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Se uma autoridade pegar um garoto que gosta de bonecas, botá-lo sentado numa cadeirinha e se empenhar a convencê-lo de que ele é uma menina presa no corpo de um menino, nós podemos concordar que se trata de abuso infantil, e de que essa autoridade está induzindo uma doença psiquiátrica. Se a criança acreditar no que lhe diz a autoridade, ela padecerá então de uma doença chamada “disforia de gênero”.

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Daí não se segue, porém, que disforia de gênero seja uma coisa totalmente inventada: desde que o mundo é mundo, existem garotinhos que se vestem de menina e queriam ser meninas. A psiquiatria até pouco tempo atrás considerava que o mal costumava passar com a adolescência e o menino provavelmente viraria um gay efeminado. Em casos raros, a disforia não passava, e alguns psiquiatras recomendavam tratamentos hormonais e cirurgias de mudança de sexo.

Que quero com isso? Apontar o seguinte: uma mesma doença psiquiátrica pode ter origem espontânea ou induzida. Logo, o limite entre uma mente sadia e uma mente doente pode ser mais tênue do que supomos normalmente. Olhamos para os esquizofrênicos e pensamos: “Aí está um azarado”, porque consideramos que sua doença é permanente e tem origens inatas.

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É diferente da maneira como olhamos para um deprimido, pois consideramos que sua doença é transitória e tem origens sociais. Esquizofrenia é um problema muito mais grave do que depressão. Daí inferimos – erroneamente – que só doenças inatas e permanentes podem ser um problema gravíssimo. E negligenciamos a indução sistemática de doenças mentais em certos nichos da nossa sociedade.

Inferência difícil de negar

Certa feita Thomas Sowell relatou ter ficado perplexo com a desesperança de um jovem acadêmico negro. O próprio Dr. Sowell nascera preto e pobre num país segregado. Ele nasceu em 1930 e as leis Jim Crow só acabaram em 1964. Sowell estudou num país segregado e procurou trabalho qualificado numa sociedade que não abandonou tão cedo a crença na inferioridade intelectual dos negros. Com todos esses revezes, Sowell foi capaz de acreditar em si mesmo e de se tornar um grande intelectual reconhecido em vida. Registre-se que ele começou a vida intelectual como um marxista; portanto, o marxismo de sua época não era um entrave ao desenvolvimento pessoal.

O mesmo não se pode dizer do marxismo de hoje. O jovem desesperançoso que Sowell viu tinha certeza de que não havia nada que ele pudesse fazer para superar o racismo estrutural. Ele não nascera num país segregado e ninguém teria coragem de ser abertamente racista consigo. Mas essas vantagens foram anuladas por uma crença fabricada pela academia: a de que os negros estão fadados ao fracasso porque toda a sociedade conspira contra si.

Nós estamos acostumados a olhar para o progressismo de fora e estamos de saco cheio dessa lenga-lenga vitimista que coloca negros, mulheres e gays como eternos oprimidos. Acreditamos que os defensores dessas ideias querem boquinhas e que falam coisas nas quais não acreditam. Mas a verdade é que essa lenga-lenga se tornou tão difundida que é impossível que ninguém acredite nela. Vá lá que os seus cabeças sejam farsantes. Isto não muda o fato de que essas ideias vão para as searas da pedagogia, da psicologia e do jornalismo, de modo que exercem algum tipo de influência sobre a população geral. Nesta, há uma variação de suscetibilidades que vão desde a índole individual (uns são mais frágeis do que outros) até o grau de exposição (um analfabeto vai ser menos exposto do que um acadêmico de humanas numa federal).

Assim, não é preciso ser Sherlock Holmes para concluir que existem pessoas impactadas por essas ideias. Agora imagine estar no lugar de uma mulher que realmente acha que vivemos num patriarcado opressor e que todo homem é estuprador potencial; de um negro que acha que o racismo está sempre à espreita e que todo branco o olha com superioridade; de um gay que realmente acha que vive no país mais homofóbico do mundo e que a qualquer momento pode ser assassinado por um talibã evangélico.

