minha parte, deixo claro que sou contra a tortura de animais. Ponto. O tipo mais encontradiço de ativista, porém, incorre na pieguice de considerar os animais espécies de anjos inocentes, moralmente superiores aos homens.
Animais não são moralmente superiores a homem nenhum pelo mesmo motivo que não são escravos: eles não têm liberdade para guiar a própria conduta; logo, não têm moralidade. São movidos por instinto.
O comunismo não dá valor à vida humana, nem à animal. O nazismo dá valor à vida animal e nega o conceito de humanidade para substituí-lo por raças isoladas, que não partilham nenhuma essência comum.
Heidegger muito bem aceito
Nos anos 80, o filósofo chileno Victor Farías mostrou ao mundo, por A mais B, que a filosofia de Martin Heidegger é nazista, com sua obra Heidegger e o nazismo (1987). Tudo quanto é acadêmico de humanas natureba adora citar Heidegger, e isso não é mal visto. Costumam também repetir como mantra a frase de Sartre segundo a qual não existe natureza humana. Sartre só abraçou o comunismo depois do fim da II Guerra. Por toda a vida – antes e depois de se dizer comunista – Sartre defendeu a filosofia de Heidegger e era um tiete do nazista. Quando a França estava sendo invadida, ele não se juntou à Resistência e serviu o Exército a contragosto. Ficou escrevendo sobre o tédio em O ser e o nada (1943), obra inspirada em Ser e Tempo (1927), de Heidegger.
Heidegger é o responsável por acabar com o conceito de natureza humana. Em seu clássico ensaio O que é isto, a filosofia? (1956), ele afirma: “Die griechische Sprache, und sie allein, ist λόγος.” Em português, “A língua (ou fala) grega, e só ela, é logos”. Como vocês podem ver, há um termo ambíguo em alemão; já que língua e fala são coisas diferentes. Logos é um termo polissêmico. Significa razão, lógica, discurso, fala. Mas não significa língua ou idioma. A palavra grega para isto é glóssa ou glótta.
No Ocidente, Arisóteles foi transformado por São Tomás numa espécie de pensador oficial da Igreja. A caracterização do homem como animal racional vem daí. Mais precisamente, da tradução latina animal rationale do original grego logon zoon. Algumas traduções alternativas seriam possíveis: animal lógico, discursivo, falante… Mas Heidegger, valendo-se da ambiguidade do alemão, termina fazendo com que o homem dependa de um dado idioma. Daí vem o fetiche dele com o grego. E como os idiomas são vários, não há mais nada a unir um chinês a um francês. Na cristandade ocidental, o que unia a humanidade era a racionalidade, que é uma só.
Saberes e conheceres
Em 27 de maio de 1933, Heidegger faz um discurso por ocasião da sua posse como Führer da Universidade de Friburgo. Leiamos Victor Farías, que analisou o documento (as aspas simples são ele citando o discurso de Heidegger): “Exprimindo aqui pela primeira vez uma convicção que manterá pelo resto da vida, Heidegger estipula que as origens do homem ocidental devem ser procuradas no eixo transcendental heleno-germânico, em sua força espiritual inigualável. […] Para Heidegger, os gregos também não conceberam sua origem como algo acessível apenas em teoria. Porque, para eles, a teoria equivalia não à contemplação, e sim à mais alta forma que a enargeia pode atingir. Não se tratava de ‘assimilar a práxis à teoria, mas, ao contrário, de compreender a própria teoria como a mais alta realização da práxis autêntica. Para os gregos, a ciência não é um “bem cultural”, mas o centro mais intimamente determinante do conjunto da existência popular no seio do Estado.’” A teoria é indistinta da prática; assim, não é possível considerar a ciência um bem cultural, que pode ser transposto de lá para cá, de povo para povo. Como diz Farías, “se a filosofia funda as ciências, é porque ela funda a existência histórico-transcendental (‘espiritual’) de alguns povos”. Cito agora Heidegger, no mesmo discurso: “Se nós nos adaptarmos à longínqua injunção da origem, a ciência deve ser tornar o acontecimento fundamental da nossa existência espiritual-popular. E o mundo espiritual de um povo não é a superestrutura de uma cultura, e ainda menos um arsenal de conhecimentos e valores utilizáveis, e sim o profundo poder de conservação de suas forças de terra e sangue, enquanto poder mais íntimo de emoção e poder de comoção mais vasto da existência”.
A universidade de Heidegger não produz conhecimento; ela produz engajamento – já que conhecimento é ação. E não qualquer engajamento, mas sim um engajamento alemão que passa por ciência alemã ou conhecimento alemão. No caso particular, a ação deve ser inspirada nos SA, que agora são tratados como produtores de conhecimento.
Agora pensemos: se os povos são vários, e alguns têm uma existência transcendental a ser expressa por uma ação que é saber, daí se segue que os saberes e conheceres (e não mais “o conhecimento”, no singular) variam de povo para povo.
Daí vem o relativismo epistêmico. A substituição da Humanidade por uma plêiade de povos (a maioria dos quais merecedora de escravidão ou extermínio) implica a impossibilidade do conhecimento objetivo. Restam os infames saberes e conheceres que tanto empesteiam as humanas em geral e, creio eu, a antropologia em particular. Cada antropólogo neonazista pode se enfiar numa tribo e pretender que ela é um povo transcendente, superior aos Untermenschen brasileiros, esses latinos degenerados, filhos de São Tomás.
Sem querer me alongar muito no assunto, salta-me aos olhos que no Brasil tenha se passado a usar a expressão “povos originários” para se referir aos índios. Isso é vocabulário heideggeriano. Povo espiritual, de existência autêntica, tem relação com a origem (arché). Povos degenerados ou parasitários, não.
Neonazismo cultural
A menos que você entre num diretório do PSTU, será difícil encontrar quem defenda o fim da propriedade privada. O próprio WEF, que fala que não teremos propriedade nenhuma, deixa implícito que alguém – não o Estado, alguém – terá a propriedade, já que nós pagaremos aluguel.
Mas não será preciso entrar num diretório do PSTU para concluir que o valor da vida humana está degradado para aquém da vida do animal irracional. Basta ouvir os bem-pensantes, os equidistantes, os nem-Lula-nem-Bolsonaro, os liberais de modess, bem como a esquerda caviar limpinha e cheirosa. O que demanda mais coragem num ambiente chique: defender que as pessoas possam matar lobos-guará ou usar beagles em pesquisas, ou defender que grávidas possam “abortar” aos seis meses? O nazismo, não o comunismo, é a corrente de pensamento totalitário mais ameaçadora hoje.