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Bruna Frascolla

Bruna Frascolla

Religião

A origem do ativismo judicial pode estar no protestantismo

Estátua de Martinho Lutero em Dresden, na Alemanha. (Foto: Bigstock)

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Tendo a crer que, bem analisadas e interpretadas as coisas, a culpa dos abusos do Supremo remonta a Lutero. Sei bem que estamos acostumados a apontar culpados remotos para males presentes e, a partir daí, inferir que problemas históricos são impossíveis de serem resolvidos. “É tudo culpa dos portugueses!”, diziam os petistas, enquanto saqueavam o país. Mas o expediente é sempre este: a culpa é dos portugueses exploradores, da Igreja obscurantista, dos negros festeiros, dos índios indolentes, da cordialidade, do mundo rural atrasado, da miscigenação degeneradora, do patriarcado opressor e de tudo o que se puder dizer tradicionalmente brasileiro. O Imperialismo Ianque aparece na lista de vilões, é claro. Mas só suas ações são criticadas; sua influência cultural, não. Nosso país é tratado a tapas e pontapés no que concerne às questões indígena e negra justo pelos países que se empenharam em exterminar seus índios e praticaram segregação racial. O nosso país foi praticamente fundado pela Contrarreforma. De minha parte, dou-me o direito de considerar o Melhor País do Mundo este que sempre considerou almas individuais e filhos de Deus os escravos pretos e os índios canibais, vedando a ideia de um extermínio como fim em si mesmo. Como esse não foi o caso das nações protestantes, e estas, em função de sua mera riqueza, se tornaram modelo de cultura, é necessário criticar seus vícios culturais que nos são empurrados por uma elite apátrida.

Imperialismo progressista

Quem manda no Brasil hoje é quem tem condições de interpretar o texto mais sagrado da nossa falecida democracia: a Constituição Federal. Segundo o ideal de Montesquieu, o Judiciário seria o poder encarregado de julgar segundo as leis formuladas pelo Legislativo. Sendo uma atividade tão pouco livre, é natural que juízes não sejam eleitos pelo povo. A representação de nossas vontades se dá por meio da eleição de legisladores e dos chefes do Executivo.

Os Estados Unidos são o exemplo mais duradouro de uma democracia de grande porte. Assim, foi um dos exemplos disponíveis para o Brasil quando decidimos deixar de ser monarquia e nos tornar República. Nosso Supremo Tribunal Federal nasceu junto com a República, à imagem e semelhança da Suprema Corte dos Estados Unidos. Era uma corte constitucional; ou seja, servia para que o poder legislativo fosse limitado pela Constituição. Se uma casa legislativa, seja em plano nacional, estadual ou municipal, decidisse criar uma lei em descumprimento à Constituição, caberia acionar a Suprema Corte para corrigir isso. Há dez anos, porém, a função do STF é decidir contra a Constituição Federal a fim de implementar a ideologia progressista (em 2012 o STF decidiu, contra o DEM, que as cotas raciais são constitucionais).

O método surgiu nos EUA e é imposto, via ONGs e entidades internacionais, a todos os países do Ocidente que tenham preferido ladear-se aos EUA a ladear-se à URSS durante a Guerra Fria. É difícil rastrear-lhe as origens por completo, mas é certo que sua história se confunde com a do progressismo. Como vimos, em 1927 a Suprema Corte dos EUA, no caso Buck v. Bell, decidira que era constitucional o estado da Virgínia esterilizar Carrie Buck contra a sua vontade por considerá-la uma débil mental de raça inferior. A decisão coube ao célebre juiz Oliver Wendell Holmes. Criativo, embasou sua decisão com base numa lei de vacina obrigatória nas escolas do Massachusetts e numa praticidade humanitária, já que mais valia impedir o nascimento de degenerados do que executá-los pelos crimes que certamente cometerão. O caso mais notório, porém é Roe v. Wade, em que o direito constitucional à privacidade se transformou no direito constitucional a abortar em qualquer fase da gestação.

A verdade é que os EUA são sede de uma ideologia totalitária e imperialista que volta e meia toma o poder e impõe suas pautas na marra, seja ao seu próprio povo, seja ao estrangeiro. Seu método é a corrupção do Estado por meio do sequestro dos Direito Humanos e da ação de ONGs transacionais. Seu fito mais precípuo é reduzir a população mundial. São inimigos da vida, no sentido mais profundo imaginável. Dizer que defendem a morte é o que os anglófonos chamam de understatement. A morte tal como a conhecemos não é defendida por eles. Querem, se possível, eutanasiar; se possível, melhor que eutanasiar o nascido é abortar o concebido; se possível, melhor que abortar o concebido é não conceber; se possível, melhor que não conceber é esterilizar; se possível, melhor ainda que esterilizar corpos perfeitos é castrar na infância antes de o aparelho reprodutivo ficar pronto. Tirando a eutanásia, a Planned Parenthood cuida de tudo isso: da contracepção à castração de criança.

