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Vista da Floresta Amazônica Brasileira, em 2003
Vista da Floresta Amazônica Brasileira, em 2003| Foto: EFE/Marcelo Sayão

Outro tópico que merece comparação entre o movimento golpista de 64 e o de hoje é a sua conduta perante a Amazônia. Muito se discute a alegação midiática de que os comunistas estavam tramando um golpe, e que logo tomariam o poder caso Jango não fosse detido.

De fato, a União Soviética tinha espiões no Brasil. A universidade brasileira é de uma negligência indesculpável e não procura pesquisar o assunto; ainda assim, um autodidata brasileiro conseguiu trazer à luz documentos do serviço secreto tcheco no Brasil, coligidos em 1964: O elo perdido do comunismo (Vide: 2017).

Dado o alcance dos tentáculos da União Soviética, seria surpreendente se ela não tivesse serviço secreto operando no Brasil. O mesmo se dá com os Estados Unidos, cujo papel no IPES e IBAD é inflado pela esquerda de modo a transformar o fenômeno de 64 numa coisa inteiramente manietada pela CIA. Entre haver influência da CIA e ser determinado pela CIA, há uma distância. Do mesmo modo, entre haver influência soviética e determinar-se um golpe comunista, há uma distância. Se toda ação de serviço secreto implicasse golpes de Estado exitosos, haveria todo tipo de golpe no mundo inteiro.

É temerário dizer que com certeza haveria um golpe comunista no Brasil caso não houvesse golpe militar. Nem mesmo os anticomunistas mais exaltados previam uma invasão do Brasil por uma potência estrangeira. Seria possível uma quartelada comunista exitosa? Ora, os comunistas de dentro do Exército eram minoritários desde a limpa feita por Vargas – limpa esta que viria a ser concluída em 64. Se houvesse uma entrega do Brasil inteiro ao comunismo, teria de ser pelo topo, por Jango. Mas o próprio Jango era trabalhista e não comunista; era um herdeiro de Vargas, um perseguidor dos comunistas cheio de jogo de cintura, que sorri para Hitler minutos antes de se juntar aos Aliados. Às vezes um herdeiro de Vargas poderia receber dinheiro de Fidel para levar adiante a Revolução – mas sem garantia de que ele não pegasse o dinheiro e usasse para comprar uma fazenda no Uruguai.

Olhando em retrospecto, me parece que o maior benefício do golpe de 1964 não foi o de impedir um golpe comunista, mas sim impedir que a Amazônia brasileira fosse igual à colombiana – com todas as suas consequências para o resto do país.

Selva abandonada

Essa imensa porção do território nacional inóspita, conquistada à base de suor dos colonizadores, da mestiçagem, de batalhas, tratados pacíficos e até uma revolução, sempre teve uma densidade populacional baixa, muito inferior à do resto do Brasil. No entanto, esse território cheio de bichos perigosos e índios brabos, onde o homem branco não podia pôr o pé sem quinino, revelou-se cheio de riquezas naturais. Os militares então tiveram uma verdadeira obsessão pela soberania brasileira na Amazônia, que precisaria ser ocupada pelos brasileiros. Era preciso “integrar para não entregar”.

Em 1967, Castello Branco dá o passo número um nesse sentido, que é a criação da Zona Franca de Manaus com a finalidade de industrializar a região e gerar empregos que levassem os brasileiros de outras regiões a se mudar para lá. Trata-se de um incentivo econômico liberal, gerado pela isenção fiscal. Além disso, tomaram-se providências em prol da regularização fundiária na região.

A criação do polo antecedeu em poucos anos uma outra tentativa de ocupar a Amazônia, esta feita pela guerrilha. Enquanto os comunistas leais a Prestes, do PCB, depuseram os sonhos de guerrilha pouco depois do Relatório Kruschov e viraram gramscianos, em obediência a Moscou, a dissidência se espalhou numa miríade de siglas e facções guerrilheiras não-soviéticas. Os foquistas admiravam Che Guevara e pretendiam criar focos de revolta popular. Os maoístas, por outro lado, se inspiravam no modelo de revolta campesina exitoso na China. Muitos caminhos levavam à Amazônia.

Jovens idealistas contra o Brasil ontem

Entre o fim da década de 60 e o começo da de 70, alguns jovens universitários do PCdoB se despencaram dos grandes centros urbanos e rumaram ao Araguaia para infundir consciência nas massas campesinas e fomentar a revolução. Para essa área desassistida, os guerrilheiros levaram professores e até médico. Um dos capítulos mais problemáticos e negligenciados da guerrilha é o dos jovens pobres que tomaram aula de tiro com os guerrilheiros, junto com aulas de alfabetização. Trata-se simplesmente de um recrutamento de soldados infantis, pagos com conhecimentos básicos. (A este respeito, leia-se Borboletas e lobisomens, de Hugo Studart.)

É interessante notar que também isso se dava num certo paralelismo com uma iniciativa militar: o Projeto Rondon, surgido no fim da década de 60, que levava estudantes universitários para a Amazônia com o fito de aplicarem lá os seus conhecimentos no serviço da população carente.

