Renato Freitas (PT), durante sessão na Câmara de Curitiba| Foto: Câmara de Curitiba
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Esta semana, dois assuntos ligados a raça tomaram o noticiário. Um é a autodeclaração de ACM Neto e Alessandro Vieira como pardos; outro, a intervenção do ministro do supremo Luís Roberto Barroso sobre a Câmara de Vereadores de Curitiba, impedida de cassar o mandato de um militante do movimento negro. Ambos os assuntos estão ligados ao ativismo judicial do Supremo.

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Comecemos pelo menos evidente, que é o de ACM Neto. Com ele, descobri que ainda há muita falta de informação na direita quanto à legislação eleitoral. No dia 23 deste mês, Diogo Schelp disse equivocadamente no programa Os Pingos nos Is que a autodeclaração racial “não tem nenhuma implicação prática. Porque uma coisa [é] a pessoa se declara[r] negro, ou pardo ou indígena para conseguir uma cota racial lá numa universidade, por exemplo […]. Mas no caso das eleições isso seve apenas como base para estatística, não é para uma cota. Não vai conseguir uma cota no Congresso porque se declarou assim ou assado.” Como ninguém o corrigiu, Fiuza seguiu na mesma toada e desancou ACM Neto, tratando-o como um oportunista que usa o rótulo de negro para ostentar virtudes. Mas existe cota racial, sim: uma quota não regulamentada no Fundão. E se essa quota não regulamentada não for atingida, as contas do partido vão ser impugnadas pelo TSE.

A distorção estatística e legal do pardo

Como diria o açougueiro, vamos por partes. Por lei, se você se declara pardo, sua autodeclaração é distorcida e, para todos os efeitos legais, você se autodeclarou negro. O Estatuto da Igualdade Racial, de 2010, resolveu que “negro” significa o somatório de pretos e pardos. A manobra estatística é pretendida desde os anos 70, quando Abdias do Nascimento pretendeu transformar o Brasil no segundo maior país negro do mundo, atrás somente da Nigéria. A coisa ganhou chances de vingar primeiro com FHC, mas andou mesmo com o petismo. Já em 2004, o historiador José Murilo de Carvalho protestou contra o que ele chamou de “genocídio racial estatístico”: “De uma penada, ou de uma somada, excluem do mapa demográfico brasileiro toda a população descendente de indígenas, todos os caboclos e curibocas. […] A não ser pelos trezentos e tantos mil índios, a América desaparece de nossa composição étnica. Restam Europa e África.” E desaparecem as marcas da imigração oriental também. Os libaneses, tão presentes na política brasileira, têm que ser brancos ou negros.

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Faço uma pergunta: ACM Neto é branco? Imagine ACM Neto anônimo na Alemanha: ele passa por alemão ou por turco? Se estivesse na França, passaria por francês ou por argelino? Muito português tem o biotipo de ACM Neto, mas é porque Portugal foi um império global que admitia, na metrópole, súditos de todas as cores – inclusive negros, já que a partir de 1761 todo escravo que estivesse ou aportasse em Portugal seria considerado alforriado. Além disso, Portugal passou muito tempo como parte de um califado. ACM Neto simplesmente não é branco!

Em defesa dele, eu me lembro de sua primeira candidatura à prefeitura de Salvador. Naquela época, quando a autodeclaração de fato só servia para estatística, ele tinha se autodeclarado pardo e o movimento negro fizera um escarcéu. Depois, provavelmente para evitar problemas, passou a se declarar branco. O retorno foi agora, em 2022. Por causa da nova canetada do TSE.

A base do governo e o Centrão deveriam ter se mexido para reverter o infame Estatuto da Igualdade Racial, que regula o racismo de Estado. No entanto, o único movimento esboçado no sentido do enfrentamento ao racismo de Estado, que eu saiba, foi da parte de Kim Kataguiri, por ocasião do prazo da revisão da lei de cotas. Infelizmente logo houve o escândalo do MBL na Ucrânia e a ação contra as infames cotas raciais foi ofuscada.

Canetada e entrega de anéis

Quanto à canetada do Supremo relativa à legislação eleitoral, já a esmiucei neste texto. Repassemos: em 2018, acionado por Raquel Dodge, o STF obrigou a ter cota para mulher de 30% nas despesas eleitorais partidárias (somando Fundão e arrecadação privada). Dado o baixo interesse das mulheres na política partidária, os partidos tacaram candidatas laranjas. O TSE ameaçou as contas de todo o mundo, e todo o mundo ficou pendurado. Em 2020, o Congresso entrega os anéis para salvar os dedos: passa uma emenda à Constituição que botava a cota de gênero no Fundão. Isso não foi um favor: com esse movimento, passou a ser lei nova. Como lei nova não retroage, todos os políticos que estavam pendurados por mulher laranja se livraram do problema. Por outro lado, tiveram de fazer malabarismo e se ajustar à lei maluca a partir desta eleição.

