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Bruna Frascolla

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IBUD

A Igreja Bolsonarista dos Últimos Dias

Advogados e familiares de presos em 8 de janeiro denunciam série de violações de direitos
(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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Em sete de setembro de 2021, Bolsonaro superou Getúlio Vargas ao liderar a maior manifestação de massa da História do Brasil. O Eixo Monumental, cujo gigantismo diminui a presença humana viu-se pela primeira vez abarrotado de gente — feito que nem o Papa João Paulo II, um papa popular, lograra nos tempos em que o Brasil era mais católico. E logo depois, no dia nove, assinou uma cartinha pedindo desculpas àquele que, no ato, ele admitia ser a maior autoridade do país: o ministro do STF indicado pelo presidente predileto dos liberais, e que pedira desfiliação do PSDB para se habilitar ao cargo. Um líder de massas que pede desculpas assim unge a real autoridade do país. Ensina aos liderados quem manda. Entrega o Brasil à juristocracia ocidental que agora atende, sozinha, pelo nome de "instituições democráticas".

Isto deveria bastar para queimar o líder perante os seus liderados. Em vez disso, porém, uma expressiva parcela agora se dedica a mandar pix e a ficar fazendo espetáculos de autocomiseração. Pensar no futuro do país, que é bom, nada. Bacana é se excitar com a ideia de martírio, ver-se como "judeu" na Alemanha Nazista. (Como se a ancestralidade judaica, por meio da qual os nazistas determinavam quem era judeu a despeito do credo, fosse uma sina adotada livremente pelas suas vítimas, como o bolsonarismo.) Quantos bolsonaristas foram executados pelo regime? Não importa: o bom-senso foi comprar Rivotril e nunca mais voltou.

Essa disposição se explica, em parte, por algum problema emocional. Faz tempo que notei o fetiche da esquerda por martírio na esquerda que se identifica com o combate ao regime militar. Lembro-me de, ainda em algum dos mandatos consecutivos do PT, ter visto perto da reitoria da UFBA uma pichação assim: "Abaixo a ditadura!" Para mim, estava claro que o pichador anônimo sentia nostalgia do que não viveu, e gostaria que o país caísse numa ditadura de direita para satisfazer suas paixões mórbidas. E de fato, o fenômeno Bolsonaro foi uma bênção para o narcisista de esquerda, que podia ficar pinçando declarações irresponsáveis (por exemplo: "Vamos fuzilar a petralhada toda aqui do Acre!") para provar que o Fim está próximo. E mais: para ganhar as eleições, o PT sempre esconde esses doidos narcisistas, que são sempre muito ideológicos, porque eles queimam o filme. Um belo dia, numa rede social, resolvi com um ex-prisioneiro do regime militar que a indústria erótica deveria lançar um "porão do DOPS", cheio de fardados, para satisfazer as fantasias dos esquerdistas mais histriônicos. O ex-prisioneiro riu da piada, mas um ativista de sofá, que era criança na época da Repressão, ficou mortalmente ofendido e se dedicou a atacar a minha pessoa e a minha carreira acadêmica. Pois bem: hoje eu sugiro que as escritoras de soft-porn façam uma imitação de 50 Tons de Cinza protagonizada pelo dono de uma calva reluzente.

Mas as semelhanças entre os histriônicos da direita e da esquerda param nessa estranha concupiscência masoquista. No caldo cultural da nova direita estão o neopentecostalismo e o olavismo. Comecemos por este.

É como se Olavo tivesse uma coleção de relógios quebrados em casa. Cabe ao leitor ser "honesto" e escolher o relógio certo conforme a hora para dizer que ele "tem razão".

Além de arguto crítico cultural, exímio polemista e pensador, Olavo de Carvalho foi líder de seita. Antes de se tornar pensador público, ele integrou seitas gnósticas e levou sua experiência para a vida. O resultado dessa dupla e contraditória condição — de homem de letras e líder de seita — era a inadmissibilidade de críticas. Todo homem de letras deve ser criticado (é parte natural da atividade), mas todo crítico de Olavo era, para seus seguidores, um burro ou um canalha. Chamar os adversários de desonestos tornou-se rotina; e crítica era "ataque". Ele antecipou a prática dos identitários de desqualificar a crítica como "ataque"; a diferença é que estes classificam o ataque: "ataque racista" (vide Itamar Assunção), "ataque homofóbico" etc. Os olavetes, mesmo se declarando católicos, colocam Olavo acima do Papa. Inclusive criticar o Papa era hobby de Olavo pelo menos desde quando o Papa era Bento XVI.

