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Bruna Frascolla

Bruna Frascolla

Opinião

A covardia está em alta

O homem de letras que ousar contrariar esse agregado de massa e intelectuais orgânicos não será, em hipótese alguma, reconhecido por essas mesmas massas como um herói. (Foto: Bigstock)

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Hoje é dia de discordar de Polzonoff. Trata-se deste belo texto aqui, sobre heroísmo. Digo então que concordo 100% com mais da metade dele: com a parte de os guardinhas que “apenas fazem o seu trabalho” serem inseparáveis de regimes totalitários, bem como com a parte de que, em regime totalitário, herói não andava de crachá, nem era reconhecido em tempo real.

Como diz o título, o heroísmo é sempre pretérito contra a tirania e a arbitrariedade, de modo que podemos reconhecer heróis de outra categoria durante seus atos heroicos. Um exemplo é o daquela professora que salvou a vida de crianças ao entrar no incêndio causado por um louco. Ou o caso de cada pracinha brasileiro enviado às pressas e sem preparo à Itália para combater o inimigo externo, com sucesso.

Mas a manifestação contrária ao regime tirânico que manda na sua sociedade é sempre arriscada. Alemães que se manifestassem contra Hitler iam para o campo de concentração (onde receberiam como privilégio um triângulo vermelho e poderiam virar Kapos a tiranizar judeus, mas essa é outra história).Russos que se manifestassem contra o Partido Comunista iam para os gulags. Se na última ditadura era bonito fazer canções de protesto, isso só mostra que os militares brasileiros teriam de comer muito feijão para chegar ao nível dos comunistas, dos nazistas ou de Getúlio Vargas.

Assim como Vargas, os comunistas e os nazistas, os militares chegaram ao poder com amplo apoio das massas. Mas esse apoio era, por mais contraditório que pareça, ao ideal da democracia e do anticomunismo. A democracia não foi restaurada tão cedo e o anticomunismo era uma bandeira negativa (isto é, de negação) que não servia para extasiar as massas e os letrados. Isto diferenciava bastaste os militares dos governos comunistas, nazista e varguista, nos quais o Líder encarna um ideal popular, conta com um séquito de intelectuais e artistas, além de mulheres histéricas e massas masculinas baixando a cabeça para o alfa.

Nessa circunstância, o homem de letras (humorista incluso) que ousar contrariar esse agregado de massa e intelectuais orgânicos não será, em hipótese alguma, reconhecido por essas mesmas massas como um herói. Seu heroísmo, portanto, será retrospectivo. A filha da histérica que gritava por Hitler vai aplaudir aquele dissidente que causava asco à mãe, que, a seu turno, jurará que nunca foi nazista.

Intelectuais e massas de ditadura, mas sem ditador

O Ocidente hoje está numa situação estranhíssima, em que temos esse tecido social totalitário sem que haja um Líder, um macho alfa, a ser apontado. No caso do Brasil, vimos a feminista Márcia Tiburi dizendo que Lula é o “crush” de toda mulher. Ciro Gomes, contudo, contratou João Santana para ser seu marqueteiro. Com seu jeitão de coronel, tem chances de desempenhar com desenvoltura o papel de macho alfa que encanta feministas e intelectuais.

O que grassa pelo Ocidente é uma espécie de Revolução Cultural sem um Mao visível. Uma vez que algum desocupado, alguma pessoa sem rumo na vida, descubra que é muito fácil se tornar alguém respeitável aderindo a um catecismo mutável, ela faz isto e se torna uma adepta do progressismo. Ser um adepto do progressismo não significa fazer bem a ninguém, mas sim fazer mal aos não-progressistas. Assim, uma significativa parcela com ensino superior do mundo ocidental (Brasil incluso) se dedica a ficar na internet difamando e exigindo demissão dos seus compatriotas. A questão é: quão representativas são essas pessoas? Enfrentá-las é um ato de heroísmo? Ou ceder a elas é que é um ato de covardia?

Covardia, heroísmo e neutralidade

Polzonoff tem razão quando diz que heroísmo é caro nas tiranias e que é natural a maioria não querer pagar esse preço. É oportuna a citação de Calvino, que mostra o trabalho miúdo, de jardineiro, que pode ser feito para manter o que há de bom em meio à barbárie. Calvino não é um herói, nem um covarde. Em relação a essas duas posturas, é um neutro. Sendo, em privado, um opositor do fascismo, não correu riscos para derrubar Mussolini, nem cometeu nenhum ato de covardia contra seus compatriotas vítimas do regime. Caído o fascismo, Calvino esteve na Itália para continuar cultivando as coisas boas.

