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Bruna Frascolla

Bruna Frascolla

Algumas notas para pensar o caso Twitter Files

(Foto: Copilot)

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Infelizmente, os Twitter Files Brazil estão mobilizando muito mais as emoções do que os cérebros da direita brasileira. Apareceu um bilionário gringo de direita dando atenção ao Brasil, algumas pessoas (deputados inclusos) ficaram eufóricas com a possibilidade de ganhar fama internacional e, para piorar, o terreno preparado por Gene Sharp deixou um monte de tabaréu com boca aberta dizendo: “O mundo está vendo!!”, como se isso fosse bom. A oposição venezuelana está há décadas sob holofotes globais pedindo sanção, sem conseguir restaurar a democracia liberal.

De longe, o primeiro editorial da Gazeta do Povo sobre o tema foi a análise mais sóbria que se leu na direita: frisa que os abusos das redes sociais são conhecidos desde a última eleição presidencial dos EUA, em 2020; que Elon Musk entregou os papéis a Shellenberger, dando a entender que havia algo de interesse no Brasil, há mais de um ano; que as revelações não são bombásticas (pois qualquer um que acompanhou as eleições achou o TSE esquisito); e que provavelmente não vai dar em nada. Concordo em gênero, número e grau com o editorial. Em seguida, outro belo editorial deu conta dos problemas de Xandão na abordagem da questão Elon Musk.

Quem quiser ler apenas críticas a Xandão e elogios a Musk, pode parar por aqui. Se tem mil pessoas fazendo isso, vou fazer outra coisa. Se você quer ler a mesma coisa mil vezes, sugiro repensar as prioridades da sua vida.

Musk não inventou a roda

A análise que vem sendo propagandeada por Shellenberger e seus entusiastas é um bocado diferente daquela do editorial da Gazeta. Do alto do seu foguete branco (pois cavalos estão fora de moda), Elon Musk resolveu “libertar” os brasileiros da ditadura socialista imposta por Xandão e Lula. Não temos preços tabelados; mas o socialismo, pelo jeito, se caracteriza pelas limitações à liberdade de expressão. O problema é que a liberdade de expressão nunca foi absoluta no Brasil, tampouco na Europa e, creio, tampouco na nossa vizinhança. A própria noção “absolutista” (entre aspas) da liberdade de expressão é recente até nos EUA, tendo surgido não com a Primeira Emenda, senão com uma interpretação da Suprema Corte em 1971. O comunismo tem um longo histórico de proibição e perseguição estatal no país, ao contrário do racismo e até do nazismo.

Elon Musk também tem acusado Alexandre de Moraes de desrespeitar a Constituição. Ora, a literalidade da Constituição vem sendo desrespeitada desde 2014, quando as cotas raciais foram consideradas constitucionais pelo STF. A pressão veio de fora – primeiro das ONGs estadunidenses e depois da Conferência de Durban – e o Brasil foi passando leis que deveriam ter sido consideradas inconstitucionais, mas não foram. No entanto, também por pressão de fora – do “Mundo Livre” – o Brasil tem uma Constituição que dá poder demais à Suprema Corte, de modo que o que é constitucional não é o que está na Constituição, mas sim o que o juiz diz que está na Constituição. Como expliquei noutra ocasião, é o Sola Scriptura aplicado à política. A scriptura não manda nada; quem manda é quem diz que a entendeu, e cada um entende de um jeito. Portanto se o Sr. Musk quer reclamar de interpretação maluca, entre na fila. Aliás, pode fazer isso lá nos EUA mesmo, que é de onde vem o despautério.

Golpismo moderno

E se Musk quiser ficar nos EUA, poderá ajudar o Brasil mostrando o papel nefasto da inteligência do seu país sobre a democracia mundo afora. Afinal, foi o FBI quem, em 2020, se esforçou para que a matéria do New York Post sobre o laptop do filho cracudo de Biden fosse tirada de circulação das redes sociais como desinformação russa. Alguém poderia dizer que a inteligência dos EUA parou de dar golpe com tanque em países estrangeiros para manipular o judiciário e as eleições, dentro e fora do país. Nos EUA, tiraram um presidente com vida própria para botar um velho gagá comandado por terceiros. Trump não podia dizer um “a” que era tachado de agente russo pelos democratas e pela inteligência, sendo que a Rússia ainda nem tinha invadido a Ucrânia.

Falando em golpe, no mesmo ano (2020), durante as confusões políticas na Bolívia, um tuiteiro abordou Elon Musk assim: “Sabe o que não é do interesse do povo? O governo dos EUA organizar um golpe contra Evo Morales na Bolívia para você obter lítio lá.” Musk respondeu isto: “Vamos dar o golpe em quem quisermos! Engula isso.” O lítio é fundamental para a composição das baterias dos carros elétricos, que são fabricados por Musk. Quem acha que Musk é só um cidadão muito rico e não tem relações promíscuas com o Estado deve, na melhor das hipótese, andar de bicicletas com rodinhas laterais e esperar o Papai Noel.