Mas se o Papa, para os católicos, só é infalível ex cathedra, Olavo, para os olavetes, é infalível sempre, até em tuítes. E, como bom líder de seita, falava uma coisa e o seu oposto, apostando na boa vontade dos seguidores para que não apontassem contradições. Assim, quando se quer criticar o liberalismo, prova-se que Olavo "tem razão" com uma célebre postagem escatológica em que ofende os liberais. Mas o mesmo Olavo criticava (com argumentos, em vez de simplesmente ofender) a Doutrina Social da Igreja por não aderir ao liberalismo. Em pleno avanço do ESG e do WEF, Olavo insistia em apresentar os "comunistas" do Foro de São Paulo como a maior ameaça ao Brasil, mesmo que há anos já estivesse ciente dos problemas do "metacapitalismo" global. É como se Olavo tivesse uma coleção de relógios quebrados em casa. Cabe ao leitor ser "honesto" e escolher o relógio certo conforme a hora para dizer que ele "tem razão".

No caso do bolsonarismo pós-2022, a tese de Olavo sobre a "cereja do bolo" virou tábua de salvação para concluir que Bolsonaro não foi um péssimo líder. A Presidência da República, insistia Olavo, era apenas a cereja do bolo. Não adiantaria a direita chegar à presidência sem antes ter dominado a cultura e aparelhado a máquina. Bolsonaro estaria destinado ao fracasso; logo, em 2023 os olavetes dizem mais uma vez que Olavo tem razão, e os bolsonaristas — que tanto ansiaram, em vão, por um golpe militar — agora aderem ao olavismo. Isto por dois motivos: primeiro, absolve Bolsonaro; segundo, dá vazão à raiva contra os militares.

Acontece, porém, que Olavo teve a tese da cereja do bolo e, ao mesmo tempo, a tese de "Ivan, o Terrível". Disse ele em postagem de 25 de março de 2019:

"O mecanismo político mais eficiente e quase infalível já registrado na História – por exemplo, na origem do reino português ou no triunfo de Ivan, o Terrível – é a aliança do governante com a massa popular para esmagar os poderes intermediários corruptos e aproveitadores. Deus queira que o Bolsonaro entenda ser essa a sua grande oportunidade."

Posso portanto dizer que Olavo "tem razão", e que a tese da cereja do bolo é falsa, ao menos no caso de um presidente tão popular quanto ele.

Mas, como eu ia dizendo, o bolsonarismo pós-22 vai se agarrar à tese da cereja do bolo. Bolsonaro não tem culpa nenhuma de nada. É, como disse Lula de si próprio, um homem sem pecados. Quiçá o Filho de Deus, que veio a ser quase imolado com uma facada por nós, brasileiros. Aí os fiéis da Igreja Bolsonarista dos Últimos Dias podem ficar tratando Bolsonaro como um mártir vivo, que veio à política para encenar uma Paixão e... Ganhar pix.

Da minha perspectiva, a campanha do pix foi o último prego na reputação de Bolsonaro. Quem doa normalmente usa um argumento liberal lacrador para justificar e reclamar das críticas: "É meu dinheiro, dou para quem quiser e não é crime." Do mesmo jeito, as pessoas se tatuam todas se quiserem; caem bêbadas se quiserem etc. Só não peçam que achemos bonito, nem diga que não podemos criticar. Em princípio, tudo o que é social se presta a críticas. Salvo em casos proibidos pelo STF, nestes tempos excepcionais que vivemos.

Os bolsonaristas choram muito porque que são judeus na Alemanha Nazista e porque Bolsonaro não dominou a máquina. Logo, o vazamento do COAF não é totalmente inesperado. Logo, a máquina tem agora uma formidável lista de "judeus".

A maneira como a vaquinha foi feita é vergonhosa. A chave pix do ex-presidente começou a circular de forma "espontânea", com a vaga alegação de que era uma campanha para Bolsonaro pagar "multas". Não informava qual o valor, nem de quais multas se tratava. Como é possível terceiros darem a sua chave pix, você começar a receber um monte de dinheiro no seu CPF e não tomar a dianteira para dar explicações, ou pelo menos agradecer? (Ele agradeceu depois de o COAF vazar os dados.) Tudo isso é para que não se diga que Bolsonaro não pediu dinheiro? Pois antes pedisse de peito aberto; do jeito que está, parece aquelas empregadas de antigamente que quebravam as coisas e diziam: "Não fui eu, foi a minha mão." Nem para pedir dinheiro Bolsonaro se responsabiliza.

Sobre o vazamento do COAF: os bolsonaristas choram muito porque que são judeus na Alemanha Nazista e porque Bolsonaro não dominou a máquina. Logo, o vazamento não é totalmente inesperado. Logo, a máquina tem agora uma formidável lista de "judeus". Mas Bolsonaro não tem culpa nenhuma, porque ele não pediu pix, só recebeu.

Não faz muito tempo que escrevi um artigo intitulado “Sou de direita, me dê dinheiro!”, no qual argumento que a nova direita replica o ethos dos pastores trambiqueiros. Não imaginava que Bolsonaro viria a assumir (ou melhor, assumiriam por ele) um apostolado e ficar pedindo (ou melhor, só recebendo) pix. Mas é o que aconteceu. Resta esperar que surja alguma outra liderança para este país, realmente disposta a enfrentar as oligarquias transacionais.

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