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É possível ter a saúde mental incólume nessas condições? Me parece impossível. E nem homem branco heterossexual está a salvo, já que, se aderir à crença, não poderá achar que tem a capacidade de ser bom. Para entrar na cabeça de alguém afetado por esse tipo de ideologia, você pode ler aqui o relato de um ex-membro de coletivo revolucionário.

É impossível alguém acreditar nessas coisas e ter paz de espírito para tocar a própria vida e fazer planos construtivos. O progressismo pinta o mundo como um vale de lágrimas. As correntes místicas que adotam esse tipo de cosmovisão ao menos têm uma escatologia redentora como válvula de escape. O progressismo, nem isso.

Crenças de malucos

Qual é a plausibilidade de os machos da espécie terem feito um pacto mais velho que a Antiguidade para oprimir as fêmeas e o terem mantido por milênios a fio em todos os continentes? Quais as chances de as mulheres e os homens serem tábulas rasas nas quais o Patriarcado Mundial escreve coisas semelhantes por várias culturas e eras? É uma baita crença conspiratória que não goza do mínimo de plausibilidade. A pessoa que acredita nesse tipo de coisa deveria estar babando num hospício – no entanto, está cuidando da saúde mental alheia ou dando aulas aos jovens. Devemos portanto lidar com a perspectiva de haver uma disseminação artificial de doenças psiquiátricas por meio de ideologia.

A primeira vez que atinei para esse descalabro foi quando recebi o telefonema de um parente (o parente 1) que uma parenta era completamente louca (a parenta 2). O parente 1 enxergava cavaleiros medievais andando no meio da rua e se treinava para não cumprimentá-los. Não tomava nenhum remédio psiquiátrico por causa dos efeitos colaterais. Seu problema fora amenizado depois de ser levado a um centro de umbanda onde teriam baixado espíritos que falavam francês e o acusavam de ser um general irresponsável que causou a morte deles. Feitos os trabalhos para apaziguar os franceses queixosos, o “paciente” ficou convencido de que o problema estava resolvido e lidava razoavelmente com as alucinações. Então vocês entendem que eu achei o telefonema em si mesmo uma coisa engraçada.

O parente 1 vivia, claramente, num mundo muito mais agitado que o meu. É povoado por espíritos maus que estão sempre à espreita; aprender a se importar menos com essa ameaça perene o ajudou a tocar a vida. Vê o espírito mau, mas se julga protegido e o ignora. Já o tio dele, menos afortunado, se apavorava com as alucinações e conseguiu se matar depois de algumas tentativas. Existem problemas que são inatos e hereditários; as maneiras de lidar com eles não são. E existem (creio eu) mentes mais propensas a enxergar um mundo especialmente agitados e temíveis. Assim, quando veio a politização extremada, o parente 1 passou a acreditar que a terra é plana e eles não querem que você saiba disso.

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E foi por causa da politização extremada que o parente 1 concluiu que a parenta 2 era louca. Não me lembro do que ele contou em particular, mas lembro que concordei. E depois a parenta 2 contaria para todo mundo que Bolsonaro tinha um complô com o Mossad, o Hospital Israelita e a Globo para dar uma facada no lugar exato onde ele tinha um tumor a ser operado. À primeira, segunda, terceira, quarta e enésima vista, é uma crença de maluco. Esse mundo povoado por agentes do Mossad não é tão diferente assim do mundo povoado por agentes do governo norte-americano (responsável pelas maquinações da NASA) ou por espíritos maus que erram há séculos.

De repente essa crença digna de paciente psiquiátrico passou a circular entre pessoas sadias incapazes de enxergar o absurdo que ela é. Ninguém há de negar que é um fenômeno interessante que demanda atenção.

Quanto ao progressismo, seus adeptos sinceros vivem nesse mundo habitado por eles: a branquitude, o patriarcado, os evangélicos, o cistema (sic), que conspiram para matar negros etc. Mais vale ter alucinações e saber lidar com elas do que viver com esse conjunto de crenças.