Pois bem: lendo sobre as dificuldades enfrentadas pelos militares no desbaratamento da guerrilha do Araguaia, é fácil enxergar o tamanho do problema que foi contido ali. As dificuldades se deveram não ao armamento, à perícia ou à quantidade. Na verdade, os universitários foram abandonados à própria sorte pelo PCdoB, que não conseguiu financiamento da China, procurou a Albânia, conseguiu dela apenas apoio moral, mas mandou os rapazes e moças assim mesmo. Mesmo abandonados, eles deram trabalho porque conseguiram se infiltrar nas populações de posseiros, e foi necessária uma operação de inteligência para descobrir quem eram os guerrilheiros em meio à população local. Os militares do CIE também tiveram de se disfarçar de matutos.

Tudo isso aconteceu em concomitância com a existência das FARC. Estas, a seu turno, viriam a se envolver com o narcotráfico somente na década de 80. Ou seja: podemos bem imaginar o tipo de dor de cabeça que teríamos hoje, na Amazônia, se os guerrilheiros não fossem detidos em suas atividades doutrinadoras. Um cenário parecido com o dos senderistas talvez se desenhasse: áreas de difícil acesso cheias de fanáticos militarizados causando banho de sangue no campo, sem causar grande comoção ao poder público.

Jovens idealistas contra o Brasil hoje

Hoje há forças ligadas a potências estrangeiras atuando na Amazônia: as ONGs. Deveria ter-se tornado notório o causo contado pelo General Villas Boas do soldado que lhe comunicara a presença do rei da Noruega em aldeia indígena. Conforme explicou no programa de Bial, o rei não pedira autorização ao Brasil, nem informara ao nosso país. Outro causo que deveria ter se tornado notório é o contado por Aldo Rebelo em entrevista à Oeste este mês: que tentara entrar em área indígena acompanhado por um amigo militar, mas as ONGs que cuidavam dos índios não consentiam com a presença de um membro do Exército na região.

Outra queixa que merecia ser ouvida com atenção é a de Ricardo Salles, repetida aos quatro ventos no mínimo desde a sua saída do ministério: o Fundo Amazônia não é dado ao Brasil para que o país decida o que fazer com o dinheiro, mas sim a um punhado de ONGs que fazem o que os países doadores decidem. É evidente que a soberania do Brasil sobre a Amazônia está sob ataque.

Hoje há poder demais entregue às ONGs, que operam de mãos dadas com o Judiciário. Assim como as áreas de comunicação e educação estão muito ideologizadas, as áreas da antropologia e biologia também. É difícil encontrar profissionais isentos para fazer pareceres técnicos isentos. No entanto, é com base em pareceres supostamente técnicos e supostamente isentos que ações do Ministério Público são abertas e decisões judiciais são tomadas. Por isso o Brasil fica à mercê de ter suas obras de integração nacional barradas por via judicial e à revelia da vontade do povo. (Tenho em mente a Ferrogrão.) Nossa produção de energia também é comprometida por esse ativismo – vide a usina de Belo Monte às voltas com o MP e o Ibama, bem como a não-integração da energia de Roraima ao resto do Brasil por causa de problemas com terras indígenas no caminho.

Alienada que só, a direita brasileira reclama muito de Biden sabotando os EUA, mas não procura se informar do status energético deste país que vive de energia renovável e, ainda assim, é sabotado de todas as maneiras possíveis pelo ativismo judicial. Tudo o que o regime militar fez de bom, o regime judiciário faz de mau.

Da Amazônia às favelas

Na Colômbia, o descontrole sobre a Amazônia acabou se tornando uma tragédia urbana e acarretando sérios problemas para a soberania do país, que, desde aceitar a parceria com a DEA para combater Pablo Escobar, acabou se tornando um país satélite dos EUA. E continuam assim com a eleição de Gustavo Petro, que, a despeito do seu passado de guerrilheiro comunista, é indiscernível de um progressista do Partido Democrata. Até propôs a criação de um outro Fundo Amazônia, que é porta de entrada certa de ONGs, e levará a ideia à ONU na próxima conferência do clima.

A aliança entre guerrilha e narcotráfico, como todos sabem, também se deu no Brasil, embora de maneira muito menos dramática. O Comando Vermelho surgiu no regime militar porque foram presos, juntos, os guerrilheiros urbanos (discípulos de Marighella) e os quadrilheiros. No entanto, qualquer brasileiro há de concordar que a violência urbana se tornou uma catástrofe na Nova República. O PCC só surgiu em 1993. A figura do cracudo, pela minha memória, só surgiu em Salvador, quando eu cursava a faculdade: entre 2008 e 2011, e era chamado de “saci”. Nos anos 90, ao menos em Salvador, droga de trombadinha era cola de sapateiro.

Também no Brasil a questão do narcotráfico culminou na perda da soberania, e isso em pleno coração do Rio de Janeiro: vide a decisão monocrática de Fachin, que impede a polícia de entrar em morro. Quanto à Amazônia, não é preciso muita imaginação para pensar em como essas ONGs se portam em áreas próximas ao triângulo da cocaína onde não deixam o Exército entrar.

Balanço final

Então ficamos assim: em 1964, os militares deram um golpe com apoio da mídia e do Congresso para tirar os poderes do presidente mais ou menos eleito, prender conspiradores que queriam instaurar uma ditadura totalitária, estrangular a vida partidária e salvar a soberania do Brasil. Na presente década, o Judiciário deu um golpe com o apoio da mídia e do Congresso para tirar os poderes do presidente eleito, prender dissidentes que conversam em privado sobre o que aconteceria em caso de golpe, estrangular a vida partidária e entregar a soberania do Brasil.

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