Como vimos no último texto, baseado na Indústria do Holocausto (2000), de Norman Finkelstein, as elites judaicas dos EUA ganharam bastante poder em sua terra natal com a aproximação entre os EUA e Israel – país que deu seus primeiros passos institucionais sob as asas de Stalin, mas em 1974 se aliaria definitivamente aos EUA. É bom frisar que a elite judaica dos EUA não representa sequer a totalidade dos judeus dos EUA, quanto menos dos judeus do mundo. O próprio Finkelstein é um judeu novaiorquino filho de poloneses que sobreviveram ao gueto de Varsóvia e aos campos de extermínio nazistas. Com a mudança no alinhamento político de Israel, o genocídio perpetrado pelos nazistas em função da origem judaica passou de assunto de nicho a mania nacional nos EUA. Hoje veremos a indústria aludida no título do livro.
O cerne causador de problemas é justamente este: uma minoria nacional pretender representar uma totalidade global e lucrar em cima disso. Vou citar um trecho do posfácio à primeira edição que serve bem para dar uma ideia do quadro: “No capítulo três deste livro, documentei a ‘dupla extorsão’ da indústria do Holocausto perpetrada contra países europeus e judeus sobreviventes do genocídio nazista. [...] Na verdade, para confirmar o meu argumento, basta submeter a escrutínio documentos públicos que estão à mão. Em agosto de 2000, o World Jewish Congress (WJC) anunciou que iria conseguir juntar 9 bilhões de dólares em compensações pelo Holocausto. Essa quantia foi extraída em nome das ‘vítimas do Holocausto necessitadas’, mas o WJC agora defendia que as compensações pertenciam ao ‘povo judeu como um todo’ (nas palavras do diretor executivo do WJC, Elan Steinberg). Convenientemente, o WJC se auto-ungiu como representante do ‘povo judeu como um todo’.” Mutatis mutandis, soa familiar?
Como Norman Finkelstein era filho de uma vítima do Holocausto sobrevivente à época das reparações, ele acabou se inteirando do rolo: as ONGs judaicas dos EUA (como essa WJC) procuravam velhinhos sobreviventes do Holocausto para processar governos europeus e pedir dinheiro para as vítimas, guardando para si um quinhão. No fim, a mãe dele recebeu 3,5 mil dólares do governo alemão, na condição de sobrevivente do Gueto de Varsóvia, do campo de concentração (e de extermínio) de Majdanek e dos campos de trabalho forçado em Czestochowa e Skarszysko-Kamiena. Dificilmente haveria sobreviventes com um “currículo” muito mais sofridos do que ela. No entanto, algumas vítimas receberam pensões vitalícias de países europeus, e os honorários dos advogados/ongueiros chegavam a 600 dólares por hora.
Para pressionar, foi útil expandir mais e mais o conceito de “sobrevivente do Holocausto”. Incluíram-se judeus que conseguiram escapar do Holocausto porque aproveitaram a invasão da Polônia para fugir para a URSS, e lá ficaram bem. Havia um "sobrevivente" que esteve a salvo em Tel-Aviv durante o Holocausto, mas que perdeu a avó num campo de concentração na Europa. Ao cabo, era tanto sobrevivente que a mãe de Finkelstein observava, jocosamente, que então Hitler não poderia ter matado ninguém. Finkelstein se deu ao trabalho de colocar na ponta do lápis e concluiu que, se houvesse tantos sobreviventes do Holocausto quanto os prometidos pelas ONGs, os negacionistas teriam razão ao afirmarem que os nazistas não mataram muitos judeus.
Com a queda da Cortina de Ferro, as ONGs judaicas partiram para cima dos governos de países do Leste europeu que haviam acabado se de democratizar. Eram governos muito pobres, de um povo muito sofrido, que logo se viram envoltos em dívidas públicas bilionárias e exigências de que construíssem montanhas de sinagogas para pequeninas populações judaicas, ou oferecessem "educação do Holocausto", sob pena de sofrerem sanções dos EUA e de terem frustradas as suas intenções de entrar na OCDE. Obviamente, isso aumentava o antissemitismo nesses países, mas quem sentiria os efeitos era o judeu sofrido no Leste europeu, não o judeu ongueiro lá nos Estados Unidos.
Em 2003, o livro de Finkelstein ganhou uma segunda edição na qual ele engordou o referido capítulo três com uma terceira vítima de extorsão: os bancos suíços.
Com o genocídio perpetrado pelos nazistas, muitas contas em bancos suíços ficaram inativas, com o dinheiro parado. A alegação das ONGs judaicas passou a ser de os bancos suíços jamais procuraram os descendentes dos mortos porque eram antissemitas, que auferiram grandes lucros desse dinheiro, e que todo o dinheiro de vítimas do Holocausto tinha que ser “devolvido” às vítimas do Holocausto, judeus necessitados. Em 1995, os bancos suíços admitiam a existência de 775 contas inativas da época do Holocausto, com um total de 32 milhões de dólares. Um jornalista deu um furo – falso – de que os bancos suíços tinham bilhões de dólares em contas de judeus mortos no Holocausto. As ONGs defendiam que a quantia estava entre 7 e 20 bilhões.
