O editor quer que eu comente a mais nova polêmica do Twitter, esta causada pela Folha de S.Paulo, que publicou o artigo “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo”, de Antonio Risério. Ele abordou o dogma segundo o qual negros não podem ser racistas, bem como seus impactos sobre o mundo letrado. A imprensa dos EUA deliberadamente passou a omitir motivação racial de crimes cometidos por negros racistas: “Em ‘Coloring the News’, William McGowan lembra uma série de ataques racistas de pretos contra brancos no metrô de Washington. Em um deles, um grupo de adolescentes negros gritava: ‘Vamos matar todos os brancos!’. O Washington Post, contudo, não tratou o conflito como conduta racial criminosa e sim como ‘confronto de duas culturas’.”
Também menciona o histórico racista e antissemita dos movimentos negros. Sobre a Nação Islã, dos EUA, lembra: “Discípula […] de Marcus Garvey — admirador de Hitler (seu antissemitismo chegou a levá-lo a procurar uma parceria desconcertante com a Ku Klux Klan) e de Mussolini —, que virou guru de Bob Marley e do reggae jamaicano, fiéis do culto ao ditador Hailé Selassié, o Rás Tafari, suposto herdeiro do Rei Salomão e da Rainha de Sabá.”
E sobre o movimento negro brasileiro, diz: “A propósito, a Frente Negra Brasileira, na década de 1930, não só fez o elogio aberto de Hitler, inclusive tratando Zumbi como um ‘Führer de ébano’, como apoiou o Estado Novo de Getúlio Vargas, versão tristetropical do fascismo italiano —e o próprio Abdias do Nascimento, guru de nossos atuais movimentos negros, foi militante integralista.”
Para os leitores deste jornal, nenhum escândalo. É verdade bem embasada. Risério vem escrevendo esse tipo de coisa desde pelo menos 2007, quando publicou “Os movimentos negros e a utopia brasileira”. Ele escreveu essa obra demolidora enquanto trabalhava para o PT, com o qual rompeu só em 2010. A esquerda não é uma cúpula organizada de conspiradores. Tal como a direita, é uma briga de foice e mistura gente de boa e má-fé. Tem conspiradores e tem trouxas; tem malandro e tem mané. Risério sempre esteve aí. É esquerdista desde a adolescência e foi preso na época da ditadura – embora nunca tenha se envolvido com terrorismo. Ao contrário de tantos velhos ex-comunistas, não debandou da esquerda. (E não é uma debandada fácil. Já ouvi ex-terrorista contando a trajetória e parece testemunha de Jeová deixando a fé. Perde família e amigos.)
Repito: Risério sempre esteve aí. A maneira como as pessoas reagem a ele é que varia. A maneira mais comum desde sua ruptura com o PT é fazer de conta que ele não existe. Eu chutaria que o grosso da atenção dada a Risério é causada, agora, pelo interesse da direita. A última vez em que Risério esteve ligado a uma polêmica de Twitter foi via Leandro Narloch, que resenhou o livro dele sobre as negras escravocratas da Bahia. O polemista liberal tirou as teias de aranha que a beautiful people impôs ao velho esquerdista. Josias Teófilo, olavete, tem insistido nas redes que a direita precisa conhecer Risério. Saindo material de Risério com Teófilo, capaz de quererem cancelá-lo de novo.
A Folha
De admirar, nessa história toda, é que a Folha tenha publicado o artigo. A Folha tem preferido fazer de conta que 100% dos esquerdistas são favoráveis ao identitarismo, e que a “direita civilizada” é favorável também. Esse povo engomadinho do ESG. Até o artigo de Risério, na bolha da beatiful people tudo se passava como se ser contra o identitarismo fizesse de você, no ato, direitista xucro. Naturalmente, isso contribuía para que ninguém naquele ambiente ousasse dar um pio sobre o assunto.
Não sei por que a Folha escapou ao próprio padrão e publicou o artigo. Tenho duas hipóteses: foi pela polêmica, que causa burburinho e atenção – coisas desejáveis para quem vende jornal –, ou então por uma tentativa de uma ala minoritária do PT de impedir o suicídio eleitoral do partido. Vocês podem ler sobre este assunto aqui mesmo, na Gazeta.
O jornalista Renan Ramalho ouviu figuras com muitos anos de esquerda para saber o que eles achavam que o PT faria com a agenda identitária. A descrição feita por Aldo Rebelo na matéria me parece a mais próxima da realidade: segundo ele, Lula odeia identitário, mas o PT foi capturado por dentro e vai seguir com essa estratégia suicida. Na matéria vemos Rui Falcão, um dirigente do PT, dizer que “você não pode rebaixar o seu programa pensando só em ganhar voto”. Que algum político profissional menospreze o ganho de votos é de cair o queixo.
