Garota propaganda do TSE.| Foto: Reprodução do Twitter
Ouça este conteúdo

Creio que tenha sido Kim Paim o autor da sacada: o apoiador de Lula é o fã da Anitta. Não é mais a esquerda raiz, que foi deglutida pelo progressismo. O jornalismo tradicional fez o L só por não conseguir emplacar uma “terceira via”, e não hesita em atacar o governo caso ele se distancie da Agenda 2030 e se aproxime dos regimes orientais. Se Lula cair e entrar Alckmin, os esforços dessa turma serão recompensados. Já Bolsonaro, por mais que haja um grande esforço para pintá-lo como xucro, conta com a maior parte da classe média trabalhadora. Odiada por Chauí e quejandos, a classe média é a mais politizada e afeita às discussões.

CARREGANDO :)

E Lula, quem o apoia de verdade, e não como um cavalo da terceira via? A esquerda tradicional não gosta da sua subserviência a Biden; os intelectuais mais antigos têm sua inteligência insultada quando têm de aclamar alguém como Djamila Ribeiro (que não faz um O com um copo ao tentar escrever sobre a história nacional); os homens, maioria em qualquer grupo partidário, são tachados de estupradores potenciais. Quem apoia Lula de verdade, na classe média? Os fãs da Anitta, de Felipe Neto etc. O xovem seguidor de influencer, aquele para quem o TSE fez campanha pedindo para tirar o título.

E é justo o xovem o mais desagradado pelos recentes atos e falas de Lula: primeiro o ministro dele taxou as comprinhas da Shein, depois associou a “comunidade gamer” aos atentados em escolas (não pode: a narrativa oficial diz que é tudo culpa do extremismo da direita branca) e por fim ainda mencionou que, segundo dados da ONU, uns 15% da população tem “desequilíbrio de parafuso”, coisa que deve ser levada em conta ao se tratar dos atentados nas escolas. Num curto espaço de tempo, ele desagradou as blogueirinhas, os gamers e os viciados em remédios psiquiátricos. Ou seja: os fãs da Anitta e de Felipe Neto. Eu não queria estar na pele de quem tem de explicar a um velho cachaceiro bom vivant, ex-torneiro mecânico do ABC nascido no interior de Pernambuco, que ninguém liga mais para os intelectuais da USP, e que agora todo mundo só quer saber do Instagram. Já imaginaram ter de explicar a Lula o que é o Instagram? E será que Haddad, o uspiano chique, não estava sendo sincero ao dizer que não sabia o que era a Shein? Vá lá que soubesse por alto; talvez não tivesse ideia da importância da varejista chinesa. Muita gente (eu inclusa) só descobriu as dimensões da Shein no Brasil graças à confusão tributária.

Publicidade

Os filhos e netos da classe média de antigamente costumam ter um padrão de vida bem inferior: há cada vez menos estabilidade nas relações humanas, sejam elas as de trabalho ou as amorosas

Assim, não precisou muita força para o velho cachaceiro emitir opiniões de senso comum sobre a onda de ataques às escolas: os videogames violentos e os parafusos soltos têm algo a ver com isso. Ninguém contou para ele que a cruzada contra os videogames já era do deputado bolsonarista Zé Trovão, nem que ter preconceito contra pessoas com “desequilíbrio de parafuso” é condenado com o nome de “capacitismo”.

O que Lula não entendeu – e pouca gente parece ter entendido – é que houve uma mudança comportamental muito grande no estilo de vida das camadas intermediárias da população. Eu ia escrever “classe média”, mas nem sei se o nome se aplica. É o seguinte: na velha classe média, cuja ascensão remonta ao período militar, as pessoas tinham um emprego estável, constituíam família, a mãe ia trabalhar fora, mas os filhos ficavam com uma doméstica muito querida, e lá pelos 40 anos esses chefes de família já moravam em casa própria. Os filhos e netos dessa geração costumam ter um padrão de vida bem inferior: há cada vez menos estabilidade nas relações humanas, sejam elas as de trabalho ou as amorosas, e isso naturalmente “desequilibra os parafusos”, para falar como Lula. Para piorar, a revolução da contracultura criou ideais totalmente diferentes para nortear essas mesmas relações: por um lado, a mulher não valoriza mais o lar; por outro, os bens de consumo são valorizados como fins em si mesmos, em vez de serem avaliados em função da melhoria da qualidade de vida por eles proporcionada. Trocando em miúdos, uma coisa é o chefe de família gastar uma soma considerável para comprar uma geladeira; outra, bem diferente, é o influencer gastar essa soma com um objeto de grife inútil com o fito de ostentá-lo nas redes.

