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Bruna Frascolla

Bruna Frascolla

A nova direita é linha auxiliar dos EUA contra o Brasil

Manifestante carioca em apoio ao Estado de Israel. (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

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Até o ano passado, eu vivia gastando saliva para explicar que, a despeito do que diz a esquerda woke, o Brasil e os Estados Unidos são países diferentes – logo, a análise social de lá, sobretudo em matéria de questões raciais, não pode ser transposta para cá, pois são realidades diferentes. Agora é preciso dizer à direita algo ainda mais elementar: que o Brasil e os Estados Unidos da América são dois Estados nacionais diferentes. É absoluto o despreparo dos youtubers alçados à política institucional pela nova direita.

Lá nos Estados Unidos, a direita norte-americana está tomando providências contra apoiadores verbais do Hamas. Isso depois de anos e mais anos falando que as restrições à liberdade de expressão e cancel culture eram coisa da esquerda. A direita brasileira, que é a mais nova macaca de imitação dos EUA do pedaço, não poderia ficar para trás e fez o mesmo. E imitou também a incoerência: após anos sofrendo com ativismo judicial, a direita encontrou um procurador segundo o qual o PCO se manifestar pelo Hamas é crime. Como se sabe, jurista neste país, ainda mais quando procurador, prova o que der na telha.

Com base nisso, um grupo de deputados bolsonaristas – estão citados na matéria Carla Zambelli, Bia Kicis e Nikolas Ferreira, mais 24 não citados – denunciaram à polícia civil um orador do PCO por fazer a tal apologia num ato em defesa do Hamas. Como o mesmo PCO, na contramão da esquerda, já tinha manifestado solidariedade aos bolsonaristas, só resta concordar com o orador cuja cabeça foi pedida: “Eles merecem o ‘Xandão’. É chato, mas eles merecem Alexandre de Moraes. Porque eles fazem exatamente a mesma coisa quando é contra os inimigos deles. É absurdo.”

O grupo é acusado de espalhar “teorias conspiratórias e desinformação sobre George Soros, Bill Gates, Greta Thunberg, vacinas de COVID-19, […], bem como conteúdo anti-LGBTQ.” Tudo isso poderia ser dito de qualquer adepto da nova direita. Não só poderia ser dito, como era efetivamente dito, pela nova esquerda, até o ano passado.

Resta saber como o Brasil, que tem as (até dois minutos atrás) “abomináveis” limitações à liberdade de expressão, punirá alguém por defender um grupo que o Brasil não considera terrorista. Bolsonaro poderia ter mudado isso; não mudou. Não mudou por despreparo? Por questões geopolíticas maiores? Bom, boa vontade de Bolsonaro com Israel não faltou, por causa da esposa “evangélica” judaizante (aspas, porque se é judaizante, deveria ser “veterotestamentária”, não “evangélico”), que no começo do governo queria mudar a embaixada de lugar. Quanto às questões geopolíticas, não custa lembrar (ou informar, vai saber…) que o Brasil é um dos muitos Estados nacionais que reconhecem o Estado palestino.

Os Estados Unidos não reconhecem o Estado da Palestina e o Brasil reconhece. Os Estados Unidos consideram o Hamas um grupo terrorista e o Brasil não considera. São Estados nacionais diferentes, com interesses diferentes.

Ao contrário de Zambelli, Nikolas, Kicis etc, o deputado Gustavo Gayer parece entender que são Estados nacionais diferentes, e assim já havia tuitado o seguinte no dia 20 de outubro: “Acabo de encaminhar um ofício para a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil informando, às autoridades competentes, uma lista de políticos, entidades e civis brasileiros que, publicamente, já manifestaram apoio ao grupo terrorista Hamas.” Realmente, este parece estar cônscio de que são dois Estados nacionais diferentes; mas, se faz considerações sobre os diferentes interesses, não sei. O que eu sei é que os Estados Unidos estão acima do Brasil para esse cidadão eleito para representar brasileiros.

Também na mesma toada, Gustavo Gayer fez um vídeo eufórico comemorando um relatório da inteligência dos Estados Unidos que acusa os brasileiros do movimento Nova Resistência de serem neofascistas e difusores de propaganda russa. Fascismo não é crime nos EUA, mas é crime no Brasil. Portanto o líder do movimento anunciou que iria levar à Justiça brasileira o caso. Nessas horas, vemos mais uma boa razão para a censura brasileira ao fascismo, já que isso, se não impedir ninguém de ser fascista, ao menos impede que não saiamos por aí gritando histericamente que os outros são fascistas.

Mas o que me interessa nessa questão é que o relatório dos EUA não se limita a acusar cidadãos brasileiros de serem neofascistas (o que é crime aqui) e difusores de propaganda russa (o que não é crime aqui). O que interessa a mim, e a qualquer brasileiro politizado que tenha algum apreço pelo próprio país, é que os Estados Unidos acusam a Nova Resistência, em primeiro lugar, de exportar desinformação russa. O título do relatório (cujo resumo tem versão em português) é precisamente esse: “Exportando desinformação em favor do Kremlin: o caso da Nova Resistência no Brasil”. Ou seja, os Estados Unidos se sentem no direito de determinar o que é informação ou desinformação aqui. Depois de tentar ser Xerife global, o combalido gigante quer cantar de Ministério da Verdade no nosso terreiro.

A nova direita comeu o pão que o diabo amassou com as “vacinas” ocidentais feitas a jato que nos foram empurradas como vaca sagrada, das quais não se podia falar um “a”, sob pena de ser considerado um genocida que dissemina desinformação. Ser a favor da “vacina” era de esquerda, ser contra a “vacina” era de direita – ainda que Cuba tratasse covid com cloroquina e a propaganda da Pfizer fosse urdida pelo Deep State dos EUA. Pois muito bem, no dossiê do mesmo Deep State contra a Nova Resistência (que não dispõe de tradução), página 11, o grupo é acusado de espalhar “teorias conspiratórias e desinformação sobre George Soros, Bill Gates, Greta Thunberg, vacinas de COVID-19, […], bem como conteúdo anti-LGBTQ.” Tudo isso poderia ser dito de qualquer adepto da nova direita. Não só poderia ser dito, como era efetivamente dito, pela nova esquerda, até o ano passado.

Falando em donos de fundações “filantrópicas”, a Fundação Ford é considerada uma entidade filantrópica pelos Estados Unidos da América, de modo que os colossos monopolistas daquele país podem optar por doar para ela o dinheiro do imposto de renda. A Fundação Ford faz lóbi no Brasil desde pelo menos a década de 60, introduzindo aqui ódio racial, além de feminismo e movimento gay organizados. Basicamente, a Fundação Ford foi a fundadora da Nova Esquerda no Brasil na década de 1960, quando a minha mãe estava nascendo. O líder da Nova Resistência regula de idade comigo, e não dispõe de um orçamento bilionário para influenciar o Brasil. Mesmo que porventura se descubra um financiamento russo no futuro, qualquer coisa que a Nova Resistência faça no cenário cultural brasileiro é café pequeno junto das estrepolias da Fundação Ford – e olha que eu nem comentei a Open Society de George Soros, que defende a mesma agenda da Fundação Ford. (A propósito, não deixem de ler esta matéria sobre como os EUA – e o próprio Brasil, até uns anos atrás – tratam o lóbi das suas instituições “filantrópicas”.)

Os parlamentares da nova conseguiram demonstrar a existência de uma coisa apenas aparentemente contraditória, que é a pequenez megalomaníaca. Por exemplo: deram a Benjamin Netanyahu o título de Cidadão Honorário de Rondônia "por relevantes serviços prestados ao estado".

No entanto, a nova direita não se preocupa com isso. Preocupa-se em ser difusamente “contra a esquerda”, o que quer que isso signifique. Seus parlamentares conseguiram demonstrar a existência de uma coisa apenas aparentemente contraditória, que é a pequenez megalomaníaca. Por exemplo: deram a Benjamin Netanyahu o título de Cidadão Honorário de Rondônia "por relevantes serviços prestados ao estado". E um único deputado estadual de São Paulo resolveu reconhecer Taiwan, como se tivesse capacidade para tal. (Tanto a China “continental” como a Ilha de Formosa, ou Taiwan, alegam ser a legítima representação da China. Quem reconhece Taiwan não reconhece a China, e vice-versa. Mas a maioria fica em cima do muro. O deputado Gil Diniz está na companhia do Vaticano, do Paraguai e do Haiti, mas não do Brasil, nem mesmo dos EUA ou Israel.)

“Ai, mas a China é má, ui, mas o Hamas é terrorista” – dirá o leitor entusiasta desses deputados. Enquanto isso, os EUA estão aí usando Lula para pintar Maduro de democrata e comprar de petróleo venezuelano. Durante o governo Trump, a esquerda liberal dos EUA ficava toda se rasgando porque ele estreitou relações com o príncipe da Arábia Saudita, a despeito do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi. Políticos sérios deveriam saber que política não se faz com base em moralidade.

É como disse Gladden Pappin neste jornal: "A prioridade da geopolítica sobre o liberalismo internacional apareceu rápido. Países que não se alinharam com base em valores agora dividem a mesma fileira no que concerne à situação na Ucrânia; países que se alinharam em valores têm diferentes perspectivas baseadas em suas diferentes situações geopolíticas. Embora situações como essa sejam lugar comum, o seu reconhecimento tem sido constantemente obscurecido no mundo pós 1990, no qual se dizia que o próprio liberalismo era a base da ordem internacional."

No que depender da nova esquerda e da nova direita, a democracia brasileira vai ser só gritaria que entretém as massas enquanto um establishment decide tudo por trás dos panos. Do mesmo jeito que a democracia dos EUA, na verdade. E ficaremos tão parecidos com eles, que até o mandante será o mesmo: o Deep State deles, já que nós não temos nada além desse bando de maluco despreparado.

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