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Bruna Frascolla

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Estados Unidos

O “banho de sangue” de Trump é contra o liberalismo econômico

Fábrica de aço fechada na Pensilvânia durante o governo Reagan. (Foto: CyberXRef/Creative Commons)

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Por ora, a última polêmica ligada a Trump é a do “derramamento de sangue” (bloodbath). Cá do Brasil, a coisa me foi apresentada pelas redes sociais da seguinte maneira: a mídia tradicional dos EUA teria sido desmascarada por noticiar, sem dar o devido contexto, que Trump prometera um banho de sangue em caso de derrota eleitoral sua; mas os tuiteiros de direita, amplificados por Elon Musk, mostraram a farsa para milhões de pessoas no mundo inteiro.

Em primeiro lugar, convém não se exaltar muito com a audiência das redes sociais, sobretudo quando o seu país é o mais importante do mundo e a sua língua é o inglês, a atual língua franca global. Essa audiência que eles comemoram inclui a mim, uma brasileira residente no interior da Bahia que já não tinha a menor simpatia por Biden. Minha opinião não interfere em nada nas eleições dos Estados Unidos! Ao que parece, portanto, a síndrome de “o mundo está vendo!!!” acomete não só a direita brasileira, mas também a dos EUA. Se 100 milhões de internautas mundo afora virem um tuíte pró-Trump, isso vale muito menos do que 100 milhões de telespectadores nos EUA vendo uma notícia anti-Trump da mídia tradicional.

Vamos agora ao tal contexto da declaração. Num comício em Ohio, Trump, bem exaltado, dizia: “Dentro de 30 anos, o México tomou 34% da fabricação de automóveis em nosso país. A China agora está construindo plantas gigantescas, nas quais vão fabricar os carros no México, e eles acham – acham – que vão vender esses carros dentro dos Estados Unidos sem nenhum imposto na fronteira. Deixe eu falar uma coisa pra China. Se você estiver ouvindo, Presidente Xi (nós somos amigos, mas ele sabe como eu negocio): as plantas gigantes e monstruosas que você está construindo agora no México, você pensa que vai pegar isso, e não vai contratar americanos, e vai vender os carros para nós. Nós vamos pôr uma tarifa de 100% em cada carro que cruze a fronteira, e você não vai conseguir vender esses carros, se eu for eleito. Agora, se eu não for eleito, vai ser um massacre (bloodbath) de tudo – e isso vai ser o de menos. Vai ser um massacre para o país. Isso vai ser o de menos. Mas eles não vão vender esses carros.”

A campanha de Biden e a imprensa sua aliada, naturalmente, fizeram um alarde dizendo, ou dando a entender, que Trump prometia um novo assalto ao Capitólio, quiçá uma guerra civil, caso o resultado das urnas não lhe fosse favorável. O lado Republicano (talvez dizer “pró-Trump” seja demais) aproveitou para mostrar como a mídia mente, pois distorceu uma evidente metáfora.

Se 100 milhões de internautas mundo afora virem um tuíte pró-Trump, isso vale muito menos do que 100 milhões de telespectadores nos EUA vendo uma notícia anti-Trump da mídia tradicional

É verdade que há uma metáfora evidente. A questão legítima é se foi só metáfora, mesmo. Eu, assistindo ao vídeo, vendo a entonação e as expressões faciais, achei ambíguo. Trump pode estar só fazendo uma avaliação da realidade (a saber: os EUA serão massacrados), mas é impossível excluir que ele tenha uma vingança violenta (banho de sangue) em mente.

De todo modo, como não tem leitor de mentes e não pode deslindar as reais intenções de Trump, a imprensa deveria focar no inequívoco: a análise que Trump fez da realidade econômica dos EUA. Infelizmente essa análise, que é de interesse público, passou despercebida. A história acabou sendo convertida em duas cantilenas batidas da esquerda e da direita norte-americanas: "como Trump é violento", e "como a mídia mente".