Não é fácil achar lítio por aí. Com a transição energética, o lítio é como o petróleo: está distribuído em reservas naturais, não é renovável e é vital para a produção de energia. Esta semana Elon Musk anunciou que ia à Índia encontrar o primeiro ministro Modi. Tal como a Bolívia e o Brasil, a Índia é rica em lítio.

Musk contra Felipe Neto?

Mas, a crermos na direita brasileira, vivemos numa ditadura totalitária. Enquanto dizem que é intolerável a comparação entre o Holocausto e as inumeráveis “baixas civis” palestinas, os direitistas comparam ao Holocausto as prisões do 8 de janeiro. Arranjaram até uma Anne Frank que diz que comeu comida com cacos de vidro e escreveu um diário em papel de modess.

Pois bem: há um bom tempo vivo insistindo que, se você se vê como um judeu na Alemanha Nazista, o mínimo que se espera é cuidado com sua própria segurança. Mas os bolsonaristas fizeram uma Lista de Schindler ao contrário, entregando às autoridades bancárias os seus próprios nomes por meio da campanha do pix para Bolsonaro. Quando o COAF vazou os dados bancários com a lista de apoiadores, os bolsonaristas fizeram a única coisa que sabem: espernearam.

Não satisfeita, a direita organizou um abaixo-assinado (veja em censuranao.com) contra o Xandão. Quantas vezes uma ditadura caiu ou deixou de ser instaurada por causa de abaixo-assinado na história? Num eventual recrudescimento da repressão, já há uma lista de opositores.

Por fim, uma coisa que eu queria destacar é a falta de foco da direita evidenciada pelo Twitter Files Brazil 2: revelou-se o segredo de polichinelo de que Felipe Neto gozava de muita influência dentro do Twitter (o próprio Felipe Neto se gabava muito disso). Ou seja, quando o Twitter era de um bilionário woke, dava acesso privilegiado a um influenciador woke. Eu acho que isso é um problema e uma prova de que a regulamentação das redes sociais é necessária, mas eu sou, segundo os novos parâmetros da direita, algo como uma turbotecnonazicomunista, uma totalitária, uma coletivista etc. Mas o que o fã-clube de Elon Musk pretende? Criar uma regulamentação assim: “Só Elon Musk e outros libertários podem ser donos de rede social para traficar influência”?

“O mundo vai ver você apanhando!!”

Graças a Gene Sharp, propagandeado no Brasil pela teologia da libertação e por Olavo de Carvalho, a direita brasileira acha que ter sucesso na vida é ser igual à oposição venezuelana. O papel do militante é fazer alarde, ser punido e servir como prova de que o país vive uma ditadura brutal.

Ao contrário de Mike Benz, Shellenberger faz crer que o problema dos Twitter Files são as instituições brasileiras e, no máximo, umas ONGs que ninguém sabe de onde vêm. Ora, o próprio Shellenberger tem anos de ongueiro nas costas. ONG, nos EUA, não tem que dizer de onde vem a receita, e não raro a própria inteligência injeta dinheiro nessas ONGs, que se transformam em fachada para operações do governo dos EUA. Como mostra o Uol, Shellenberger tem um histórico de atuação e agitação na América Latina, e, neste caso dos Twitter Files Brazil, já foi pego fazendo afirmações falsas. (Você pode vê-lo no Senado explicando que treinou o português numa ONG maranhense bancada pela Fundação Ford que ajudava o MST.)

O que pode acontecer daqui pra frente? Musk por ora é mais garganta que qualquer coisa. Tinha prometido restaurar contas bloqueadas, mas, quando Nikolas cobrou dele, a live caiu. De todo modo, se o X for banido do Brasil, os brasileiros perderão a única rede social que mistura direita com esquerda (minorando a formação de bolhas) e dá espaço para os defensores de regimes opostos aos EUA e à OTAN. Nesse caso, a inteligência dos EUA ganha por nos deixar só com as redes do Zuckerberg, que não admitem contestação ao wokismo nem dão espaço aos adeptos dos BRICS e da Palestina.

Outro ganho com a censura do Twitter seria a facilitação de considerar o Brasil uma ditadura inimiga do Mundo Livre e, portanto, digna de sanções. Musk poderia até perder dinheiro aqui no curto prazo, mas, derrubando o governo (ou pressionando pela sua derrubada), venderia satélites Starlink e conseguiria acordos mais vantajosos para a compra de lítio.

Mas como nada disso é certo, tem-lhe parecido melhor soltar bravatas e deixar o X em funcionamento no Brasil. Quanto à oposição, é bom aproveitar a dupla cidadania (os que a tem) para viajar, mas vale lembrar que a vida em euro e dólar é muito cara, e os EUA já têm "guerreiros da democracia" demais para financiar.

Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

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