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Nesta semana, assistimos aos vazamentos de áudios de Janones, em que ele pede para os assessores “devolverem” parte do salário. A famigerada rachadinha. Nas redes sociais, todos os que tiveram envolvimento com Janones foram expostos por seus adversários políticos, e nisso uma coisa saltou aos olhos: quanta gente se associou a ele na política! Em meses, ele passou de potencial candidato presidencial do MBL a gênio das comunicações do PT. A remuneração deve ter sido rápida, pois logo após a adesão à campanha de Lula, Janones apareceu com a cara recauchutada por procedimentos estéticos de gosto duvidoso.
Quem é Janones?
É um advogado de origem pobre, nascido em 1984 no interior de Minas Gerais, que em 2018 ganhou sua primeira eleição e tornou-se deputado federal -- um cargo que já é alto para um iniciante. Ele, de fato, não tentou começar por baixo na política. Sua experiência eleitoral prévia fora a campanha para a prefeitura de sua cidade natal, Ituiutaba, em 2016. Nada de vereança ou legislatura estadual. Ainda assim, terminou em segundo lugar.
Aos 38 anos, ele já estava se lançando como pré-candidato à presidência da República pelo partido Avante, para em seguida desistir e ir tocar a campanha de Lula à presidência. Outra vez, não é pouca coisa. O PT tem o histórico de campanhas presidenciais muito caras e muito produzidas; é coisa de ápice da carreira de um marqueteiro, não de iniciantes.
Havia uma greve no meio do caminho
A ascensão meteórica de Janones nos círculos da política partidária se explica por outra ascensão sua, igualmente meteórica: a condição de fenômeno das redes. Segundo informa matéria do El País, Janones tinha um perfil no Facebook dedicado a falar de sua atividade advocatícia pro bono, cujo público-alvo eram os pacientes na fila do SUS. Tudo muda em 2018, com a greve dos caminhoneiros. Nessa ocasião, de alguma maneira, ele conseguiu ser visto como uma voz da greve dos caminhoneiros, ainda que jamais tenha dirigido um caminhão na vida (e por aí se vê que tem uma lábia danada). De todo modo, ele tinha uma retórica antissistema difusa, típica dos manifestantes que surgiram em junho de 2013. Um que ficou famoso na mesma época foi Zé Trovão, que era de fato caminhoneiro, e, como Janones, usava as redes sociais para transmitir discursos inflamados feitos no meio dos grevistas.
Com sua lábia fenomenal, pois chegou a acumular 2 milhões de visualizações num único vídeo na época da greve. Segundo mostra Kim Paim no seu dossiê sobre Janones, nessa época, o MBL considerava o mineiro um petista infiltrado e mandava o eleitorado tomar cuidado com os oportunistas que estão por aí. O fundamento da acusação era Janones ter sido filiado ao partido de 2003 a 2015. No entanto, Janones de fato começou sua carreira eleitoral após se filiar ao partido do Pastor Everaldo, o PSC. Mais um traço biográfico pertinente: Janones é evangélico, da Igreja Batista da Lagoinha, de André Valadão. Isso deve ter enchido os olhos dos petistas.
Gênio das redes?
Então podemos responder com uma palavra qual foi a razão de Janones ter tido uma ascensão meteórica na política: internet. E daí depreendemos que o PT estava mesmo perdido feito cego em tiroteio desde a eleição de Bolsonaro, já que acreditou na conversa de Janones de que ele seria um mago da internet. A campanha de Lula queria um Carluxo pra chamar de seu – e por aí entendemos também por que a Nova Direita não se aproximou de Janones, já que ela tinha de sobra aquilo que ele ofertava, a saber, engajamento em redes.
Assim, é de admirar que o MBL tenha se aproximado de Janones. A única explicação que me parece factível é que o grupo tenha mesmo ficado impressionado com o tamanho do engajamento de Janones (milhões de espectadores de fato não é pra qualquer um) e tenha acreditado na possibilidade de ter um presidente para chamar de seu. Nos últimos anos, o MBL parece ter abandonado a pretensão de ser um movimento de massas e tem se vendido como um grupo de formação de elites. Desse jeito, a magra audiência pode ser lida como “nossas lives não são para qualquer um, nosso público é seleto”.
Mas vamos a mais uma peculiaridade de Janones. Já contei noutro texto que eu descobri dois youtubers que amealharam mais de um milhão de seguidores prometendo aos aposentados do INSS que algo muito bom está prestes a acontecer. No fim de 2021, a youtuber jurava aos velhinhos que o décimo quarto do INSS, de um projeto da autoria de Paulo Paim (PT-RS), iria sair. Não tendo saído, ela começou a dizer que ia à ONU pedir para liberar o décimo quarto dos aposentados. No fim de 2022 ela falou que ia sair o décimo quarto. E agora está falando de novo que vai sair o décimo quarto – o público gosta de ficar alimentando a esperança de que o décimo quarto vai sair, e passa anos a fio dando audiência à youtuber enquanto espera Godot, digo, o décimo quarto.
O outro youtuber tinha um perfil idêntico, mas parece ter feito uma conta de padaria: dos velhinhos pendurados no INSS, metade é lulista e metade é bolsonarista. Assim, ele investiu na metade bolsonarista e fica fazendo duas lives diárias garantindo que algo bom está prestes a acontecer: “estão chegando” nos amigos de Lula, os militares estão prestes a se arrepender etc. Esse youtuber se candidatou a deputado, mas não foi eleito.
Janones é uma mistura de dois tipos de youtuber: o cara que fica prometendo dinheiro (como a moça do décimo quarto) e o cara que fica fazendo discursos políticos inflamados (como um deputag bolsonarista). Não à toa, um recorde seu de visualizações foi um vídeo sobre auxílio emergencial, no qual mobilizava seus seguidores para pedir o auxílio de 600 reais em vez dos 300 propostos pelo governo. A live foi a mais comentada do Facebook no mundo ocidental.
Janones tem um problema, porém. Toda a excepcionalidade de sua mobilização parece se reduzir ao Facebook, uma plataforma que já foi superada pelo Instagram em matéria de popularidade. Serão reais os seus seguidores? Se não forem, isso só mostra como as nossas elites políticas são trouxas.
Falta só mais um assunto. Janones foi adulado pelo MBL e pela entourage de Lula. À primeira vista, podíamos ficar com a impressão de que “todo o mundo” esteve com Janones, mas daí se excluem os bolsonaristas (que já tinham rede social demais) e políticos proeminentes do “centrão”. Ora, o sucesso de rede social costuma bastar para eleger deputado (vide Zambelli, Gayer, Nikolas, André Fernandes do Ceará…), não para cargos do Executivo. Por isso, o natural seria os partidos do centrão quererem Janones para puxar voto, e não os petistas que cuidavam da disputa presidencial. Só se eles realmente acreditaram, como o MBL, que Janones seria capaz de repetir o único candidato do Executivo que conseguiu sucesso com uma campanha digital: Jair Bolsonaro.
E assim voltamos à vaca fria, concluindo que o PT está mesmo perdido feito cego em tiroteio.
Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima