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Bruna Frascolla

Bruna Frascolla

Não troquemos a panaceia do Estado pela panaceia da Privatização

O caso dos Correios é um exemplo de como privatizações têm muitas nuances a serem consideradas. (Foto: Agência Brasil)

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O senso comum brasileiro mudou. No começo deste ano, em Cachoeira, uma cidade nordestina de apenas 30.000 habitantes, o problema da fila colossal no correio tinha uma solução fácil a ser apontada: tem que privatizar. Fiquei surpresa ao ver esse ex-palavrão assim, na boca do povo menos propenso à discussão teórica e aos slogans urbanos.

E não saí comemorando. Afinal, justo o correio de Cachoeira me fez questionar se dá mesmo para fazer uma agência de correio lucrativa aqui. Em Salvador, eu ia a uma agência franqueada de uma velhinha que abre aos sábados e está sempre lá, tomando conta do negócio, com pandemia e tudo. Os preços são tabelados em Brasília e o franqueado extrai seu lucro das postagens. A parte da logística é estatal, os carteiros idem. Mas se você mora em capital, é muito provável que vá despachar suas encomendas na franquia de um pequeno empresário, não no local de trabalho de concursados.

Em Salvador, vi com bons olhos a redução promovida por Brasília. As agências estatais foram fechando, um prédio enorme foi posto em leilão, e os pequenos empresários, que em geral atendem melhor do que os concursados, viram sua clientela aumentar. Eles têm interesse na celeridade do atendimento, ao contrário dos concursados.

No correio de Cachoeira, porém, notei logo que as filas não são de gente indo despachar pacotes, mas sim de pegar correspondência. Porque o núcleo urbano é circundado por extensos distritos rurais aonde nem sempre o carteiro vai. Então toda a correspondência do município de Cachoeira fica concentrada naquela agência estatal dos correios. Assim, não é de admirar que não haja agências franqueadas, já que o povo raramente despacha coisas.

Quem conseguiria lucrar com postagens aqui? Ninguém.

A privatização resolve esse problema?

A gigante que comprar a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos vai estar obrigada a uma série de coisas. Suponho que inclua a manutenção da infraestrutura, o que seria a mesma coisa que repassar os prejuízos do Estado para a gigante, a qual, como tem fins lucrativos, repassa o custo para o preço. Esse repasse da corporação para o consumidor será maior ou menor do que o imposto que o cidadão paga para bancar a estatal? Não sei; os economistas que queimem as pestanas com isso. Aponto somente que, como diria Milton Friedman, não existe almoço grátis. Privatização não é panaceia. Não estou dizendo que não é pra privatizar os Correios; digo que as coisas não são tão simples quanto a opinião pública parece crer. Existem impasses que demandam análise cuidadosa, e uma cabeça aberta a soluções originais tende a ser mais razoável do que a aplicação automática de fórmulas de teóricos sociais.

E quanto ao mau atendimento, será que a privatização resolve? Talvez sim, talvez não. Um fator favorável muito importante é a possibilidade real de demitir atendentes vagabundos. Um fator desfavorável também muito importante é que não haveria concorrência, de modo que a empresa pode por uma agência pro forma e jogar pro alto. Olhem para a Oi, que ficou com a Telebrás. Agora olhem para a Oi e imaginem que não há a possibilidade de correr para outra operadora. Não vou ficar surpresa se privatizar e piorar. Mas o pessoal da zona rural nordestina parecia estar tão convencido das maravilhas da privatização quanto um eleitor do Novo da Faria Lima.

Vandalização do Estado pelo PT

Acho que cultuávamos um ídolo chamado Estado, até que veio o PT e vandalizou-o todo. Achávamos que o Estado era capaz de resolver tudo, criamos um milhão de empresas públicas e despejamos nelas concursados indemissíveis. Os concursados indemissíveis são um problema antigo que a era estatista de Médici e Geisel não resolveu. Junte-se essa crença errada com o problema prévio não-resolvido, e eis a hiperinflação e a estagnação econômica. Ainda assim, vale destacar que uma estatal daquela época é literalmente a salvação da lavoura de hoje: a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), com seus concursados, desenvolveu técnicas que tornaram o Cerrado agricultável. Sem ela, o Brasil não teria o agronegócio e seria um país muito mais pobre e vulnerável. Será que não podemos concluir disso que o Estado é mais que um “mal necessário” e tem a função construtiva de dar conta de atividades não-lucrativas, como pesquisa de base (caso da Embrapa) ou preservação de patrimônio histórico e cultural.