Foi em parte graças a ele que o “É isto um homem?”, de Primo Levi, conseguiu ter visibilidade. Os comunistas italianos jogaram contra. Havia heróis antifascistas entre os comunistas italianos, mas o persistente Calvino fez mais por uma Itália antifascista do que muito mártir, mesmo sem dar a vida nem correr grandes riscos. O próprio Primo Levi, que foi parar no campo por ter tentado aderir à guerrilha num frágil ato de heroísmo, fez mais pelo antifascismo depois da guerra, quando não corria mais riscos de vida e teimou em publicar suas memórias. A vida em Auschwitz era um tabu para os egressos; Primo Levi rompeu o silêncio.

Mas vamos ao Ocidente do século XXI. Há poucas ditaduras entre nós. No Brasil, a única autoridade capaz de pôr alguém na cadeia arbitrariamente é o STF. Posso concordar, então, que críticas ao STF podem ser consideradas atos de heroísmo, dados os riscos envolvidos. Ainda assim, uma prisão arbitrária na Brasília de hoje é café pequeno em comparação a campos de concentração. Um crítico brasileiro do STF é mil vezes mais afortunado do que um crítico chinês do Partido Comunista Chinês.

Se você não quiser criticar o STF, que grandes riscos poderá correr no Brasil em nome da liberdade de expressão?

Os profissionais de marketing

Assim, voltamos ao assunto dos progressistas desocupados que ficam causando mal a outrem enquanto se sentem heroicos. De fato, eles conseguem cortar algumas cabeças. Por outro lado, qualquer brasileiro concordará que a nossa população – nem sequer as nossas classes média e alta – não é majoritariamente progressista. Por que, então, algumas pessoas têm razão em temer demissão por infração ao politicamente correto?

A resposta é uma só: departamento de marketing.

Tome-se o caso recente de Rodrigo Constantino. Ele se expressou mal e gente de má-fé começou a pedir a sua cabeça alegando que ele defendia o estupro. Vejam bem: se um bolsonarista aparecesse dizendo que algum político tradicional do PT é um apologista e um defensor do estupro e que acha que a própria filha merece ser estuprada, eu exigiria evidências muito fortes disso. Pois faz parte da cultura brasileira condenar o estupro como coisa hedionda. Estuprador é punido por traficante e presidiário. No Brasil, ninguém defende a penetração forçada em mulheres sem ser imediatamente tachado de imoral e desvairado.

Não é minimamente crível que Rodrigo Constantino – ou Lula, ou Bolsonaro, ou Ciro Gomes – defenda o estupro, ainda mais da própria filha. Se ele se expressou mal e dá margem a essa interpretação, o mero bom-senso manda preterir essa interpretação. Mas, dada a existência da patrulha progressista, entram em cena os infames Sleeping Giants, pedindo a cabeça de Rodrigo Constantino em todos os empregos. Como esta Gazeta se recusou, os Sleeping Giants foram atrás dos anunciantes, exigindo que tirassem as fontes de renda da Gazeta, sob pena de serem denunciados à clientela.

Aí fica a pergunta: qual é a capacidade real de mobilização de boicotes que os Sleeping Giants e demais progressistas têm? Se os donos do jornal não tivessem agido pessoalmente nessa questão e a delegado a um profissional de marketing, aposto que o resultado seria igual ao da Jovem Pan, ou seja, a demissão de Constantino. E ficam outras perguntas: quantos assinantes o jornal não perderia se temesse a turba anônima? E será que a hombridade não rendeu assinantes ao jornal? Por certo houve muita dor de cabeça com a retirada de patrocínios, mas, no médio e longo prazo, a hombridade não compensou?

Explico então por que discordo de Polzonoff: nosso tempo não vive um dilema entre o sacrifício do herói e a discrição das massas (que incluiriam o digno Calvino e o indigno guardinha). Em vez disso, vivemos um curioso dilema entre a hombridade benéfica e a covardia contraproducente.

Ações de intimidação nas redes sociais contam com a covardia alheia. Olhem para um curso de comunicação de hoje, que é de onde saem os profissionais de marketing. Pesquise as inclinações políticas ali. Pela minha experiência, Comunicação é, de longe, o curso mais infestado de pós-modernismo que há. Se não houvesse um profissional de marketing antenado às hashtags e recém-saído de um curso de comunicação, será que teríamos problemas como o Sleeping Giants? Dito de uma maneira bem simples, eu creio que os donos de empresa estejam pagando para ter prejuízo e, de quebra, ainda levam a liberdade de expressão para a vala.

Mundo intelectual

A covardia grassa no mundo corporativo e também no intelectual, onde sequer há razões de ordem econômica para deixar as pessoas em apuros. Bret Weinstein, o pivô do escândalo de Evergreen, nunca conseguiu entender por que seus colegas não se moveram para defendê-lo, nem por que depois passaram a aceitar toda humilhação vinda da administração e dos alunos. Eles todos tinham a tenure, garantia de não serem demitidos. Por que não se manifestavam contra os absurdos que também os vitimavam?

Só há uma palavra para descrever a conduta da gente de índole totalitária no Ocidente. Esta palavra é covardia. Uma covardia misteriosa, inexplicável, que (espero) ainda deixará perplexas as gerações futuras.

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