O que estava em questão no discurso de Trump era o fracasso do neoliberalismo nos EUA. O estado do discurso, Ohio, integra o Cinturão da Ferrugem, a área industrial que se deteriorou com a desnacionalização do capital promovida pela Escola de Chicago e propagandeada por Reagan e Thatcher. Ora, se o capital pode se movimentar facilmente pelo mundo globalizado, não há razões para as empresas (até então) nacionais dos EUA manterem os empregos dentro do país: os países pobres oferecem trabalhadores que aceitam trabalhar por menos. Compensava fechar as fábricas nos EUA e abri-las no México, na China ou no Brasil.

Importa reconhecer que isso foi uma iniciativa das elites dos EUA, não uma artimanha chinesa. A China, que era bem mais pobre do que o Brasil, não estava em condições de obrigar ninguém a comprar suas manufaturas. A população chinesa ganhou muito com a abertura. Isso se deu, porém, às expensas do trabalhador dos EUA. Dentro da potência capitalista, o enriquecimento de uns pouquíssimos (os donos do capital) ocorreu às expensas do empobrecimento do operariado. A transnacionalização do capital acabou com a era em que um trabalhador conseguiria ter um emprego estável para sustentar a sua família, segundo os parâmetros conservadores do pai que provê para a prole e para a esposa que cuida da casa. Costuma-se culpar o avanço tecnológico, mas a exportação de postos de trabalho não pode ser esquecida.

No último artigo, vimos que aquilo que hoje se chama de conservadorismo é, na verdade, fusionismo, a ideologia do “liberal na economia e conservador nos costumes” que foi patrocinada a partir dos anos 50 por ONGs de ricaços.

Graças a essa propaganda, ser “de direita” hoje inclui ser a favor do liberalismo econômico. No caso em tela, o liberal econômico dirá que, como os carros carros chineses fabricados no México sairão mais baratos, é do interesse dos cidadãos dos EUA que a China implemente as tais fábricas, e que o futuro presidente não imponha quaisquer barreiras comerciais. Faltou só combinar com o eleitorado. De que o eleitorado vai viver? De um Renda Mínima, à la Suplicy? Pois bem, a lendária proposta de Suplicy vem do “imposto negativo” do neoliberal Milton Friedman. As origens deste, porém, remontam à Lei de Speenhamland (da época da Revolução Industrial), e há literalmente séculos se sabe que o efeito dessa política é a desindustrialização (escrevi sobre o assunto aqui). As elites dos EUA resolveram deixar sem brios os cidadãos do seu país, dando-lhes dinheiro de seguro social para que comprassem drogas, sem esperanças de constituir família e dar-lhe uma vida digna por meio do trabalho. Todo o mundo sabia que famílias requerem estabilidade, antes de o fusionismo espalhar por aí a ideia de que dá para tocar uma vida conservadora num mundo de competição incessante.

Não veremos nada disso sendo discutido pela Nova Direita aqui. Trump é bom porque está contra Biden. Biden é mau por ser “marxista cultural”, “comunista” ou algo assim. Temos que abrir as fronteiras do mundo todo e deixar o Deus Mercado ajustar as coisas, independentemente da nossa vontade, porque os influencers disseram que isso é ser conservador e o contrário disso é comunista.

Não veremos nada disso sendo discutido pela Nova Direita aqui. Trump é bom porque está contra Biden. Biden é mau por ser “marxista cultural”, “comunista” ou algo assim.

O trumpista brasileiro acha que Trump tem apelo popular porque fala mal do wokismo. Isso só mostra como a qualidade intelectual da Nova Direita brasileira. E aqui me refiro tanto a escritores quanto a jornalistas mesmo, já que a cobertura factual não raro se deixa enviesar pelas lentes do jornalista. A direita “conservadora” (leia-se: fusionista) é incapaz de enxergar o “comunismo” do seu querido Trump porque não se dá ao trabalho de procurar fatos que contrariem sua paupérrima, simiesca, visão ideológica.

Por último, é bom frisar que tanto a Nova Esquerda (largamente financiada por bilionários) quanto a Nova Direita tendem a transformar num problema racial o que é um problema de classe. Se há muita desordem num país desindustrializado, o identitário vai pedir uma quota racial, e o fusionista vai pedir que expulsem as pessoas da raça errada. Não dá para sair abraçando qualquer coisa que apareça por aí como "direita" só por ser contra a "esquerda". Seus financiadores são os mesmos.

Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

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