Foi aprovado por unanimidade no Senado um projeto de lei daqueles que visam a tornar a prostituição e a pornografia as únicas profissões possíveis para as mulheres. Exagero meu? Foi criminalizada a “violência psicológica contra a mulher”, a qual consiste em “causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação” (itálicos meus).
Como sabemos eu, você, Roberto Carlos e as baleias, as palavrinhas que pus em itálico podem significar qualquer coisa, pois hoje um sujeito, se se empenhar muito e chorar direitinho, pode dizer que é uma pessoa não-binária e que exige ser tratado com pronome neutro ou do sexo oposto.
Mulher, se se portar como vítima e for feminista, pode tudo: até acusar, julgar e condenar um homem como estuprador, porque a “palavra da vítima” autodeclarada é incontestável. Com essa lei, então, duvidar da “palavra da vítima” pode ser enquadrado como violência psicológica.
Olhando em
retrospecto, dá para dizer que Maria Masoqueeisso do Rosário sofreu violência
psicológica contra a mulher. Ora, toda mulher que escolha a vida pública deve
entender que será tratada com dureza, que engolirá sapos, que sofrerá
injustiças. Mas esse feminismo
de matriz puritana entende que a mulher é o sexo gênero frágil, que
deve ser tratada como bibelô. Não deixa de ser uma crença na inferioridade das
mulheres. A quem apoia esse projeto de lei, pergunto: por que apenas as
mulheres devem ser protegidas contra a “violência psicológica”? A resposta do
militante só vai funcionar se meter um patriarcado no meio, para tratar a lei
então como reparação. E se tudo é reparação, nada impede de haver uma lei
análoga para os LGBTQUIABO e os negros.
Um caso concreto de vitimização
Se essa lei for sancionada, me contratar para escrever artigos num jornal é um mau negócio. Afinal, se eu escrever uma besteira muito grande e queimar a reputação da Gazeta do Povo, meus chefes não poderão nem botar uma errata no que escrevi, sob a alegação de que meu desenvolvimento pleno foi tolhido e de que minhas crenças foram controladas mediante humilhação.
Vejam o caso da dupla de jornalistas científicos da Folha de S. Paulo que espalhou para o Brasil inteiro que estavam sendo usadas doses vencidas de vacina AstraZeneca. Acontece que era um defeito previsível num sistema de dados do SUS. Checar é obrigação jornalística, sobretudo num assunto tão sensível como o da vacinação. Afinal, não é porque alguém inseriu num sistema a informação de que nasceu em 01/01/1900 que o jornalista vai noticiar a existência de uma considerável quantidade de usuários da Internet com 121 anos de idade.
No fim das contas, a prefeitura de Maringá (local com mais lotes mencionados pela matéria) se manifestou com elucidações relativas ao Sistema ConectSUS. Da dupla, a mulher, Sabine Righetti, foi a mais estridente no Twitter. Em vez de escolher entre insistir na tese das vacinas vencidas ou fazer uma errata, preferiu se gabar de ter sido descoberta, graças a ela, uma grande falha no sistema do SUS.
Naturalmente, Sabine foi esculachada por gente séria que lida com dados. Especialistas com quilos botox se manifestaram em seu favor. Enquanto isso, a checagem de fatos do Estadão estava muito ocupada verificando memes, e vocês ficaram sabendo assim que não é verdade que Dilma falou que a segunda dose tem que vir antes da primeira. Parabéns ao Estadão. Sugiro que faça um dossiê sobre aqueles livretos infames, vendidos em bancas de revistas, que falam umas inverdades sobre portugueses e papagaios.
Não satisfeita, a jornalista divulgou uma nota de uma tal Rede de Mulheres Acadêmicas da Unicamp, da qual ela própria é membro. A nota manifesta solidariedade a ela, “que tem sofrido ameaças […]. Ataques pessoais e críticas visam minar a fundamentação, objetividade e validade do levantamento por ela realizado, em co-autoria com seu colega Estêvão Gamba. Lamentavelmente, trata-se de mais um grave episódio de negacionismo científico, ao qual se acresce uma inaceitável tentativa de deslegitimação do trabalho desenvolvido, centrado na cientista. Assim, a Rede de Mulheres Acadêmicas da Unicamp repudia com veemência as agressões [sic] de que Sabine Righetti foi alvo e reitera a sua mais alta estima e apreço pelo trabalho sempre qualificado da pesquisadora cuja credibilidade, seriedade e competência são amplamente conhecidas e indiscutíveis [sic!!!]”.
A senhora afixou isso no Twitter dela, para atrair então mais fúria de tuiteiras cientistas que não toleraram ver a cartada do machismo usada de maneira tão frívola. Aí ela fechou o Twitter e ninguém mais pode ler nada dela sem que ela deixe.
A notinha não deixa de ser surpreendente. Em momento algum, cita o machismo como causa das “agressões”, mas todos pegam o subtexto porque as corporações parassindicais de mulheres usam o machismo como causa universal de todo dissabor que porventura acometa uma mulher. De resto, será preciso perder alguns neurônios para entender como negacionismo científico e ataque pessoal podem ser tratados como a mesma coisa. Aliás, como negacionismo científico tem a ver com qualquer coisa nesse assunto. Vá lá que seitas antivacina mereçam ser chamadas de negacionistas (termo criado para se referir ao Holocausto). Ainda assim, os “negacionistas” afirmavam que os lotes não estavam vencidas e que, portanto, as vacinas eram eficazes.
A notinha revela com uma clareza cristalina a mentalidade que nos está sendo empurrada goela abaixo por Renan Calheiros e seus admiradores: a de que a ciência é uma panelinha de acadêmicos medíocres e não pode ser questionada. Se Renan Calheiros der o microfone para uma mulher muito bem tutelada, então, é que não deve ser questionada mesmo. É violência psicológica!
Viver do corpo
Ao passar alguns minutos entre quatro paredes com uma subordinada ou uma profissional liberal, um homem dá a ela o poder de condená-lo por estupro. Logo, é cada vez mais perigoso contratar uma mulher como funcionária ou usar presencialmente os serviços de uma profissional liberal. Mas existem trabalhos como a escrita, que nunca costumaram exigir contato físico. Pois bem: graças a essa lei, as mulheres poderão acusar os seus chefes e clientes de violência psicológica.
As mulheres devem retornar ao lar como esposas? Mas antes do casamento há o flerte – que também está sob o ataque do feminismo puritano, que tacha tudo de assédio. Então, no que depender de feministas do quilate de Sabina Righetti e sua Rede de Mulheres Acadêmicas da Unicamp, resta às mulheres viverem do corpo: ou vendemos a nossa forma física para repetir o que Renan Calheiros quer ouvir (um homem poderia ser contestado), ou vendemos sexo, ou vendemos nudes. Tudo isso é empoderamento feminino.
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