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Bruna Frascolla

Bruna Frascolla

Eleições

Governador de São Paulo que não faz questão de liderar o país é coisa nova na República

O presidente da República, Jair Bolsonaro, durante encontro com o então ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas
O presidente da República, Jair Bolsonaro, durante encontro com o então ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas (Foto: Alan Santos/Presidência da República)

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Para mim, é evidente que a maior mudança no cenário político do Brasil foi São Paulo. Se Tarcísio for eleito, pela primeira vez na História da República, o futuro governador de São Paulo será um outsider indicado pelo presidente. O normal era o governador de São Paulo almejar a presidência da República.

Como víamos no último artigo, das onze presidências eleitas na República Velha, seis eram ex-governadores de São Paulo (Prudente de Moraes, Campos Salles, Rodrigues Alves – eleito duas vezes –, Washington Luís e Júlio Prestes). Os demais eram três ex-governadores de Minas Gerais (Afonso Pena, Wenceslau Brás e Arthur Bernardes), um oposicionista do Café com Leite (Hermes da Fonseca) e um político paraibano aliado de ambas as oligarquias que concorreu pelo Partido Paulista (Epitácio Pessoa).

Aqui estão listados os presidentes eleitos. Os que não passaram por eleição nenhuma, nem como vice, são os dois primeiros: Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, dois militares alagoanos. Se por um lado o baronato paulista é reconhecido como força econômica que se opôs ao Império, uma outra força, esta literal, pode ser apontada: o Exército. O Exército já era uma força política atuante na história do Brasil. Ele, em conjunto com a Corte carioca, mantivera a unidade do Brasil durante sua separação de Portugal. Sem Exército, sem Brasil unificado. Desconheço os motivos da separação entre a Corte e os militares, mas fato é que a aliança entre o Exército e os baronato paulista se provou muito menos duradoura.

A origem do abalo, o Rio Grande do Sul

Enquanto São Paulo encampava Brasil afora suas ideias de democracia decalcadas dos EUA, um estado de forte tradição castrense mantinha uma pequena ditadura positivista, ou seja, uma ditadura de Executivo forte pautada por uma gestão tecnocrática, tal como prescrito por Comte. No primeiro volume da biografia de Getúlio por Lira Neto, temos uma descrição cuidadosa dos estertores da República Velha. O único presidente contrário ao Café com Leite, Hermes da Fonseca, possivelmente só foi eleito porque Afonso Pena morreu no cargo e o fluminense Nilo Peçanha, que apoiava Hermes, tomou conta da apuração das urnas. Este se revelou, ao cabo, um poste do senador gaúcho Pinheiro Machado, que era aliado do eterno governador positivista Borges de Medeiros. O resultado foi uma tentativa de combater as oligarquias reginais do Brasil inteiro e o país em chamas. Mais odiado que vilão de novela, Pinheiro Machado morreu esfaqueado em Porto Alegre por um padeiro aposentado que acreditava ser sua missão acabar com a tirania. Os gaúchos, porém, insistiam que era um enviado de Nilo Peçanha.

Findo o governo de Hermes da Fonseca, volta-se à normalidade do Café com Leite. O Rio de Janeiro, a Bahia e Pernambuco seguem insatisfeitos com a perda do poder para São Paulo e criam a Reação Republicana para enfrentar o Café com Leite. A essa confederação de velhas oligarquias junta-se o Rio Grande do Sul, uma nova força em ascensão no cenário nacional. A despeito de toda a boataria, Borges de Medeiros faz aliança com Nilo Peçanha, que disputa a presidência contra Arthur Bernardes, mineiro. A vitória deste deflagra o Tenentismo, uma reação a princípio liderada por Euclides Hermes da Fonseca (filho de Hermes, que era sobrinho de Deodoro) no Forte de Copacabana. O movimento tenentista era uma sublevação armada dos militares que não aceitavam a manutenção da República Velha.