Segundo Finkelstein, a coisa era bem mais complicada do que parecia. Para começo de conversa, os Estados Unidos, junto com a Suíça, eram os dois países prediletos dos judeus europeus ocidentais para tirar o dinheiro do país. Ao menos até a redação do livro, não houve nenhum achaque contra os bancos dos Estados Unidos. Depois, as tais contas suíças abandonadas da época do Holocausto não eram todas de judeus (qualquer historiador sabe que famílias nobres e conservadoras alemãs que romperam com Hitler ou o traíram foram exterminadas). Além disso, a maior parte dos bancos suíços se empenhou em procurar parentes dos judeus assassinados, e os lucros em cima do dinheiro eram uma estimativa das ONGs. Para piorar, as ONGs não queriam esperar uma auditoria, alegando que uma estimativa precisava ser feita logo, porque os velhinhos estavam passando por necessidades.
A despeito de toda a cara de pau, os bancos suíços pagaram. As ONGs americanas usaram a imprensa dos EUA para difamar o povo suíço, fizeram uma parada de supostos velhinhos judeus necessitados, processaram na justiça dos EUA, mas o eficaz mesmo foi o boicote (ou cancelamento, como diríamos hoje). Por meio de uma rede (detalhada no livro, dando nomes aos bois da iniciativa privada e dos chefes de executivo), os ongueiros judeus organizaram a retirada de recursos de fundos de pensão públicos que estavam em bancos suíços e a transferência para bancos dos EUA. O boicote começou a ser tramado em janeiro de 1996, escalou em 1997, e em dezembro desse ano um tal de Bronfman da ONG WJC proclamava aos quatro ventos que queria pelo menos 3 bilhões para acabar com “tudo”, o processo e “o resto”. No fim, os suíços pagaram 1,25 bilhão.
“O acordo de 1,25 bilhões de dólares com a Suíça”, conta Finkelstein, “cobriu basicamente três classes: reivindicações às contas suíças inativas, refugiados aos quais foi negado o asilo na Suíça e vítimas de trabalho escravo dos quais a Suíça se beneficiou. Quanto à indignação furiosa com os ‘pérfidos suíços’, porém, o histórico dos EUA é, sob todos esses aspectos, tão ruim quanto, se não pior. Ainda vou voltar ao assunto das contas inativas nos EUA. Assim como a Suíça, os EUA negaram a entrada a refugiados que fugiram do nazismo antes da II Guerra Mundial. Ainda assim, o governo americano não pareceu apto para compensar, digamos, refugiados judeus a bordo do desditoso navio St. Louis.”
Todo esse achaque ocorreu com o patrocínio dos EUA, e é de nos perguntarmos se não foi uma medida desleal do país para favorecer o seu próprios sistema bancário em detrimento da competição suíça. Mas há um outro componente que deixa a coisa ainda mais feia: as ONGs – sempre contando com o apoio da justiça dos EUA – recusaram as tentativas de acordo dos bancos suíços de fazer pagamentos individuais. Em vez disso, uma das ONGs proibiu pagamentos individuais, pois (esquecendo-se dos velhinhos necessitados) era preciso reparar as comunidades judaicas, e não mais indivíduos. Só duas categorias poderiam receber pagamentos individuais: rabinos e “lideranças judaicas destacadas” (ou seja, os ongueiros). Entre as ações coletivas feitas estão cursos de “educação sobre o Holocausto”
Paralelo brasileiro
O Brasil tem assistido ao achaque de ONGs que fazem essa mesma cafetinagem do sofrimento alheio. Um caso singelo ocorrido no Paraná e coberto por esta Gazeta é o do cãozinho que “processou” o dono por maus tratos a fim de receber dinheiro como indenização. Obviamente, quem processou foi um ser humano e quem ficaria com o dinheiro (apenas "simbólico") seria uma ONG. Um caso mais dramático, porém, é o da ialorixá e líder quilombola Bernadete Pacífico. A história é simples: a líder reclamou com um quilombola que extraía madeira ilegal, então ele comunicou ao tráfico que ela era “X-9” para que fosse executada, como de fato foi. Aí entrou em cena a ONG do Frei Davi, a Educafro, lá de São Paulo, para pedir alguns milhões ao Estado da Bahia pela morte da ialorixá. Segundo noticiou o Correio da Bahia este mês, a família da mãe de santo se sentiu aviltada e manifestou a intenção de processar a ONG. Vejamos até onde vai a leniência do judiciário brasileiro (e do seus anárquicos ministérios públicos) com esse banditismo.