Seja como for, os quadros da Folha reagiram outra vez com um barata-voa no Twitter. Reproduzo apenas o tuíte de Thiago Amparo, um acadêmico identitário que ocupa um cargo importante por se dizer negro e gay. Ele tinha reagido ao texto de Narloch escrevendo uma coluna com suas reações fisiológicas. Desta vez foi só com um tuíte engraçado: “Queria que esse cansaço – profundo, desumanizador – se esvaísse; que virasse mar; um mar no qual, juntos, pudéssemos mergulhar, dissipando o cansaço para, ao cabo, incendiá-lo. Quem dera essa dor de lutar por humanidade cessasse um dia. Desse mar de cansaço faremos o amanhã.”
A global Flávia Oliveira respondeu: “Respira, Thiago. Respira. Por favor.” Há um intervalo de cerca de duas horas entre os tuítes. Ao que parece, ele gozava de suas faculdades respiratórias e não precisou ler o tuíte da senhora com máscara n95 na foto de perfil para respirar, já que está tuitando até hoje.
O Twitter
Segundo o Twitter, a coluna de Risério era o assunto do Brasil no dia 16 de janeiro de 2022. Reproduzo o resumo que a big tech deu do acontecido:
Como vocês podem ver, apareceu o termo “racismo reverso”. Não consta o termo “racismo reverso” no texto de Risério.
A gente sabe que as big techs têm uns dogmas inculcados em parceria com a imprensa comum: existe um racismo estrutural contra os negros que deve ser usado como explicação de males e desigualdades (interpretadas sempre como males); existem infinitos gêneros (negar isso é transfobia); é horrível ser gay no Ocidente; vacina de covid é tão segura que não causa sequer os efeitos colaterais previstos em bula e todo mundo tem que tomar mil doses. A cobertura da questão seguiu o dogma. Risério é o menino feio e mau repreendido por especialistas sábios e bonzinhos.
No entanto, pesquisando o nome “Risério” no Twitter, os resultados mostram que não é bem assim. Não sei o quanto os resultados variam de pessoa para pessoa, mas o primeiro resultado que apareceu foi o Prof. Wilson Gomes, que eu não sigo, defendendo Risério. Wilson Gomes é outro esquerdista; se diz liberal de esquerda. Abro o perfil dele e descubro que passou o dia sendo xingado de homem branco – ele, que é escuro. Wilson Gomes é professor de comunicação da UFBA e escreve naquele antro de petista identitário que é a Revista Cult. Ele é daqueles que tem mil senões, mil críticas, mas vai de 13 contra a direita xucra.
Aparece Josias Teófilo defendendo, que é um olavete pessoalmente próximo de Olavo. Aparece Martim Vasques da Cunha, que é ex-olavete brigadíssimo com Olavo, defendendo Risério. Aparece um monte de perfil de apoio a Aldo Rebelo apoiando Risério. Aparecem esquisitões dizendo que os identitários fazem o jogo da CIA. Aparecem liberais (os de verdade, sem modess) apoiando Risério.
Quem gosta dos identitários além das big techs? A Globo, o Magazine Luiza… Enfim, a gente do dinheiro. Mas dinheiro não compra tudo. Não tem dinheiro que faça o identitarismo ser amado: basta alguém falar contra, e logo encontrará apoio maciço. Por isso eles precisam de tantas tochas e tridentes.
Tochas e tridentes ou indiferença
Das tribos políticas, senti falta dos anarcocapitalistas e da turma de Luciano Ayan, o guru por trás da CPMI das fake news. Não sei por que não vi postagem de anarcocapitalista; deve ser coisa de algoritmo. Da turma de Ayan é fácil explicar: porque eles me bloqueiam. Mas não tem problema, eu abro em outro navegador. Michele Prado não deu um pio sobre o assunto. Madeleine Lacsko tuitou assim: “Para quem os inteligentinhos estão trabalhando de graça neste domingo? Risério e Folha. Só trabalham de graça para o Constantino de segunda a sexta. A falta que faz uma pia de louça e aprender algoritmo.” A ideia era devolver Risério às teias de aranha, pelo visto.
(Um parêntese: caso eu e a colega tenhamos leitores em comum que não queiram crer na sujeição intelectual dela a Ayan, sugiro que assistam a esta entrevista, feita bem antes de ele ser preso. E caso não queiram crer na adesão dela à CPMI das fake news, sugiro que vejam este programa com Ângelo Coronel, o relator. E no seu último texto ela afirma que fake news mata. Ela pede fim do financiamento em vez de censura; ou seja, pede por punições como a de Bárbara do Te Atualizei.)
Vamos ao perfil de Luciano Ayan – ou melhor, de Carlos Afonso, já que ele largou o pseudônimo. Estava retuintando o racialista Sílvio Almeida, que fez artigo chamando Risério de racista. Retuitou dizendo: “Ótima síntese. É importante combater mas evitar que esses 'engenheiros do caos' capitalizem com a indignação alheia. A reação deve ser assertiva, mas tirando deles a atenção.”
Pelo visto, esses gênios querem repetir com Risério a estratégia usada por anos contra Olavo de Carvalho. Que deu no que deu.
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