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Lá em 2010, nas priscas eras em que os esquerdistas mais caricatos brigavam com o PT, o governo Jaques Wagner lançou uma campanha contra o crack com o seguinte slogan: "Crack é cadeia ou caixão". Aí, naturalmente, houve gritaria dessa esquerda contra Wagner. O outdoor ainda trazia um dedão do pé pra fora na bandeja do necrotério.
Por mais que conselhos porventura reclamem, a frase chama a atenção por ser perfeitamente concorde bom o bom-senso. Ex-cracudo é mais difícil de achar do que ex-prostituta. Até porque a prostituição em si mesma não mata; as prostitutas podem envelhecer e uma hora se aposentam. A menos que achem uma clientela freudiana com tara pela avó, que nesse mundo tem de tudo. Mas quem vai achar esses cracudos idoso daqui a umas décadas? Vão, com toda probabilidade, estar mortos.
A frase de que crack é caixão ou cadeia é evidente. É evidente para mim, é evidente para você, é evidente para o governador Jaques Wagner. E não pode deixar de ser evidente para quem resolve experimentar a primeira pedra.
Não seria o crack então uma forma deliberada de suicídio atenuada? Vejam que o perfil social do cracudo é bastante heterogêneo. É falsa a explicação de que a pobreza leva ao crack, porque nem todo cracudo é de família pobre e nem todo pobre é cracudo.
Drogas para ficar ligado
Talvez haja um tipo só que possamos hesitar em rotular como suicida. É quem começa a usar crack com o propósito determinado de ficar acordado por longas horas. Acontece que existem mil drogas, lícitas e ilícitas, capazes de fazer isso. O crack se torna atraente por causa do custo: é barato, então o caminhoneiro usa para passar horas e mais horas na estrada sem correr o risco de cair no sono. É uma péssima escolha, mas é uma escolha que podemos compreender sem apelar para o suicídio deliberado.
No caso do crack, há então gente que use apesar do vício e gente que use por causa do vício.
Gente endinheirada, quando quer virar a noite estudando, compra ritalina, um remédio de prescrição que quem quer consegue. Outra coisa que a ritalina tem em comum o crack é que ela vicia. Assim, há que se perguntar também se não há gente que compre ritalina por causa do vício, em vez de apesar do vício. Encher a cara de ritalina e virar a noite consumindo várias drogas numa boate não é coisa de quem quer viver muito.
Há ainda outra coisa em comum entre a ritalina e o crack. Este é um derivado da coca. Cocaína e ritalina foram introduzidos na população por médicos. O dr. Freud era um tremendo usuário de cocaína e achou, por um tempo, que os sentimentos que a droga traziam poderiam ser usados para curar problemas mentais. Perante os resultados desastrosos, ele desistiu. Outro médico que usava cocaína em si próprio e nos pacientes foi o dr. William Halsted. Servia-lhe bem como anestésico até deparar-se com efeitos desastrosos.
É curioso que tenham sido necessários efeitos colaterais desastrosos para que Freud deixasse de considerar o estado mental de um drogado algo bom em si mesmo, uma cura. A humanidade se droga desde que existe, mas nem mesmo um alcoólatra acharia que o estado mental de um bêbado seja considerado um estado ideal de normalidade. A humanidade se drogava em ocasiões festivas e em ritos religiosos, bem longe de qualquer situação que normalizasse o estado mental alterado.
Assim sendo, tenho duas perguntas. A primeira é: se a cocaína não tivesse efeitos colaterais físicos graves, será que o estado mental proporcionado por ela poderia ser considerado sadio? Se Freud achou que sim, é possível que seus discípulos também achassem. E se os seus discípulos também achassem, é possível que a psiquiatria e a psicologia os acompanhassem. Aí você, perante essa normalidade, entraria num consultório e diria “doutor, não me sinto eufórico hoje!”, ganharia um diagnóstico e receberia uma receita de cocaína.
A segunda pergunta é: se algo assim acontecesse nos dias de hoje, com drogas de efeitos colaterais físicos menos desastrosos, como descobriríamos que há algo muito errado?