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Bruna Frascolla

Bruna Frascolla

Deu na televisão

O feminismo achou um equivalente à altura entre os homens

Em "Magnólia", de 1999, Tom Cruise interpreta Frank T.J. Mackey, um "artista da pegação". (Foto: Peter Sorel/New Line Cinema)

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Para quem está na casa dos 30 e 40 anos, existe um gênero de conversas que começa assim: “Gente! Eu estava vendo tevê e...” Dez anos atrás, todo mundo estava vendo tevê, de modo que ter visto algo na tevê não era nada de excepcional. As pessoas deixavam o televisor ligado e pegavam o jornal de papel debaixo da porta. Hoje as pessoas mais politizadas leem notícias de graça pela internet, escolhem algum programa audiovisual da internet para ver na tevê conectada (essa escolha será pautada pela orientação política do comentarista) e assinam (espero!) um bom jornal digital para ler coisas mais detalhadas, com opiniões e apurações mais ou menos afinadas com a do leitor. Ver televisão aberta acaba sendo coisa de velhos despolitizados, ou de gente simples. Assim, chegar num círculo de amigos e dizer: “Gente! Eu estava vendo tevê e…” é certeza de novidade.

Pois bem: ao que parece, a tevê agora está em campanha contra o gênero de homens conhecidos como MGTOW (sigla de “os homens seguem o seu próprio caminho”, em inglês), PUA (sigla de “artista da pegação”, em inglês), red pill (“pílula vermelha” em inglês, em alusão ao filme Matrix) etc. Os nomes são em inglês porque a coisa é, naturalmente, importada. E eu posso resumir o fenômeno dizendo que é o feminismo dos homens. É masculinismo. Tal como no feminismo, existem questões relevantes. O viés do Judiciário em prol das mulheres na certa é o mais relevante de todos. No entanto, tal como o feminismo, o masculinismo demoniza o sexo oposto, em vez de propor alterações na pólis. Com feminismo e masculinismo, a sociedade fica dividida entre sexos inimigos e é incapaz de formar famílias – quanto mais de se contrapor ao establishment progressista.

Como a maioria dos seres humanos é atraída pelo sexo oposto, o masculinismo e o feminismo têm de inventar um jeito de lidar com isso. Na seara feminista, há o velho lesbianismo político, que não deu lá muito certo, além dos gêmeos empoderamento e vitimismo, que deram muito certo na cultura pop e no Judiciário respectivamente. Funciona assim: as mulheres devem ficar bonitas para atrair o maior número possível de homens e extrair a maior quantidade de riqueza deles – como a material girl de Madonna – e depois, se o homem tiver cometido o grave erro de fazer filho, o Judiciário usa a pensão alimentícia para fazer o homem pagar financeiramente por não ter correspondido às expectativas emocionais da mulher. Em outras palavras, o feminismo fomentou a predação dos homens pelas mulheres. Agora surge o masculinismo promovendo a predação das mulheres pelos homens.

Tal como o feminismo, o masculinismo demoniza o sexo oposto, em vez de propor alterações na pólis. Com feminismo e masculinismo, a sociedade fica dividida entre sexos inimigos e é incapaz de formar famílias

Os masculinistas reclamam, não sem razão, de “as mulheres” (i.e., as empoderadas) os verem como carteiras ambulantes. Eles, então, tratam as mulheres como pedaço de carne e bolam estratégias para fazer sexo com o menor risco financeiro possível. Em primeiro lugar, casamento, jamais. Nos EUA é relativamente comum as mulheres depenarem os homens após o divórcio, e essa ideologia vem de lá. A outra, claro, é evitar filhos a todo custo. Então a meta é fazer só sexo casual. Considerar as mulheres umas bonecas descartáveis.

E agora chegamos à incrível manchete que a tevê deu e um amigo resolveu socializar: um indivíduo chamado Mike Pickupalpha (que em português seria algo como Miguilim, o Alfa da Pegação), junto a um sócio que não tem um nome engraçado, cobrava entre US$ 12 mil e US$ 50 mil para alunos do curso de pegação virem até este Brazil, onde “seduziam” brasileiras dando match no Tinder (isto é, com uma brasileira sinalizando que gostou da sua foto num aplicativo de paquera) e convidavam-nas para uma festa numa mansão. A ideia era reunir o máximo de mulheres possível e, pela matéria, completaram o quadro com profissionais do ramo. Como há mulheres que usam o Tinder para procurar relacionamento sério, é provável que alguma delas tenha notado que havia algo de errado, investigado e levado o caso à imprensa – que, alerta, acha os bichos papões ideais para mostrar que o feminismo é necessário.

