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Bruna Frascolla

Bruna Frascolla

A cultura brasileira na mão de tuiteiro

Hoje a cultura brasileira é conduzida por uma dupla que gosta muito de lacrar no Twitter (Foto: Pixabay)

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A atual política cultural do Brasil vem sendo conduzida pelo Twitter. Funciona assim: a dupla Frias & Porciuncula lacra muito dizendo que cortou a mamata e os globais lacram muito xingando o governo.

Frias é um ator conhecido pelo seu trabalho em “Malhação” que Bolsonaro, sabe Deus por quê, pôs como Secretário Especial da Cultura. Porciuncula é um capitão da PM baiana que passava o dia xingando as pessoas na internet e alguém (parece que Eduardo Bolsonaro via Alexandre Aleluia, filho do velho carlista José Carlos Aleluia) achou que era uma boa ideia botá-lo como Secretário Nacional de Incentivo e Fomento à Cultura. Aí, enquanto ambos os lados lacram, a Cinemateca pega fogo e o Brasil vai se aproximando do Bicentenário da Independência sem nenhum plano.

A esquerda a gente já sabe que não está nem aí para a cultura – basta ver o que o PSOL fez com o Museu Nacional. O museu pegou fogo e a autoridade responsável, o reitor psolista Roberto Leher, culpou o bombeiro. Ninguém investigou psolista nenhum, que dirá mais punir. Se o museu tiver sido incinerado de propósito para ocultar roubo de patrimônio, não descobriremos tão cedo.

Rebaixamento dos parâmetros

Do fato de detestarmos os esquerdistas mamadores não pode se seguir o contentamento com qualquer zé ruela que faça oposição pro forma e largue a cultura de mão. Como é possível não haver nada programado para o Bicentenário da Independência do Brasil? Ao que parece, a única alma vivente do setor artístico a bater o bumbo contra esse descaso é o cineasta Josias Teófilo.

Que fazer quanto a isso? A esquerda não vai se juntar ao seu coro, porque odeia o Brasil. Não se comove minimamente com a Independência. Por eles, o Brasil nem era descoberto. Toda a nossa miscigenação é estupro; toda a nossa História é opressão. Mui “decoloniais”, entregariam a Amazônia à França, pois a União Europeia deveria dar um jeito nestes brasileiros que gostam de eleger gente de direita. Josias não vai encontrar ajuda entre os seus colegas, porque a maioria é de uma esquerda abjeta que odeia o próprio país.

E na direita? Aparentemente, uma frivolidade reina no que concerne à cultura. Eu entendo que não se dê muita atenção à Cultura agora por uma questão de prioridades. Afinal, estamos sendo cada vez mais coagidos a tomar um vacina experimental de letalidade desconhecida (vide Bruno Graf, de causa mortis já reconhecida pelo Estado) e, ao mesmo tempo, recebendo nos peitos declarações escabrosas do Poder Judiciário, que revelam não terem nem um pouco de pudor ao alterar na mão grande o sistema político do país. Se a pessoa fica sem falar da Cultura por estar focada nessas calamidades, eu entendo. Mas que fale da Cultura e trate a dupla de tuiteiros como pessoas sérias, não dá pra entender.

Assim, os tuiteiros comissionados ficam dizendo que Josias Teófilo é parte interessada por ser artista, como se todo artista fosse um vagabundo sugador de dinheiro público. Frias & Porciuncula mereceriam louros por acabar com o incentivo estatal à cultura, isto é, “a mamata”. A direita bate palma porque está do “nosso lado”, como se Josias Teófilo não estivesse.

Mas a mamata acabou?

Todo mundo minimamente atento à política cultural sabe que o governo federal teve a Lei Aldir Blanc para socorrer os artistas. Dizem Josias Teófilo e seu parceiro sociólogo Eduardo de Alencar que Frias & Porciuncula não elaboraram a política; que a lei chegou do gabinete de Jandira Feghali e assim passou. De fato, é o que a própria deputada diz em sua página oficial, sem desmentido de Frias ou Porciuncula.

Eles vivem falando de auditoria, e esta é a justificativa universal para toda a sua inação. Fica a pergunta: teve auditoria na Aldir Blanc? Da minha percepção pessoal, pareceu ter sido como tudo o que é feito sem controle neste país: tem coisas boas, graças à virtude pessoal pessoal de quem as fez, e tem coisa ruim de baciada, já que ninguém controla nada e o dinheiro é público.

No rol das coisas boas, destaco o site de ebooks com curadoria de Aninha Franco. Ela é macaca velha da cultura, já era boa e fez uma coisa boa com a Aldir Blanc. Seu site colecaoacbrasil.com.br/ traz a edição digital gratuita de obras que a curadora considera fundamentais para o autoconhecimento do Brasil. Como as obras estão em domínio público e o leitor pode conhecer algumas delas por outros meios, destaco que uma ganhou a sua primeira versão digital. É a “Memória a respeito dos escravos e tráfico da escravatura entre Costa D’África e o Brasil” (1793), do advogado Luís Antônio de Oliveira Mendes.