No frigir dos ovos, ficamos assim: os paulistas usavam de seu velho tino comercial, dos seus cafezais e do Estado para fazer uma economia bem criativa e próspera (para detalhes, veja-se A História da Riqueza no Brasil, do paulista Jorge Caldeira), enquanto as elites depostas (Rio e Nordeste) se aliavam ao Exército em sua insatisfação. A situação ficou insustentável para os paulistas com a crise de 1929. Por causa de São Paulo, a economia brasileira era muito integrada ao mercado global, que colapsou. O café, esteio da economia, passou a valer nada. Foi a hora e a vez de Vargas, e a aversão causada à elite paulista é história. O maior símbolo dessa aversão é a fracassada Revolução Constitucionalista em julho de 1932.

Entre a República Velha e o Estado Novo

A melhor fonte para saber das relações entre Vargas e São Paulo provavelmente é a rica biografia de Lira Neto, da qual ainda não li o bastante. Assim, limito-me a rascunhá-la.

No conturbado período que durou entre a Revolução de 30 e a instauração do Estado Novo (1937), houve nada menos que treze governantes. Destes, onze foram interventores apontados por Vargas, um (o penúltimo) herdou o posto por ser chefe do Legislativo e outro (o último) foi eleito pelo Legislativo.

Dos interventores apontados por Vargas, seis foram militares. Apenas dois (Hastínfilo de Moura, em 30, e Herculano de Carvalho e Silva, em 32) foram interventores por dias. Dos demais, um era um pernambucano tenentista, que enfureceu os paulistas (João Alberto de Barros, de 1930 a 31); um fluminense (Manuel Rabelo, 31 a 32); um gaúcho (Valdomiro Castilho de Lima, 32 a 33) e um baiano de Cachoeira (Manuel Daltro Filho, 33). A nomeação de um interventor militar em geral se dava em revoltas. No entanto, houve interventores paulistas e civis. O primeiro deles, inclusive, era um banqueiro que saiu da interventoria de São Paulo para o Ministério da Fazenda, de Vargas. José Maria Whitaker, paulistano, já fora governador de São Paulo na República Velha, formara-se pela USP. Fora presidente do Banco do Brasil no governo Epitácio Pessoa. Em 1930, porém, o Ministro da Fazenda de Vargas comprou milhões de sacas de café e deixou um imenso déficit nos cofres públicos. Por isso, não durou no posto e saiu em 1931. Em 1932, apoiou a Revolução Constitucionalista.

Whitaker foi o primeiro nome duradouro indicado por Vargas à interventoria de São Paulo. Seria ele a face de uma ascendente elite urbana paulista, que nas gerações seguintes se bateria com as elites rurais do estado? Teria aderido a Vargas desde já com o fito de subjugar a elite agrária? Seja como for, vale tomarmos nota de suas características, porque elas aparecerão ao longo da Nova República: é um intelectual quase uspiano (da São Francisco), um fundador de bancos e um defensor do liberalismo econômico. Tendo saído da interventoria, assumiu o seu indicado, um jornalista do Estadão e colega da São Francisco que durou dias e também aderiria à Revolução Constitucionalista chamado Plínio Barreto. Sua trajetória também sofrera alterações, pois ele defendera líderes tenentistas. A propósito, a capital São Paulo também foi um foco de rebelião tenentista em 1924, embora isso pouco seja comentado.

Depois de Plínio, entrou o supracitado tenentista pernambucano; em seguida, um jurista paulista para aplacar os ânimos (Laudo de Camargo, 1931), depois veio o militar fluminense e então mais um jurista paulista, Pedro de Toledo (1932). Este traíra Vargas e apoiara a Revolução Constitucionalista. Depois veio uma série de militares até existir alguma estabilidade com Armando Salles (1933 - 1936), político egresso da República Velha. Paulistano, ex-aluno da Politécnica, cunhado do diretor do Estadão, sócio do jornal. Em seu governo, fundou-se a escola de sociologia e criou-se a USP. (Como muitas universidades brasileiras, a USP foi criada com a junção de faculdades e escolas preexistentes.)

Depois dele vieram o presidente da câmara, Henrique Smith Bayma, um jurista e líder da Revolução Constitucionalista que governou por dias entre 36 e 37; por fim, veio o governador eleito indiretamente, um jurista da São Francisco, José Joaquim Cardoso de Melo Neto.

