Ouça este conteúdo
O MDB decidiu que a sul-mato-grossense Simone Tebet será candidata à presidência. Se Simone Tebet sair na rua, é pouco provável que um único pipoqueiro a reconheça fora do Mato Grosso do Sul. Não que o povo seja sul-mato-grossensefóbico: o Brasil já elegeu Jânio Quadros para a presidência da República. É verdade que este fizera sua carreira política toda em São Paulo – e parece que todo político paulista encara a prefeitura de São Paulo como um estágio para a presidência, pois volta e meia largam o mandato para correr atrás de Brasília.
É verdade também que a Nova República põe a República Velha no chinelo em matéria de concentração de concentração do poder em São Paulo. Pois se a Velha se revezava entre o café e o leite (Minas Gerais), a Nova manteve uma hegemonia paulista desde 1994 até 2018, com dois partidos de intelectuais uspianos se revezando e, ao fim, sendo substituídos por um emedebista paulista. E pode-se dizer que o início da crise da Nova República resultou na primeira eleição direta de um presidente que fez carreira fora de São Paulo desde 1994: Jair Bolsonaro, que, embora paulista de nascimento, representou o Rio de Janeiro em todos os seus mandatos. Antes dele, só Collor, o político das Alagoas cuja corrupção fora denunciada pelo autodeclarado Partido da Ética, também conhecido como PT.
De todo modo, ao menos dois poderes regionais não-paulistas se empenharam em se tornar conhecidos do Brasil e ganhar eleições presidenciais na última década: os Ferreira Gomes, do Ceará, e o ramo Campos dos descendentes de Arraes, de Pernambuco. Antes disso, o maranhense Sarney tinha tentado emplacar Roseana; e agora, numa jogada recentíssima, o gaúcho Leite deu uma de político paulista e largou o mandato de governador com esperanças de ser o candidato do PSDB à presidência.
Ao contrário de Ciro, Campos, Leite e Roseana, Simone Tebet nunca se elegeu governadora em seu estado. Seu maior feito no Executivo foi se reeleger prefeita de sua cidade natal, Três Lagoas, que sequer é uma das dez cidades mais populosas do estado. Toda a trajetória política de Simone Tebet indica um perfil legislativo. Sua aparição em nível nacional só aconteceu com a vexaminosa CPI da pandemia; ainda assim, ela sequer integrava o G7, e quem quisesse votar num chiliquento da CPI teria Randolfe como opção número 1.
A escolha de uma política anódina sul-mato-grossense para disputar a presidência destoa muito da conduta recente dos grandes partidos brasileiros. Ainda mais sendo este partido o MDB, cuja última eleição presidencial como cabeça de chapa data de 1994 (com Quércia). Desde então, o MDB tem preferido ser sócio do vencedor.
O que explica tamanha atipia?
VEJA TAMBÉM:
Tcharam: o TSE e o STF
Tudo faz sentido se pressupusermos que o MDB não quer ganhar as eleições majoritárias e quer continuar na posição de aliado indispensável. O STF decidiu que os partidos políticos estão obrigados a gastar 30% dos recursos do fundo partidário com “candidaturas femininas”. Assim, quando o MDB for imprimir santinhos do Bira do Jegue, do Quinho da Pamonha e do Tião da Rádio, todos esses estarão juntos com a imagem da candidatura fêmea (não confundir com o candidaturo macho, nem com candidatures não-bináries) de Simone Tebet. Serve para fazer uma base grande no Legislativo, serve para fazer alianças com Executivos estaduais. Uma candidatura presidencial gasta muito dinheiro, então é mais fácil pegar esses 30%, jogar tudo em Simone Tebet e ficar livre pra fazer o que der na telha.
Aqui, os bobos que acham que combate à corrupção é a finalidade última da política dirão: "Ah, mas esse MDB! Espero que o TSE dê um jeito neles!". O pior é que o TSE pode dar um jeito mesmo. Vai que Simone Tebet briga com algum cacique regional e alega machismo. Vai que algum candidato em Teolândia, Bahia, diz que Gusttavo Lima não pode ser uma mulher porque tem pênis. Aí devem valer “palavra da vítima”, “fake news”, “discurso de ódio” e o que mais se inventar. Tudo é motivo para cassar candidaturas (e candidaturos e candidatures). Inclusive a bendita cota de 30% inventada por quem mesmo? Pelo STF.