Nessa história toda, o mais intrigante é deixado de fora: que homem é esse que acha que precisa pagar dezenas de milhares de dólares para sair do país e aprender a pegar mulher com um – cof, cof – artista da pegação? Bom, a cosmovisão desse pessoal eu já expliquei noutro artigo. É um darwinismo social pop que divide homens em alfas e betas e crê que as mulheres vão, inexoravelmente, correr atrás dos alfas. Contra toda a experiência acumulada por milênios, creem que a humanidade é similar aos gorilas e cachorros. Esse naturalismo barato está presente, pois o Alfa da Pegação e seu parceiro mostraram um kit que os alunos deviam levar: “pílulas do dia seguinte [...], camisinhas e perfumes com feromônios – que supostamente secretariam substâncias para chamar atenção das mulheres”. Imaginem só a ingenuidade do distinto e científico público que acredita num perfuminho chama-mulher.

O feminismo fomentou a predação dos homens pelas mulheres. Agora surge o masculinismo promovendo a predação das mulheres pelos homens

Menos afeita a especulações filosóficas, uma amiga sugeriu que os artistas da pegação são apenas uns caras que ganham dinheiro para fazer o que os pais e irmãos mais velhos faziam antigamente: levar um filho para um prostíbulo e iniciar nas coisas de homem. O pessoal está carentão e isolado, aí dá nisso. Embora o costume de levar os filhos a um prostíbulo não seja um traço da cultura dos EUA, há de se levar em conta o fato de que esse país tem há muito tempo uma alta taxa de divórcios e mães solteiras. Ou seja, dá tempo de os meninos filhos criados por mães que odeiam os seus pais terem se tornado adultos. Eles não têm uma figura paterna em casa (se bobear, até a avó odeia o avô), a mãe não tem como iniciar o filho nesse âmbito e ele fica, então, à mercê de qualquer golpista que prometa uma chuva de mulheres. No mais, como as mães abandonadas costumam descontar nos filhos a raiva que sentem dos pais, explica-se por que há tantos misóginos à disposição desse mercado.

Todos os memes que a direita faz sobre feministas terem pai ausente podem ser replicados para os masculinistas.

No mais, vale tirarmos o chapéu para a estratégia dos artistas de pegar cliente. Ao contrário do que o darwinismo social pregava, a exogamia faz uma prole mais saudável do que a endogamia, e um indivíduo sempre parecerá mais bonito quando é exótico do que quando é comum. É melhor ser uma sueca no Brasil do que na Suécia, é melhor ser uma brasileira na Suécia do que no Brasil, e quem não me deixa mentir é a deputada Ocasio-Cortez, que não é nenhuma beldade e que passaria em brancas nuvens no Brasil, mas que os americanos, mesmo de direita, têm por latina sexy. O mero fato de trazer os alunos gringos para o Brazil já faz deles exóticos e, portanto, mais interessantes. Ao verem que são mais notados durante o curso, vão atribuir isso às técnicas aprendidas, e não à mudança geográfica. Isso pode deixá-los mais confiantes e, como confiança é essencial a um homem paquerador, eles devem mesmo sair do curso pegando mais mulher do que antes. Vão achar que seguiram técnicas científicas e eficazes, mas caíram numa ilusão benigna.

Todos os memes que a direita faz sobre feministas terem pai ausente podem ser replicados para os masculinistas

Seja como for, esses alunos de pegação partem do pressuposto de que se dar bem na vida é pegar um monte de mulher e não ficar com nenhuma. É de se perguntar, também, se essa mentalidade não é a contraparte da empoderada há bastante tempo, já de antes de existirem movimentos masculinistas organizados.

A versão em texto da matéria televisiva é desta quinta. Um dia antes saiu uma reportagem especial de Kim Paim sobre a suposta viagem do MBL à Ucrânia (aparentemente só provas de que estiveram na Eslováquia) e as notas fiscais de compras em dinheiro vivo que eles apresentaram. A matéria trouxe de volta não só as falas do Mamãe Falei sobre as ucranianas, que lhe valeram a cassação, como também entrevistas em que Renan Santos se gaba muito de ter aprendido sueco para viajar e pegar suecas. Pelas falas de ambos, depreende-se que mulheres servem para colecionar e ostentar. Nenhum desses ativistas políticos é do ramo da pegação, e o MBL não parece pretender ter vínculos com o masculinismo. Ou seja: Mamãe Falei e Renan Santos são “normais”, mas pensam igual a masculinista. Signo de sucesso é “pegar mulher” lá na Suécia e voltar de mãos abanando. Parece aqueles pesque-pague em que se devolve peixe à lagoa.

Fiquemos, então, com a seguinte hipótese: a cultura pop, comandada por um punhado de oligopólios, fomenta a atomização da sociedade por meio do ódio entre os sexos. Feminismo e masculinismo pregam a mesma coisa, que é a predação do sexo oposto. É um círculo vicioso, porque funciona melhor em indivíduos que nasceram em lares instáveis. Essa ideologia faz muito mal aos seus adeptos, porque finge que a vida é uma eterna adolescência: que os homens vão estar sempre funcionando, que as mulheres vão estar sempre bonitas. Nela, não há prazer desvinculado do sensório e do consumo. Não há prazer grátis para homens nem mulheres. Um dia, quando esses indivíduos ficarem velhos demais ou tristes demais para essa brincadeira, vão morrer de overdose ou de eutanásia.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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