Certa feita um ex-assessor parlamentar me explicou qual era o seu tipo de projeto de lei predileto: o que cria datas comemorativas. Com um monte de datas comemorativas, o político pode posar com um bela quantidade de leis criadas e provar, assim, que trabalha muito. Lembram-se do povo que caía matando em Bolsonaro porque ele não aprovava projeto de lei nenhum quando deputado? Datas comemorativas são inofensivas, dá para aprovar um monte e posar de workaholic sem encher o saco de ninguém com lei maluca.
Podemos dizer então que um mal da democracia é essa necessidade de mostrar serviço por meio da aprovação de projetos de lei (PL). E, de PL em PL, é bem possível comer a democracia pelas beiradas, até chegar a um ponto em que não será possível criar um PL para criar a data comemorativa do Fim da Democracia, porque então, para criar datas comemorativas, será necessário entrar com uma ADIN no Supremo, alegando que a Câmara se ausentou do seu dever constitucional de criar o Dia do Fim da Democracia. No entanto, jamais um deputado teria coragem de fazer tal coisa, sob pena de ir preso por crime de fake news, crime de discurso de ódio e crime de ataque à democracia. “Absurdo!”, dir-se-á. “A proposta da criação de um Dia do Fim da Democracia é um ataque às nossas vibrantes instituições democráticas.” O nobre deputado iria para a mesma prisão que as centenas de bolsonaristas do 25 de Dezembro. Nessa data que (assim como o 8 de Janeiro) ficará na história do Brasil, uma onda de ódio às passas varreu as redes sociais, e uma operação da PF foi deflagrada para prender os haters das passas. Para que tal coisa nunca se repetisse, Randolfe entraria com uma ADIN pedindo a equiparação da uvapassafobia ao racismo. #NeverAgain.
Assim sendo, a única coisa admirável no caso Choquei é que Randolfe (ou a REDE, ou o PSB, ou o PSOL, ou o PDT…) não tenha entrado ainda com uma ADIN pedindo ao Supremo que dê um jeito nessa omissão legislativa do Congresso, que – o horror! – ainda não aprovou o PL das Fake News. Eu, se fosse ministra do Supremo, condenaria a omissão legislativa de uns 20 anos atrás e aprovaria o PL que criminaliza estrangeirismos, acabando com esse papo de fake news. Duvido que, se fossem obrigados a usar o português, teriam tanta facilidade em falar da criminalização de lorotas, de mentiras gordas e de abobrinhas não-cucurbitáceas de toda sorte.
Nova Esquerda quer criar o feudo do Elon Musk
O Brasil tem leis para calúnia, difamação e até para incitação ao suicídio. A democracia, afinal de contas, serve para que tenhamos leis propostas pelos representantes do Povo, e para que as punições sejam executadas pelos servidores do Povo. Toda a retórica neoesquerdista, porém, clama para que o Tio Elão e o Tio Marquinho Zuckerberg se responsabilizem pelos tuítes e postagens de Chico e de Francisco, feitos no território nacional ou no além-mar. Ora, nenhum dos dois se candidatou a cargos eletivos no Brasil, nem consta que tenham realizado concurso público no nosso país. Assim sendo, o que esses neoesquerdistas defendem é anarcocapitalismo puro e simples, com bilionários woke dizendo “Minha plataforma, minhas regras”. A queixa deles é que Elon Musk não é woke. Só. Aliás, os Sleeping Giants também não defendem outra coisa que não a “justiça” anarcocapitalista, pois as punições defendidas por eles correm à revelia da lei e consistem basicamente em boicote por parte dos consumidores woke. “Meu dinheiro, minhas regras.”
O que faz falta, no caso da Choquei e numa porção de outros mais, é justamente a presença do Estado. Se o Estado estivesse sadio e funcional – e não sitiado por ONGs de bilionários que odeiam a soberania popular e o povo brasileiro –, um agente da PF teria batido na porta de cada influencer negra que ficava pregando supremacismo racial e atacando casais de cores diferentes. Zuckerberg seria chamado a responder na justiça não por deixar de censurar brasileiros, mas sim por nos censurar segundo os seus próprios critérios, que não obedecem às leis locais. Quanto a Elon Musk, o maior problema do Twitter é a facilidade com que os menores podem acessar pornografia. Para isso, sim, bem poderíamos criar leis – e bem poderíamos cuidar, antes disso, de aplicar as que já existem, seja contra a pornografia, seja contra a apologia de narcotráfico. Funks “proibidões” são, afinal de conta, proibidos.
No entanto, anarcocapitalistas e ongueiros são contra a “guerra às drogas” e têm infestado o Estado com seu lobby pró tráfico. E se alguém falar contra a cafetinagem do OnlyFans, cuja legalidade é para lá de dúbia no Brasil, a direita liberal vai dizer que é um ataque antissemita contra a civilização judaico-cristã ocidental, já que o seu dono, Leonid Radvinsky, é um judeu ucraniano cidadão dos Estados Unidos, proprietário de capitais em Israel, doador do Estado ucraniano durante a guerra com a Rússia. Aliás, o OnlyFans fez o favor de cancelar a Rússia após o início da guerra, excluindo-a assim das glórias da “civilização judaico-cristã ocidental”.
