O alemão Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial.| Foto: EFE/EPA/SALVATORE DI NOLFI
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O nome da vila suíça de Davos é conhecido há anos do espectador por causa do fórum econômico que acontece lá anualmente. Com a pandemia, esse Fórum vem sendo mais conhecido pela sua sigla em inglês, WEF, do que pelo nome da cidade. E seu fundador, Klaus Schwab, veio para o centro das atenções desde quando lançara o livro Covid-19: The Great Reset, sobre o mundo pós-Covid. Klaus Schwab fundou o Fórum Econômico Mundial em 1971 e preside-o desde então.

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Klaus Schwab tem alguns livros recentes com a temática globalista. O primeiro deles é A Quarta Revolução Industrial, que, segundo informa, foi escrito em apenas três meses em 2016, a tempo de ficar pronto para o encontro do WEF. Há uma edição brasileira da Edipro. Os outros livros com essa temática são os seguintes: Shaping the Future of the Fourth Industrial Revolution [Moldando o Futuro da Quarta Revolução Industrial] (2018), COVID-19: The Great Reset [COVID-19: O Grande Reinício] (2020), Stakeholder Capitalism: A Global Economy that Works for Progress, People and Planet [Capitalismo de stakeholder: Uma economia global que trabalha pelo progresso, pelas pessoas e pelo planeta] (2021) e The Great Narrative: For a Better Future [A Grande Narrativa: Por um futuro melhor] (2022).

Nesses títulos vemos ideias que se tornaram correntes nos últimos anos: a de que a Covid seria uma oportunidade para rearrumar a sociedade (“grande reinício”), a de que os acionistas (em inglês, shareholders) devem se tornar “stakeholders” (algo como “partes interessadas”) e cuidar do planeta em vez de se preocupar com lucro (ou seja, Klaus Schwab é o mentor do capitalismo lacrador), e a de que narrativas têm um papel político mais relevante que a mera verdade factual. A ideia de que lidamos com uma quarta revolução industrial, porém, não entrou tanto no temário das discussões. E é justo o primeiro assunto abordado por Klaus Schwab em sua série de livros globalistas.

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O que é a quarta revolução industrial

Klaus Schwab lista as três revoluções industriais prévias assim: a primeira ocorreu entre 1760 e 1840, provocada pelas invenções da ferrovia e da máquina a vapor; a segunda, entre o fim do século XIX o século XX, provocada pela eletricidade e pelas linhas de montagem; a terceira começou na década de 1960, com a invenção do computador. Klaus Schwab defende que na virada do século XX para o XXI iniciou-se a quarta revolução industrial. “É caracterizada por uma internet ubíqua e móvel” (p. 16), diz ele.

As divisões das revoluções industriais variam conforme os especialistas. Creio que a expressão “revolução industrial” traga à mente da maioria das pessoas cultas os romances de Dickens ou os Tempos Modernos de Chaplin. Seja como for, a expressão evoca o grande caos social e a miséria que se abateram sobre a Europa, resolvido em parte com a exportação de pobres para o Novo Mundo. Para dimensionarmos isto do Brasil, talvez valha apontar que os italianos que formaram comunidades rurais no Sul vêm do Norte da Itália, isto é, justo a parte desenvolvida, rica e industrial do país. Os agricultores que sobravam aceitavam vir para as Américas às vezes em condição análoga à escravidão.

Não à toa, Klaus Schwab diz: “tenho duas grandes preocupações sobre fatores que podem limitar a realização efetiva e coesa da quarta revolução industrial. Primeiro, acredito que os níveis exigidos de liderança e compreensão sobre as mudanças em curso […] são baixos quando contrastados com a necessidade, em resposta à quarta revolução industrial, de repensar nossos sistemas econômicos, sociais e políticos. […] Em segundo lugar, o mundo carece de uma narrativa coerente, positiva e comum que descreva as oportunidades e os desafios da quarta revolução industrial, uma narrativa essencial caso queiramos empoderar um grupo diversificado de indivíduos e comunidades e evitar uma reação popular contra as mudanças fundamentais em curso” (p. 17, ênfase minha).

Estas duas preocupações dão a tônica geral do livro. Há um problema, que é a recusa da população em aceitar esse novo mundo, e há a crença inconteste de que uma elite tecnocrática deve dirigir a revolução para que o mundo não entre em colapso.

Por que o mundo entraria em colapso?

Imagine agora que não houvesse América, e os europeus tivessem que se confinar à Europa durante a Revolução Industrial. A Grã-Bretanha não teria os EUA para despejar seus famélicos irlandeses; a Itália não teria o que fazer com os pobres que vieram a povoar a América de Norte a Sul; a Prússia idem. Estaria armado um cenário para caos social. Se as previsões de Klaus Schwab se concretizarem, é mais ou menos nesse pé em que o mundo está; pois não há um novo mundo desta vez. Assim, por mais que, publicamente, o WEF fale em ambientalismo, a grande preocupação de Klaus Schwab é a instabilidade social que o desemprego em massa há de causar.