Cultura protestante

No começo do século XVI, um monge alemão resolveu que cada homem deveria usar do seu próprio intelecto para interpretar a Bíblia: um conjunto de textos selecionados, editados, interpretados e traduzidos de diversas línguas ao longo de uma montanha de séculos. Enquanto a Igreja tinha uma autoridade com um rosto – o Papa –, os protestantes decidiram que a única autoridade é a Bíblia. Bastaria ler a Bíblia, e cada homem, com sua Razão, entenderia nada menos que a Palavra Divina. Mas acontece que cada um lia e entendia de um jeito, de modo que não demorou para os protestantes se engalfinharem em múltiplas seitas, cada qual com o seu cacique especial que tinha, ele sim, lido a Bíblia e entendido corretamente.

O Vaticano reconhecia e reconhece as diferentes possibilidades interpretativas e a variedade de correntes teológicas. Tinha, portanto, uma compreensão melhor da natureza humana do que os protestantes: sabia que somos todos limitados; que o conhecimento e a moral são obras coletivas de construção lenta, legadas de geração para geração. De acordo com essa visão, o homem precisa confiar também na autoridade, e seria uma loucura guiar-se somente pelo próprio juízo.

Agora, o mais importante é que ninguém pode se dizer melhor do que os outros por seguir o Papa. O Papa é a autoridade estabelecida, o católico de qualquer quilate intelectual segue a ele. Mas o que pode dizer do outro o protestante que segue, digamos, Calvino, pois crê que foi o único mortal a ler corretamente as Escrituras? Se removemos a autoridade e a tradição, resta a Razão. Resta, enfim, a ideia de que todo fiel que faz bom uso da Razão pensa igual a mim (a Graça desempenha um papel teológico importante, é verdade. Mas a falta da Graça serve para explicar facilmente a falta de fé, e não a fé numa religião cristã baseada num intérprete errado da Bíblia). Se eu tentar converter um índio e ele não aprender de jeito nenhum, torna-se legítima a conclusão de que ele não é racional, e portanto não é um homem.

É difícil não ver os legisladores progressistas como versões laicas de hereges protestantes. Eles pegam a mesma lei escrita que nós e tiram uma interpretação lá da cabeça deles. Por usurpação, convertem-se em autoridade. Mas não admitem, nem mostram a cara. Juram que é tudo sola scriptura, que interpretaram tudo direitinho do texto constitucional etc. Eles são mais racionais do que você e eu. São mais homens do que você e eu. Ou nós somos sub-raça, ou eles são Übermenschen.

Quebrando os tabus

Dizer que nem todo homem era igualmente feito à imagem e semelhança de Deus era quebrar um tabu da Igreja católica. Lançando lama na autoridade milenar, os países protestantes quebraram todos os tabus. Assim, quando o progressismo se abateu sobre as Estados Unidos, encontrou naquele país de maioria protestante um amplo terreno por onde crescer. No começo, só a minoria católica oferecia uma resistência organizada à Planned Parenthood. Como mostra Guilherme de Carvalho, a adesão dos evangélicos à causa antiaborto é obra do Pastor Francis Schaeffer (1912 – 1984). Ou seja, é coisa recentíssima. Quanto ao antirracismo, também é obra do século XX. O Pr. Martin Luther King Jr. foi o maior responsável por enfrentar o progressismo na seara racial.

Felizmente tais reações surgiram. No entanto, é preciso registrar o enorme custo humano necessário para que essa cultura fosse provocada a ponto de reagir. Para usar uma metáfora sanitária (já que saúde parece ser o único valor ao qual se pode apelar hoje), é como se o protestantismo tivesse zerado o sistema imunológico de um corpo cultural, e somente após graves infecções ele criasse valores novos para se defender. Nós, de cultura católica, herdamos esses valores de berço.

Tabula rasa racionalista

A ideia de que a Razão é a autoridade máxima leva à sua vandalização pelos que queiram tomar o poder. É possível alguém mentir dizendo que suas afirmações são a voz da razão; mas não dá para fazer a mesma coisa com uma autoridade de carne e osso, como o Papa ou o Rei. Assim, depois da mistificação da Razão, veio a da sua filha mais prestigiosa, a Ciência. Agora, a voz da Ciência é o que o jornalista lacrador diz ser. Eles não são capazes de apontar uma autoridade de carne e osso, e se você discorda da "Ciência" é um Untermensch.

É curioso que, nos EUA, a defesa contra o progressismo venha quase que exclusivamente da religião. Lá, a coisa se tornou um embate entre religião e ciência: esta última é monopólio dos progressistas, aquela primeira é calcada só na Escritura e não tem penetração nenhuma na elite intelectual. É uma situação bem peculiar; no Brasil, a irreligiosidade só chegou às elites com o marxismo lá pelos anos 70. Os colonizados da ATEA importam essa cisão muito peculiar dos EUA e fazem de conta que Newton era ateu, ou que o Big Bang não foi proposto por um padre.

No começo da revolução protestante, abandonar o catolicismo implicava que todos os seus antepassados eram abomináveis papistas. E assim vimos o São João, uma festa de evidente origem pagã, ser abolido de parte da Europa protestante, cujos convertidos visavam ao expurgo das tradições cultivadas por seus antepassados mais remotos. O protestante que condenava o São João por ser pagão é o pai espiritual do ateu militante que, todo ano, pergunta: "sabia que o Natal é pagão??". O pensamento que subjaz a ambos é que toda a nossa conduta quotidiana deve ser racional e pautada na verdade factual – e que, portanto, decidir a todo momento o que é racional e verdadeiro está ao nosso alcance. É um eterno convite à tabula rasa cientificista que o progressismo nos empurra.

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