Até onde eu saiba, a prática começa com o MBL
De todo modo, existe uma novidade real que está sendo chamada, de maneira confusa, de fake news. A novidade que a internet trouxe foi a possibilidade de criar um falso veículo noticioso e fazer o seu conteúdo circular muito, de uma maneira impossível em tempos offline. Uma coisa é espalhar um boato oralmente; outra, compartilhar um link de alguma coisa que se apresenta como noticiosa. O Choquei é exemplar. Seu perfil no Twitter se descreve assim: “A sua fonte de notícias mais rápida. Tudo sobre os acontecimentos mais recentes do Brasil e do mundo.” O Choquei não é sequer um site; é apenas um par de perfis homônimos no Twitter e no Instagram. Você, leitor, pode criar uma conta numa rede social com um nome qualquer (como “Choquei”) e dizer-se fonte de informação. Pronto.
O caso Choquei se soma a Janones como uma prova de que os bolsonaristas estão sendo crucificados por algo que não é nenhuma exclusividade deles. No entanto, provar isso é muito pouco.
A boataria bolsonarista costuma ser amadora e não ter esse aspecto jornalístico das fake news. Era por meio de youtubers e de textos anônimos no WhatsApp que os bolsonaristas recebiam as notícias informais e quentíssimas de que em setenta e duas horas tudo estaria resolvido.
A CPMI das Fake News consagrou a versão falsa da história recente segundo a qual os bolsonaristas são responsáveis por grandes esquemas de fake news. Transformou-os em bodes expiatórios ao tempo que livrou a cara do MBL.
Quando Marielle Franco morreu, logo começou a circular a “notícia” de que ela era amante de um traficante. Já em 2018, O Globo conseguiu pegar a origem do boato e chegou às paginas e perfis do MBL em redes sociais. O MBL postava links de sites supostamente noticiosos e assim fazia circular mentiras como a de que Marielle era amante de traficante. Nesse caso, o site era o nebuloso blogue Ceticismo Político, administrado por um tal Luciano Ayan que poderia existir ou não. No fim das contas, era um pseudônimo.
Logo o MBL começou a fugir de quaisquer associações com os sites Ceticismo Político e JornaLivre (de um tal Roger Scar, também pseudônimo). No entanto, a CPMI não foi muito longe na investigação do MBL. Numa situação vergonhosa, lembrada quase que somente por bolsonaristas e olavetes, Luciano Ayan, chegou até mesmo a participar de uma live com o presidente da CPMI (Ângelo Coronel), na companhia de Madeleine Lacsko e Pavinatto, na condição de autoridade e especialista sério a ser ouvido, e não de perpetrador.
Não tenho condições de saber se a turma que ronda ou rondou o MBL é a inventora ou introdutora desse tipo de prática no Brasil. O MBL surgiu em 2014, antes de existirem bolsonaristas. Se não foram eles, fortes concorrentes são os olavetes e os petistas. Não me recordo de sites noticiosos olavetes que viralizassem. Olavete vivia em fórum de discussão; e, quando tinha site político, era mais de comentário autoral (vide o Terça Livre, com a cara de Allan dos Santos bem à mostra). Os petistas têm um precedente parecido, os chamados “blogues sujos”. Mas os donos do site eram jornalistas e blogueiros conhecidos, cujos nomes constavam nas planilhas de Franklin Martins. Diga-se de passagem, Eduardo Guimarães, muito antes de Allan dos Santos, foi chamado de “blogueiro” e não jornalista por Sergio Moro, que resolveu que sigilo da fonte não se aplicava a ele por causa disso e saiu quebrando sigilo – mas depois voltou atrás.
A corrida dos lulistas atrás de Janones mostra bem que a dinâmica do Choquei é uma novidade para o petismo. E Janones, como lembrei neste texto, era um pré-candidato à presidência incensado pelo MBL, antes de decidir embarcar na campanha de Lula.
O universo do Choquei é o de fofocas e celebridades da música pop, como mostrou Rodrigo da Silva do Spotniks, no Twitter. (Se você não tem Twitter, pode procurar o primeiro vídeo de Kim Paim sobre o Choquei, que ele inclui tuítes em seu clipping.) Embora o nome de Preta Gil tenha aparecido por causa da Mynd, não custa lembrar que a esquerda festiva faz muita força pra trocar Chico Buarque por Pablo Vittar. Já o MBL tem, entre os seus fundadores um funkeiro membro do “Bonde do Rolê”, como informa o Guia Gay São Paulo. O mesmo é o responsável por alavancar a carreira de Pablo Vittar, segundo a BBC.
Se o Brasil tivesse um Estado soberano e funcional, deveria investigar a fundo as conexões entre o mundo do entretenimento de quinta categoria e a propaganda política.
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