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O mundo entraria em colapso por causa do desemprego em massa devido à automação. Hoje muitos desempregados viram motoristas de Uber – mas o Google já em 2016 investia em carros sem motoristas. E se as corridas do Uber se tornarem mais baratas com carros sem motoristas? Para piorar, as típicas profissões de classe média também são passíveis de substituição por máquinas, e até a medicina poderia ser exercida por “um médico-robô controlado por IA que poderia dar diagnósticos corretos, perfeitos ou quase perfeitos” (p. 102).

A duração das empresas vem caindo de 60 anos para menos de 20. Segundo Klaus Schwab, a economia atual é significativamente diferente por prescindir de um grande número de trabalhadores, de pouco trabalho, de pouco capital financeiro e de muito capital intelectual, isto é, a capacidade de ter novas ideias e impedir que as empresas pereçam em meio à mudança constante. O dono do negócio demite os trabalhadores – seja ele o do chão de fábrica substituído por robôs ou o advogado substituído por inteligência artificial –, mas mantém um geniozinho capaz de ter ideias importantes para salvar a empresa, isto é, mantê-la competitiva num mundo de eterna instabilidade.

O resultado disso seria uma massa de desempregados e uma meia dúzia de reis. O fim da classe média, na verdade. Mas mesmo antes dessa automação generalizada, “atualmente, um trabalho de classe média não garante mais um estilo de vida de classe média; e nos últimos 20 anos as quatro características tradicionais da classe média (educação, saúde, aposentadoria e casa própria) tiveram um desempenho pior que a inflação. […] Uma economia de mercado em que o vencedor leva tudo, à qual a classe média tem cada vez menos acesso, pode transformar-se lentamente em mal-estar e abandono democrático, agravando os desafios sociais” (p. 96).

Para dar uma dimensão da coisa, dou o número da pesquisa citada por ele, “The Future of Employment”, de Carl Benedict Frey e Michael Osborne: “A pesquisa concluiu que cerca de 47% do emprego total nos EUA está em risco; algo que poderá ocorrer em uma ou duas décadas, sendo caracterizado por um escopo muito mais amplo de destruição de empregos e por um ritmo de alterações muito mais veloz do que aquele ocorrido no mercado de trabalho pelas revoluções industriais anteriores. Além disso, há uma tendência de maior polarização do mercado de trabalho. O emprego crescerá em relação a ocupações e cargos criativos e cognitivos de altos salários e em relação às ocupações manuais de baixos salários; mas irá diminuir consideravelmente em relação aos trabalhos repetitivos e rotineiros” (p. 44).

Klaus Schwab reconhece o drama da situação prevista por ele: “É fundamental que as pessoas acreditem que seu trabalho é importante para oferecer apoio a si mesmas e às suas famílias, mas o que acontecerá se houver demanda insuficiente para o trabalho, ou se as competências disponíveis deixarem de coincidir com as demandas?” (p. 53).

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Planificar o mundo por cima dos governos

Até aí, poderíamos simpatizar com Klaus Schwab, já que ele aponta problemas plausíveis. Estamos acostumados no Brasil a reclamar de leis trabalhistas que impedem, por exemplo, de demitir cobrador ou frentista, a falar que falta trabalhador qualificado etc. Mas e quando o emprego qualificado também for automatizado? O mau médico vai alegar, erroneamente, que seu trabalho é essencial; o bom médico, idem, mas talvez não encontre ninguém disposto a pagar por ele. O cobrador, se tivesse um lobby, talvez conseguisse encomendar uma pesquisa capaz de apontar a redução de acidentes de trânsito. Mas ninguém liga; todos querem uma passagem mais barata, uma consulta mais barata, tudo mais barato. Talvez seja o caso de concluir que as democracias devam reavaliar suas prioridades, sob pena de acabar todo mundo desempregado, sendo servido por drones, vivendo como gado até talvez ganhar uma eutanásia pública, gratuita, de qualidade, após solicitar o serviço por meio de uma atendente robotizada de algum serviço social.

O grande problema do livro, ao meu ver, é tratar tudo como inexorável – e chamar para si a planificação do mundo. Como vimos, desde o começo ele se autoincumbe a tarefa de guiar a revolução. As lideranças dos governos não têm a competência necessária para tal. De fato, ele escreve qual será o papel dos governos nesse novo cenário: a mera prestação de serviços públicos. Acaba a soberania dos países.