Por outro lado, eu entendi que em Cachoeira a Aldir Blanc serviu para professores da UFRB embolsarem mais dinheiro (como se precisassem) e fazerem um trabalho porco. Um pequeno produtor rural que é também fotógrafo quis me mostrar a foto dele selecionada para uma exposição virtual com a marca da Aldir Blanc. Me mandou o cartaz com um link que eu não consegui abrir de jeito nenhum. Avisei, e eis que ele não tinha conseguido abrir também. Fui indiscreta: perguntei se pagaram a ele. Não pagaram; ele fez porque um professor da UFRB, visto como autoridade, o chamou. Era pra ser uma exposição com vários artistas do meio rural, gente propensa a ficar impressionada com professores. Pra mim, isso é golpe.

No mais, teve tanto cartaz de lacrador com o símbolo da Aldir Blanc, que nem computei. Portanto a afirmação de que a mamata acabou é falsa: foram 3 bilhões “para a cultura” e duvido que metade desse dinheiro tenha sido bem gasto. Quando os governistas ficam de papo pro ar lacrando no Twitter (porque vocês acham bonito), resta pegar o primeiro projeto que alguém botou na mesa.

Aprender com o governo sovina

Uma coisa que ouvi de Josias, e que o incomoda sobremaneira, é que bolar um projeto para o Bicentenário não implica gastar dinheiro. Por um lado, o governo deveria usar a estrutura que ele já tem e já banca. Por outro, deveria arranjar patrocínio, e o Bicentenário não é qualquer coisinha à toa, desinteressante.

Cá com meus botões, me lembrei do governo do meu estado. O PT baiano se empenha em pegar cada recurso público e enfiar ou nos próprios bolsos, ou nos dos chineses, ou nos de algum empresário amigo. Assim, ele tem que tocar o estado propriamente dito com o mínimo possível de dinheiro para aumentar a margem de lucros espúrios. Por exemplo: abre seleção temporária e desburocratizada pra professor com salário baixo nos cafundós, em vez de fazer concurso. Como ninguém se muda pro interior por uma mixaria provisória, assume qualquer um para dar aula e o PISA despenca. Quem acha que diminuir gasto com o Estado é uma coisa boa em si mesma tem muito a aprender com o PT baiano.

Na pandemia, o governo deu pelo menos um bom exemplo de aproveitamento de recursos. A Bahia dispõe de um grande teatro público que estava fechado (o Castro Alves), bem como de bailarinos e músicos clássicos que estavam sem trabalhar por falta de público. Então o governo pegou um Villa-Lobos (que é grátis, domínio público) e usou o teatro para fazer um vídeo bem bonito que atingiu um número razoável de visualizações.

Agora, é claro que quase nada disso foi plantado pelo governo petista. Vem lá do período áureo da cultura baiana, os anos 50. Nessa época a Bahia contou com um governador erudito preocupado com a cultura (Luiz Vianna Filho) e um reitor (Edgard Santos) disposto a dar todo amparo a refugiados europeus. Além disso, ainda havia intelectuais nativos do quilate do médico-antropólogo Thales de Azevedo.

Alta cultura ou pão e circo?

Talvez um demagogo diga que financiar Villa-Lobos é financiar o Leblon. Assim sendo, destaco que até a bajulação do chavismo pôde teve um efeito positivo. Com o maestro Ricardo Castro, o Estado da Bahia criou o Neojibá, um projeto social inspirado no do grande maestro venezuelano Gustavo Dudamel. O Neojibá funcionou (e até onde eu saiba funciona) muito bem. Consiste em trazer crianças de todo segmento social, com foco nas carentes, para compor as orquestra e tocar música clássica. Saiu um documentário sobre o projeto.

Agora, caso se queira projeto popular nas duas acepções da palavra, excluindo o erudito, tinha o Domingueiras, tocado pelo experiente produtor musical Roberto Santana. Diz ele que era um sucesso e que terminou por perseguição política. Pela minha memória, o projeto de fato era popular nas duas acepções da palavra, e, pelo site da Assembleia Legislativa, não era caro.

Me alonguei nisto porque a dupla tuiteira diz que pretende aproximar a cultura do homem comum. Vai fazer o quê? Acabar com orquestras? E o que dizer do exemplo da Neojibá? E o que é aproximar a cultura do homem comum? É bancar show de Robyssão em vez de orquestra? Isso é caro; os cachês são altos, e é o tipo de coisa que ACM Neto banca.

Não acho justificado. Em primeiro lugar, Robyssão e cia já se bancam com ingresso, enquanto que as orquestras não. Fora que algum nível de sofisticação do público, sobretudo da juventude, deve ser sim fomentado pela cultura. Ou por acaso o “conservador” agora acha bonito trocar um Villa-Lobos “mamador” pelo autor do verso “Eu sou Robyssão, quebrador de cama box”?

Exemplos inventivos e baratos não faltam na Bahia. Tomo essa liberdade de aludir a particularidades baianas porque o PM é baiano e deveria saber da política cultural do nosso estado.

Mas nem pra lacrar serve. O governador resolveu vender o prédio do tombado século XVI que abriga o Arquivo Público sem dizer onde vai botar o Arquivo e Porciuncula não deu literalmente nenhum pio (tweet). E vocês aí achando bonito porque ele cita Chesterton no Twitter.

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