Primeiro o Congresso, que é cheio de gente besta, em 2015 resolveu botar na minirreforma eleitoral uma cota de 5 a 15% para mulheres no fundo eleitoral. A PGR, à época com Raquel Dodge, deu uma de Randolfe e fez uma ADIN pedindo ao STF que considerasse a coisa inconstitucional. Em 2018 o STF, que tem uma leitura muito especial da Constituição, entendeu que é inconstitucional mesmo e colocou, na canetada, um piso de 30% para candidaturas femininas, sem teto. As decisões foram recheadas de alusões à mártir Marielle Franco do PSOL carioca. Friso o partido, porque matar políticos (e não-políticos) no Rio de Janeiro é uma banalidade. Para comover o STF, o político assassinado precisa ser do PSOL.
Ou seja: esse negócio foi instaurado sem o voto de ninguém. Essa cota não é democrática. E os partidos políticos têm que rebolar para não serem tachados de fraudadores de regras eleitorais arbitrárias, tiradas da cabecinha da Srª Raquel Dodge e ministros do STF.
Para piorar, em 2020 o TSE, acionado por Benedita da Silva, tirou da cabecinha dele que os partidos teriam de obedecer uma proporcionalidade racial no financiamento das candidaturas. Só deus sabe quanto tempo não leva para acusarem os políticos de serem fraudadores e o TSE incorporar tribunais raciais na justiça eleitoral.
O começo da confusão mesmo foi em 2015, quando o STF, sob os auspícios da Lava Jato, proibiu o financiamento privado das campanhas. A ação que pedia isso era da petistíssima OAB. A consequência natural disso foi a criação do Fundo Eleitoral, o famoso Fundão. Recentemente, Eduardo Cunha argumentou que a criação do Fundão é a descriminalização do saque petista. Observou que “os valores gastos no Fundo Eleitoral a cada eleição, por si só, são bem superiores ao chamado e não comprovado prejuízo da Petrobras”. Exagero e negações disparatadas à parte, Cunha tem uma dose de razão ao afirmar que agora entregamos incontáveis milhões de reais ao PT legalmente; não dá nem para reclamar.
Depois de Inês ter sido morta, isto é, quando o STF já tinha decidido que tinha de haver a cota dos 30%, o Congresso lavou a canetada, promulgando uma Proposta de Emenda à Constituição fixando a dita cota em 30%. Ou seja: o STF dá uma decisão dizendo que tal obrigação é constitucional, e o Congresso faz uma emenda para tornar constitucional o que supostamente já era constitucional. Em maio deste ano, passou uma PEC com esta finalidade. Como o Congresso não poderia contradizer o Supremo, fez o que estava ao seu alcance: criou uma anistia para quem desobedeceu a quota arbitrária até hoje. "A emenda constitucional anistia os partidos que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça em eleições ocorridas antes da promulgação", explica a agência de notícias da Câmara.
Os beneficiários
Mas há uma ideologia beneficiária desse estado de coisas que não tem nada a ver com o Foro de São Paulo. É a ideologia de Klaus Schwab, que, como vimos, defende que o Estado deve ser um mero prestador de serviços, ao passo que a segurança e a promoção de ideologias ficam a cargo de coisas mais eficientes. A Fundação Ford é mais eficiente na promoção de ideologia do que o MDB? Certamente. Mas se você, brasileiro, quiser criar um partido a fim de mudar a política nacional, quantas dificuldades não encontrará? Todo partido tem que ter financiamento público, daí são justificadas as mil burocracias e trâmites para se conseguir abrir um. E uma vez que porventura você consiga abrir, o TSE estará na sua cola vendo o dinheiro que você gastou conforme o sexo e a cor do candidato. Não basta você conseguir adeptos do seu novo partido no Acre, em Sergipe e no Rio Grande do Sul: precisa catar uma proporção de mulheres dispostas a se candidatar também.