“Os governos devem […] se adaptar ao fato de que o poder também está passando dos atores estatais para os não estatais e de instituições estabelecidas para redes mais abertas”, diz à página 72. Na seguinte, explica-se mais: “Estruturas paralelas [como o próprio WEF e as ONGs] serão capazes de transmitir ideologias, recrutar seguidores, coordenar ações a favor – e contra – os sistemas de governo oficiais. Os governos, em sua forma atual, serão forçados a mudar à medida que seu papel central de conduzir a política ficar cada vez menor devido aos crescentes níveis de concorrência e à redistribuição e descentralização do poder que as novas tecnologias tornaram possíveis. Cada vez mais, os governos serão vistos como centros de serviços públicos, avaliados por suas capacidades de entregar seus serviços expandidos de forma mais eficiente e individualizada”. Por uma questão meramente técnica, os governos estariam fadados a abrir mão dos cuidados com a soberania e a deixar os assuntos sérios com entidades transnacionais. Mas em hora nenhuma ele diz por que os cidadãos deveriam apartar a discussão ideológica da discussão do governo. Eu devo aderir à ideologia da Planned Parenthood só por ela ser “mais capaz” do que as organizações partidárias brasileiras?

Numa coisa ele tem razão: existem entidades transnacionais distintas do WEF e das ONGs que todos queremos combater. A Al-Qaeda inaugurou esse tipo de problema. Creio que John Gray tenha sido o autor mais sucinto e convincente a descrever os problemas de segurança internacional causados por essa nova realidade: em Missa Negra (2008), ele aponta o fato de que é perfeitamente possível um desses grupos terroristas praticar ataques nucleares, coisa que era monopólio estatal durante a Guerra Fria. Klaus Schwab tem isso em mente, cita o Isis como exemplo. E fala muito de segurança internacional. Ou seja, ele de fato se preocupa com o assunto; não é que ele tenha esquecido o assunto ao tratar do Estado. Essa importante atribuição saiu das mãos do governo.

Mas não temos nada a ver com a Al-Qaeda, nem com o Isis. A maior ameaça à nossa soberania é justamente a plêiade de ONGs que desempenha papel de Estado. É bom que se diga que ONG abrevia “organização não-estatal”, o que é o mesmo que organização privada. Privada e, naturalmente, não eleita. Klaus Schwab não está nem aí para a democracia.

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O cenário que se desenha

Klaus Schwab fala de muitas coisas, algumas das quais de deixar os cabelos em pé (como comercialização de bebês geneticamente desenhados e impressão em 3D de seres vivos). Quem tiver interesse pelas inovações científicas planejadas precisa ler o livro, pois não posso resumir.

De um modo geral, o cenário que se desenha é o do fim da classe média, do fim dos pobres, do fim da propriedade privada para a esmagadora maioria da população. Esta ficará na mão de uma elite tecnocrática cheia de robôs. Naturalmente, ninguém tende a gostar muito desse cenário, então é preciso edulcorá-lo com narrativas. Estas devem tornar desejável ou aceitável essa nova realidade de imensa concentração de propriedade e espoliação generalizada. Somando-se este ideário a uma falta de noção, explica-se por que o WEF promoveu o slogan “you will own nothing and be happy”, você não será dono de nada e vai ser feliz. Resta saber por que essa elite, esses Übermenschen, manteriam tantos humanos inúteis a troco de nada. Assim, não é de admirar que sejam neomaltusianos e promovam o aborto e a castradora ideologia de gênero mundo afora. Tampouco é de admirar que já estejam expandindo a eutanásia para doentes mentais – e Klaus Schwab menciona algumas vezes que saúde mental é um problema desta nova revolução. O cidadão comum estará desamparado. O seu país, por razões tanto econômicas quanto ideológicas, não vai peitar essa elite de jeito nenhum. O governo foi diminuído e absorvido por ela.

No mais Klaus Schwab fala muitas vezes sobre o efeito da vigilância para deixar as pessoas mais obedientes. Assim, encerro este texto citando o quadro “Bem estar e as fronteiras da privacidade”, à página 106.

“Bem estar e as fronteiras da privacidade”

“O que está acontecendo atualmente com os dispositivos vestíveis nos dá uma noção da complexidade da questão da privacidade. Um número crescente de companhias de seguros tem pensado em fazer a seguinte oferta aos seus segurados: se você usar um dispositivo que monitora o seu bem-estar – quanto você dorme e faz exercícios, o número de passos que dá todos os dias, o valor e o tipo de calorias que consome etc. – e se concordar que essas informações possam ser enviadas para seu provedor de seguros de saúde, ofereceremos um desconto em seu prêmio. Será que devemos dar boas-vindas a esse avanço porque ele nos motiva a viver vidas mais saudáveis? Ou ele toma um rumo preocupante a um estilo de vida em que a vigilância – do governo e das empresas – irá tornar-se cada vez mais intrusiva? No momento, esse exemplo refere-se a uma escolha individual – a decisão de aceitar ou não usar um dispositivo de bem-estar. Mas insistindo nisso mais uma vez, suponhamos que agora o empregador peça que todos os seus funcionários usem um dispositivo que envia dados relativos à saúde para a seguradora, porque a empresa quer melhorar a produtividade e, possivelmente, diminuir seus custos com os seguros de saúde. E se a empresa exigir que seus funcionários mais relutantes aceitem o pedido ou paguem uma multa? Então, o que anteriormente parecia ser uma escolha consciente individual passa a ser uma questão de conformidade com as novas normas sociais, mesmo que alguém as considere inaceitáveis”.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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