Falando em ministério público (que no Brasil não raro é igual a ONG, só que diretamente custeado pelo erário), talvez tenhamos aqui uma imitação do caso dos bancos suíços, só que voltado contra o Banco do Brasil, que agora é alvo de um inquérito por ter tido relações com a escravidão no século retrasado. Segundo lemos nesta Gazeta, o “O MPF também pede que o BB financie pesquisas acadêmicas sobre o assunto, que serão revertidas em futuros projetos de reparação histórica.” Tal como fazem as ONGs judaicas dos EUA, justifica-se o enriquecimento de alguns por meio de atividades educacionais – que, como sabemos por aqui, nada mais significam que militância.
Sobre as tais atividades educacionais, Finkelstein comenta: “Uma causa favorita [dos ongueiros] é a ‘educação do Holocausto’ […]. Hirschson é também o fundador de uma organização chamada “March of the Living”, uma peça central da educação do Holocausto e uma grande beneficiária das indenizações. Nesse espetáculo de inspiração sionista com um espetáculo dotado de um elenco de milhares de pessoas, a juventude judia de todo o mundo vai para os campos de extermínio na Polônia para ter uma instrução em primeira mão sobre a maldade dos gentios [i. e., não-judeus] antes de escapar voando para a salvação em Israel. O Jerusalem Report captura esse momento de Holocausto kitsch na Marcha: “ ‘Estou com tanto medo que não posso continuar, quero estar logo em Israel’, repete uma jovem de Connecticut a toda hora. Seu corpo treme. […] De repente, sua amiga saca uma grande bandeira israelense. Ela enrola as duas na bandeira e vão adiante.’ Uma bandeira israelense: não saia de casa sem ela.”
Bom, não é difícil imaginarmos tours para alguma Wakanda cenográfica a ser construída por alguma ONG racialista pilantra dessas. Mas há algo importante aí, do qual já temos um comparativo: a ideia de que o outro – o gentio, para o judeu; ou o branco, para o negro; ou o homem, para a mulher, e assim em diante – é sempre mau, e precisamos dos ongueiros para nos proteger. Mais Finkelstein: “Dois dogmas centrais sustentam a estrutura [da indústria] do Holocausto: (1) O Holocausto marca um evento histórico categoricamente único; (2) O Holocausto marca o clímax de um ódio eterno e irracional dos gentios contra os judeus. Nenhum desses dogmas constava de maneira nenhuma no discurso público [dos EUA] antes da guerra de junho de 1967.”
Quanto ao primeiro dogma, eu mesma já apontei como o menino da Fundação Ford, Abdias do Nascimento, se empenhava em dizer que os povos negros são a maior vítima da história da humanidade – o que, pra mim, soa como um negacionismo tácito do Holocausto. E Finkelstein aponta como esse empenho em negar o sofrimento alheio já valeu a um ongueiro desses uma condenação de negacionismo… do genocídio armênio. Ongueiro judeu condenado na França.
Quanto ao segundo dos dogmas, creio não ser necessário muito esforço para provar que existe pelo menos no movimento negro. Vide Robin Di Angelo nos EUA e sua versão tabajara, Djamila Ribeiro, mandando todo branco aceitar que é racista e precisa ficar se desculpando o tempo inteiro. Agora, é incrível que o direitista médio perceba isso no que concerne ao movimento negro, mas acredite que o antissemitismo surgiu do nada no Ocidente, quando por toda a Idade Média a agiotagem foi atividade exclusiva de judeus na cristandade. Alguém já viu agiota ser amado? Explicar a origem de preconceitos não é o mesmo que aprová-los. (Quanto ao mundo árabe, o Rabino Weiss, ultraortodoxo, garante que sempre tratou bem os judeus antes do sionismo, tendo os recebido quando a Inquisição os expulsava. Ele abre um álbum de fotos de Israel antes do sionismo, com judeus e árabes confraternizando, e mostra também um monte de fotos de ultraortodoxos apanhando da polícia israelense por se manifestar em prol da Palestina. Você pode assistir aqui.)
Last, but not least, chamou-me a atenção, enquanto alguém interessada pela história do Holocausto, o nome dos supostos sobreviventes que assinaram livros autobiográficos alçados a best-sellers pela indústria: Elie Wiesel e Benjamin Wilkomirski; nada de Primo Levi ou Viktor Frankl. Segundo Finkelstein, as memórias de ambos são mostras de como os gentios são maus e odeiam os judeus de modo completamente irracional. Elie Wiesel é um óbvio mentiroso – que alega, por exemplo ter lido a Crítica da razão pura de Kant em iídiche em 1945, coisa que não existia (se é que existe hoje) – e Wilkomirski, afinal, mentiu em tudo; não era judeu, nem sequer se chamava Wilkomirski. Os erros factuais eram tamanhos, que alguns historiadores perguntavam como passou pela editora. Só pude me lembrar do meu próprio susto ao ver que a Companhia das Letras publicou uma autora que denunciava o racismo da novela Escrava Isaura, que colocou uma branca para interpretar a escrava do romance…
Quem se interessar mais pelo assunto, recomendo que leia o livro de Finkelstein, que está esgotadíssimo em português, mas do qual se acha versões em ebook ainda.
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