Um dado talvez relevante para entendermos o lançamento da candidatura do baiano Ruy Barbosa pela elite paulista é o fato de ele ter concluído seus estudos na mesma São Francisco. A propósito, a primeira eleição polarizada do Brasil – que Ruy Barbosa perdeu – se deu entre os “civilistas” opostos aos “hermistas”, que apoiavam o militar.

Estado Novo

Vem o Estado Novo, que extingue todos os partidos e governos estaduais. Tudo passa a ser submetido ao líder máximo Getúlio Vargas. Nesse período, há apenas quatro interventores: um militar cearense que governou por dias (Francisco José da Silva Júnior), mas depois Getúlio, que não era besta nem nada, colocou três civis paulistas sem espírito revoltoso. Em 1950, quando Getúlio se candidatasse à presidência, ganharia no Estado de São Paulo.

Os civis foram: Adhemar de Barros (38 a 41), Fernando de Sousa Costa (41 a 45) e Sebastião Nogueira de Lima (1945). O primeiro deles era de família de cafeicultores e não tinha ligações com a São Francisco. Na democracia do pós-guerra, governador de São Paulo, e, à maneira da República Velha, tentaria se eleger presidente do Brasil em 55. Perdeu para Juscelino, mas ganhou em São Paulo. Durante o regime militar, voltou a se eleger governador. Sua fama de ladrão, porém, remonta ao período Vargas. À época, construiu a sede do Banespa e fez um monte de obra. Seria um malufista avant la lettre?

Fernando de Sousa Costa, engenheiro agrônomo, tinha reputação melhor e virou Ministro da Agricultura de Vargas. Morreu prematuramente inaugurando obra e assumiu Sebastião Lima. Era um ex-delegado velho de Piracicaba cuja vida política pregressa girava mais em torno da cidade natal. Subiu com o varguismo, mas não pareceu muito interessado em se dedicar a uma nova carreira nacional.

Balanço

Em todo esse período varguista, os governadores de São Paulo não tentaram chegar à presidência pela mesma razão que não o fizeram durante o Império: não dava. Mas a situação era ainda pior do que no Império, porque nessa época havia vida partidária e eleições. O Estado Novo foi mais autoritário do que qualquer período anterior ou posterior da História do Brasil.

No entanto, para manter um governo duradouro e pacífico, o líder, por mais forte que fosse, negociaria com poderes locais. Não brigaria com todo o mundo, como Hermes da Fonseca, nem sairia matando todo o mundo, como Floriano Peixoto. Em vez disso, Vargas granjeou apoio de setores das elites locais. O Estadão apoiara a Revolução de 30, mas, em 1932, os Mesquita fugiram para Lisboa, por apoiarem a Revolução Constitucionalista também. Foi um movimento idêntico ao dos políticos que ganharam a interventoria, vitoriosos em 30, e depois aderiram à Revolução Constitucionalista, em 32. É um movimento muito parecido com o do próprio Estadão em 64, que começou aderindo aos militares.

Podemos sair deste balanço com um perfil dessa elite paulista que adere ao governo central: ela é urbana, uspiana, jurídica e ligada a banco; tem alergia ao campo e ao Exército. Entra de carona no governo central, mas quer governar. Vale-se da "opinião pública" e alega defender a democracia, bem com o liberalismo.

Após Vargas se firmar no Estado Novo, quem floresceu em São Paulo foi o chefe político que não fazia questão de liderar o país. É bom frisar que o desejo do povo paulista e o de sua elite já não andavam sempre juntos, pois tanto Adhemar de Barros como Getúlio Vargas se tornaram populares no estado e conquistaram o eleitorado paulista no período democrático. Nesse descompasso entre o povo e as elites, temos um precedente para a eleição de Tarcísio. A coisa só fica mais estranha se levarmos em conta que agora vivemos uma democracia, e Tarcísio não será nenhum interventor.

No próximo texto continuamos com a cronologia.

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