Para piorar (mais ainda), houve um desatrelamento entre trabalho e renda. Esse problema é mais grave nas classes baixas do que na classe média, já que um chefe de família que ganhe um salário de R$ 1,2 mil é facilmente suplantado por uma mãe solteira que recebia o Auxílio Brasil de R$ 600 e passou a ganhar mais R$ 150 por filho. Vejam esse caso festejado pelo Choquei (o perfil de fofoca politizado feito para agradar aos fãs da Anitta) e noticiado pelo UOL: “No almoço de ontem, Márcia Maria da Silva, 31, e seus seis filhos tinham dois tipos de peixe para escolher em sua pequena casa na Vila Emater, uma favela que fica ao lado de um antigo lixão de Maceió. A melhora no consumo de proteína nas refeições da família veio desde o final de março, quando ela recebeu R$ 1,2 mil do novo Bolsa Família, o dobro do valor do mês anterior. É essa a única renda da casa. Os filhos de Márcia têm entre 9 meses e 11 anos, são todos de pais diferentes e moram com ela. Apenas um dos genitores paga pensão mensal, de R$ 180. ‘Outros dois morreram e um outro nos ajuda com R$ 100, mas só paga quando quer. Os outros não ajudam’, diz”. Um terço dos pais dos filhos dessa jovem mulher morreu – e é de se perguntar que profissão arriscada é essa, com letalidade tão alta. Outro terço simplesmente não ajuda; e, do terço restante, um só paga quando quer.

Após décadas de Estado assistencial, o “imposto negativo” de Milton Friedman não só se revelou como uma política sem porta de saída para os pobres, como criou uma nova classe média consumista que não tem onde cair morta

Publicidade

Bom, atraso na pensão alimentícia dá cadeia. O que dificilmente dá cadeia, na prática, é matar. Assim, todas as leis feministas – em especial a Maria da Penha – só têm o poder de coagir homens não violentos. Por isso o pobre trabalhador que ganha um salário mínimo e não mata ninguém é punido tanto pela economia quanto pelo Estado (via jurisprudência): a pensão é descontada em folha de um salário que é inferior à renda da mãe solteira que não trabalha.

E o problema é mais grave na classe média, na qual os homens dividem círculos sociais com as mulheres, têm uma reputação a zelar e não têm o costume de desovar cadáveres. Nesse cenário, as mulheres movidas por rent-seeking vão usar da jurisprudência para morder um terço da renda do homem. Quanto mais filhos de pais diferentes, mais terços ela abocanhará por aí. Graças ao novo ideário, esse dinheiro não servirá necessariamente para as necessidades do filho, nem será poupado. Em vez disso, bancará um hedonismo fugaz a ser ostentado na internet tanto pela mãe quanto pelo filho, que será criado com a percepção de que o pai lhe deve. Esse estado de coisas conflitivo mantém um padrão de vida artificialmente alto para essa pseudoclasse média.

Outra coisa que mudou bastante entre as gerações foi o custo do imóvel. A casa própria está cada vez mais rara, e as taxas de condomínio não raro chegam ao valor de um salário mínimo. Assim, os jovens e os não tão jovens têm um estímulo a ficar na casa dos pais. E, uma vez que fiquem na casa dos pais, têm menos estímulo para economizar. Os pais têm aposentadorias decentes; o filho não tem nada, ou tem um Auxílio Brasil (agora renomeado como Bolsa Família). Fomenta-se assim uma adolescência eterna, na qual o adulto tem um dinheirinho que é uma mesada para distrações, pois não dá para mais nada.

Este é o fã da Anitta, o eleitor de Lula. É o beneficiário do Bolsa Família (ou do Bolsa Papai), só que de classe média. Após décadas de Estado assistencial, o “imposto negativo” de Milton Friedman não só se revelou como uma política sem porta de saída para os pobres, como criou uma nova classe média consumista que não tem onde cair morta.

Post scriptum: A autora entrará de férias e volta daqui a um mês.

Publicidade
Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]