Não, nenhuma grande empresa vai jogar rios de dinheiro em pesquisa brasileira para colher frutos daqui a trinta anos. Não, nenhum mecenas vai dar conta da preservação de 100% do patrimônio histórico-cultural do Brasil. E de novo: se deixar a formação cultural dos jovens na mão de quem tem dinheiro, eles não vão descobrir nada muito melhor que Robyssão e o MC Kanalha. Fala-se muito que o Estado tem que entrar nos lugares tomados pelo tráfico, querendo-se aludir com isso a uma escola que dá um diprominha ao futuro desempregado, além de polícia e hospital.

O homem precisa de alguma inspiração para viver. O tráfico sabe disso e tem seus artistas oficiais, que vendem para o sexo masculino o ideal de ficar rico, comprar coisas de marca e comer todas as mulheres, e vendem para as mulheres o ideal de ser carne barata de traficante. Depois os filhos disso nascem e ficam aí ao Deus dará, dançando ao som de “rala a xereca no pente [de munição]”, ou do refrão “senta no traficante”. Inspiração para a vida é importante desde que o homem é homem. Hoje o pobre brasileiro tem smartphone, mas a turma da “empatia” acha que cultura é elitismo.

Por isso falo bem da Neojibá pelo terceiro texto seguido: o Estado pega o menino da favela, insere numa comunidade diversa e bota pra aprender a tocar oboé, dá-lhe um objetivo para a vida e um incentivo para se aperfeiçoar. O menino bem-sucedido torna-se um exemplo para os outros. ("E o emprego?" Se ele não for pra OSBA, a indústria da festa na Bahia absorve músicos qualificados.) Quem achar que isso é elitismo e devemos esperar sentados por um mecenas, eu mando ir catar coquinho. Até porque o mecenas pode ser um capitalista lacrador, um Lehmann, um Soros, que vai ensinar as crianças a sentirem pena de si mesmas por serem negras, ou por serem meninas etc. Esse povo que quer vender modess pro Estado.

Monopolista adora o PT e o PSDB

Pois muito bem: se existisse uma Modesbrás ineficaz e cheia de concursados vagabundos, a turma da “pobreza menstrual” ia se dizer liberal e fazer campanha pelo fim da Modesbrás, não por preocupação com as contas públicas, mas por querer vender modess pro Estado. Nisso, estão dispostos a corromper políticos para vender pelo preço mais caro possível, e impactam o mercado ao colocar o seu modess caro na mão do maior número de ex-compradoras de modess barato. Isso não é liberalismo; isso é concentração de poder – econômico e político – na mão de um punhado de empresas, e, desde a invenção do ESG, de empresas sempre lacradoras.

Assim, o cenário que vejo desenhado é o seguinte: no governo federal, o PSDB e o PT concorreram para que o Brasil fosse se tornando cada vez menos estatista e cada vez mais monopolista. O PSOL surgiu dessa guinada tucana do PT no governo e serve a um funcionalismo suicida, incapaz de pensar no médio prazo. O estopim para a fundação do PSOL foi uma reforma previdenciária do PT. Desde então, ele é o veículo para os servidores que se empenham em amealhar privilégios; é um palácio de Versailles que exige brioches para os concursados atuais. O resultado acaba sendo a impossibilidade de renovar as carreiras públicas. E deixar tudo na mão de monopolista.

Penso que o debate acerca das falhas do Estado deveria incluir o seu aprimoramento. É um escândalo que a demissão de servidores tenha aparecido num piscar de olhos, condicionada à não-vacinação. Isso, ao meu ver, é uma amostra do poder do lobby das indústria farmacêutica. Já passou da hora de o Brasil se preocupar com a demissão de maus funcionários públicos. É ridículo demitir sumariamente professor de escola pública que não quer tomar vacina experimental e não demitir sumariamente professor de escola pública que manda criança de 11 anos beijar na boca.

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