Não é à toa que os partidos tipicamente governistas – o MBD e o União Brasil (ex-PFL e ex-DEM) – puseram duas mulheres como candidatas à presidência. Assim eles podem botar na quota feminina os gastos com campanhas regionais, desde que imprimam santinhos em que conste a candidatura presidencial. É gasto com a candidatura “de Simone” e do Zé das Couves. Barbada.

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A consequência natural disso é que os partidos que levam a sério suas candidaturas presidenciais vão ter mais dificuldades contábeis para financiar candidaturas regionais do que os partidos do Centrão.

Canetada e confusão

Enquanto o Congresso entregava os anéis, o TSE largou mais uma. Acionado por Benedita da Silva, em 2020 decidiu que a partir de 2022 haveria quotas raciais para gastos com campanha. Ela pediu quota de 50%. Ele disse que a regulamentação era com o Congresso. Que não regulamentou. Do jeito que vai a cúpula do Judiciário, nenhum líder partidário precisa imaginar o que vai acontecer com as contas do seu partido caso ele apareça com menos de 50% dos gastos de campanha com candidaturas de “negros”.

Assim é previsível que os partidos pressionem mais os nordestinos e os nortistas para fazerem se autodeclararem pardos, haja vista a pouca presença branca nessas regiões. Despesas com candidatos nordestinos e nortistas aliviariam as contas do grande centro populacional do Sudeste e do Sul, esta a região mais branca e com maior potencial de prejuízo com a lei de quotas. O próprio caso de Alessandro Vieira dá indícios de que seja uma política nacional: ele é um gaúcho que fez sua carreira política em Sergipe. Talvez, se ficasse no Rio Grande do Sul, não houvesse pressão para engrossar as estatísticas de pardo e evocar a avó guarani.

Mas isso é um malabarismo de curto prazo. Como se viu na matéria da Jovem Pan, o PT contesta as autodeclarações dos candidatos. E como lembrou o próprio Diogo Schelp, no caso mais antigo de quotas raciais (o das universidades públicas) há tribunais raciais para determinar se os autodeclarados “negros” são “negros” ou não. Para se ter uma ideia de como são esses tribunais, não deixe de ler esta matéria da Gazeta. Em resumo, são um monte de desajustado mental do movimento o negro, que está pronto para considerar branco quem aparecer de cabelo alisado. Se eles são assim com a mulata que alisa o cabelo, imagine-se com o caboclo de cabelo liso, que a lei obriga a considerar negro caso se declare pardo.

Caso não se ponha um freio no ativismo judicial e não se reverta o racismo de Estado, podemos esperar tribunais raciais determinando quem é negro e quem não é – e, no fim das contas, podemos esperar que essas comissões de militantes progressistas determine quais partidos terão suas candidaturas impugnadas e quais não. Sobrar só PT e PSOL!

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Lei penal mais branda para raças inferiores

Vamos, por fim, ao caso Renato Freitas, que violou uma missa e foi cassado duas vezes pela Câmara de Curitiba. (Na primeira vez, uma manobra judicial interferiu.) No frigir dos ovos, Renato Freitas pode pintar e bordar porque é negro. A Constituição dá a liberdade de culto e proíbe vandalismo em atos religiosos. À luz dessa proteção legal, a esquerda explora os ataques de evangélicos a terreiros de macumba e rotula tudo como “racismo religioso” – como se os evangélicos não fossem esmagadoramente “negros” (pretos + pardos) e como se os macumbeiros não fossem cada vez mais brancos. Tudo se passa como se religião fosse atributo racial e não questão de foro individual. Embora a igreja católica violada fosse originalmente de pretos, tudo se passa como se todo o cristianismo fosse a religião da raça branca, de modo que, contra ela, o negro pode tudo.

De todo modo, o que salta aos olhos é a aplicação seletiva da lei, seletiva conforme a raça. Se negro, merece leniência; se branco, merece dureza. Hoje o dogma do racismo estrutural faz pela cultura o que o racismo científico fazia pelo corpo: coloca alguns homens na condição de semi-imputáveis. O branco era considerado racialmente superior; hoje, é-o socialmente. O branco é tido por homem pleno, senhor de suas faculdades; o negro, como algo aquém disso.

Barroso é tão ilustrado. Será que ele não sabe que Raimundo Nina Rodrigues (1862 - 1906), por ser um lombrosiano adepto do racismo científico, defendia a criação de códigos raciais diferentes para raças diferentes? O mais duro, naturalmente, era para o branco.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]