Enquanto isso, organizações autodeclaradas “suprapartidárias” recebem financiamento à vontade para emplacar candidaturas parasitando partidos. O maior exemplo disso é o fato de existir em uma “bancada Lemann”, e de a imprensa achar muito bonito o nosso Soros nacional querer criar um presidente da república. Em matéria de 2018 – ou seja, já com a proibição do financiamento privado –, a IstoÉ mostrava a trajetória dos novos políticos "dos movimentos suprapartidários Renova BR e Acredito". Eles recebem bolsas de estudos, vão para a megaprogressista Harvard e voltam com a missão de mudar a política. Sobre o impacto que Harvard tem sobre a ideologia dos alunos, podemos ler a própria Tabata: “Foi na faculdade que aprendi sobre a luta por igualdade entre homens e mulheres e sobre a importância de eu também lutar contra o racismo e a homofobia, por exemplo. No entanto, vários dos meus amigos não estavam passando pela mesma transformação. Isso levava muitas conversas a terminar em discussões nas quais eu dizia que eles eram preconceituosos, e eles respondiam que Harvard estava fazendo uma lavagem cerebral em mim e me transformando numa radical. Levou algum tempo até que eu aprendesse a me posicionar sem afastá-los de mim”.
No atual estado de coisas, quem tiver um partido político para defender as próprias ideias é tratado como um criminoso até prova em contrário, e tem suas contas esquadrinhadas e reguladas por um judiciário-legislativo que ninguém segura. Mas se você tiver alguns bilhões e quiser formar grupos “suprapartidários”, não tem legislação nenhuma. Ninguém pode receber dinheiro da Odebrecht, mas todo mundo pode receber dinheiro da Fundação Ford, da Fundação Lemann e da Open Society. Pode todo mundo receber dinheiro sabe-se lá de quem, para fazer campanha dia sim e dia também contra a soberania brasileira na Amazônia, ou para estrangular financeiramente um jornal contrário ao progressismo.
É verdade que essas organizações são mais eficientes do que os partidos políticos para espalhar ideologias. Ora, elas fazem o que querem! Ninguém obriga Lemann a doar para uma proporção de trans lésbicas obesas; as regras caem todas sobre os partidos.
Do fogo de Havana para a frigideira de Davos
Creio que possamos falar numa psolização da política via golpes judiciários. A esquerda lavajatista, com uma cajadada só, abateu o rival Foro de São Paulo e sequestrou as instituições do Estado brasileiro. Dilma assinou todas as leis que permitiram a Lava Jato. A despeito da compra de Pasadena – que transferiu bilhões brasileiros não para a Venezuela ou Angola, mas para uma empresa belga nos EUA –, escapou incólume, com pose de Mulher Honesta, sem condenações e senhora de seus direitos políticos.
Antes da Lava Jato, quantos partidos políticos dariam destaque a candidatas com discurso feministas para a presidência? No máximo, o PSDB faria algo assim, junto com PT, PSOL e um punhado de partidos trotskistas. Hoje, o camaleônico MDB coloca a anódina Simone Tebet, que consegue ser anódina mesmo aderindo ao radicalismo identitário de Djamila Ribeiro (ela tuitou: “Djamila Ribeiro é mulher, filósofa, escritora, feminista e negra. Foi eleita e vai ocupar a cadeira deixada por Lygia Fagundes Telles na Academia Paulista de Letras. Reconhecimento mais que merecido. O Brasil tem aprendido muito sobre o racismo a partir de sua visão e livros.”).
E o PT das antigas, que adorava machões de fuzil na mão? Dirceu sumiu, e Lula parece estar preso num esquete de Hermes & Renato. Segundo nos conta a Folha, ele "adaptou parte de suas falas para agradar à fatia da militância que abraça a defesa das mulheres, dos negros, da população LGBTQIA+ e dos indígenas, mas escorregões nessa cartilha ainda causam desconforto em sua base. As queixas, geralmente feitas em privado para não respingar na candidatura, giram em torno do uso de palavras como 'índio' (em vez de indígena) e 'escravo' (no lugar de escravizado) e de referências que contrariam, por exemplo, os veganos, com repetidas alusões a churrasco e picanha".
Este não é o Lula do pobre que come picanha andando de avião. Este é o Lula vegano que quer zerar emissões de carbono. Este é o Lula pós-Lava Jato. Seu único diferencial entre os demais candidatos da oposição a Bolsonaro é ter carisma; quanto à ideologia, dá na mesma, pois é tudo ESG.