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Há um método tão comum quanto deplorável de decidir questões de fato com base em política, e de decidir questões políticas segundo picuinhas. Se o meu inimigo político disser que Paris é a capital da França, é preciso fazer uma checagem de fatos mui pernóstica para concluir que Paris capital da França é fake news, uma vez que a cidade artificial construída deliberadamente para ser a capital francesa é Versalhes.
É verdade que isso não vem ao caso e Paris é a capital da França, mesmo que Versalhes tenha sido construída para ser capital. Mas a turba raivosa estará com o link de uma checagem de fatos debaixo do sovaco e xingará com estridência quem diz o contrário. Xingará desconhecidos e conhecidos na internet. Xingará na internet e no almoço de família. Depois fará discursos piegas lamentando “o ódio”, que vem sempre dos outros.
Se isso não aconteceu, é só porque nenhum líder político veio a público dizer a platitude de que Paris é a capital da França. Muito bem, dado que líderes políticos não costumam vir a público para afirmar platitudes.
Mas líderes políticos devem vir a público dizer algo que consideram ser verdade, quando esta é uma verdade que julgam importante. Tal foi o caso de Jair Bolsonaro com o tratamento precoce.
De fato, no início ele causou a impressão errônea de que a hidroxicloroquina sozinha era uma panaceia. Uma vez estabelecido isto (e considerando-se também que depois ele nuançou a fala), o que quero discutir aqui é a conduta política tomada por outras partes com relação aos variados tipos de tratamento de covid anterior à hospitalização.
A pílula do câncer não foi “genocídio”, mas tratamento precoce é
Com uma visão superficial, é razoável nós leigos colocarmos o tratamento precoce no mesmo balaio da famigerada fosfoetanolamina. A pílula que continha a substância ficou conhecida como “pílula do câncer”, capaz de curar “o câncer” em geral, não um tipo de câncer em particular. Segundo seus defensores, a medicina negaria a eficácia dessa pílula porque ela sozinha iria acabar com o negócio do tratamento de câncer. Existiria uma conspiração da “Big Pharma” (as megacorporações da indústria farmacêutica) contra um tratamento simples e barato.
Tudo começou quando um professor de química da USP passou a usar o laboratório para produzir pílulas de fosfoetanolamina e ofertá-las a doentes de câncer como tratamento oncológico. Como isso era irregular, a USP finalmente interrompeu. Convencidos da eficácia da pílula, os doentes fizeram todo tipo de pressão sobre os políticos a fim de liberar a pílula. Em outubro de 2015 um deputado do PT mineiro apresentou um projeto de lei que começava assim: “A União garantirá o fornecimento, em larga escala e pelo tempo necessário, da Fosfoetanolamina Sintética aos portadores de neoplasia que estão sob condição de terapia paliativa e fora de condição terapêutica descrita através da medicina convencional.” O embasamento era a eficácia promissora.
Em fevereiro de 2016, o deputado Jair Bolsonaro apresentou à Câmara um projeto de lei que defendia a liberação do uso compassivo da fosfoetanolamina em pacientes oncológicos. Ou seja, tratava-se de deixar usar por compaixão, sem se comprometer com a eficácia ou a segurança do medicamento. Era mais modesto na escala e mais abrangente entre os pacientes: “Fica autorizado o uso compassivo da fosfoetanolamina sintética por parte de portadores de neoplasia, independentemente de terapia realizada com base na medicina tradicional.” O embasamento era o “direito de tentar” existente em alguns estados dos EUA.
O projeto foi apensado ao do petista, que acabou não sendo aprovado. Viu-se então uma briga na Câmara pelo protagonismo sobre a questão da fosfoetanolamina. Ao cabo, aprovou-se um outro projeto de lei como meio mundo de autores, que tirava tanto a parte do uso compassivo quanto a distribuição assegurada. Quem quisesse, usava. A argumentação era que não tinha eficácia comprovada, mas os doentes queriam usar.
O Senado aprovou, Dilma sancionou. Só quem torceu o nariz foram a Anvisa e o CFM. Depois o STF acabou desfazendo a lei, acionado pela Associação Médica Brasileira. (Mas se encontra a pílula online à venda.)
Assim, olhando as coisas politicamente, isto é, sem entrar no mérito da biologia envolvida, a semelhança entre o tratamento precoce e a pílula do câncer vai só até a página dois. Em 2016, os políticos não acharam problemático permitir um possível tratamento ineficaz para satisfazer os doentes. Em 2021, os políticos acham que é genocídio (sic) permitir um possível tratamento ineficaz para uma, e apenas uma doença: covid-19. Homeopatia e outros tratamentos sem comprovação científica são não só permitidos como oferecidos pelo SUS. Não é estranho?
Para piorar, os políticos não apresentam nenhum tratamento pré-hospitalar; sua receita é esperar ficar mal e ser intubado. Intubado, a morte é quase certa: chegou a 88% em fevereiro deste ano, neste país. Se o tratamento precoce for eficaz (e há indícios de que seja), as 500.000 mortes têm um culpado mais fácil de apontar do que o presidente.
Diferenças políticas importantes entre câncer e covid
A explicação para a supressão estatal do tratamento precoce lembra muito a teoria conspiratória usada pelos pacientes da pílula do câncer: é do interesse da Big Pharma que vacinas de eficácia e segurança duvidosas sejam empurradas como solução única para a covid.
Aqui cabe apontar algumas diferenças importantes: em primeiro lugar, o câncer é uma doença conhecida desde tempos imemoriais, enquanto que a Big Pharma é coisa da segunda metade do século XX. Quais as chances de um único composto existente na natureza ser a solução para qualquer câncer e ter passado despercebida por milênios?
Em segundo lugar, notemos que a fosfoetanolamina foi defendida sobretudo pelos doentes (sob possível efeito placebo) e por um químico. Quais as chances de um acadêmico da química, em vez de um acadêmico das biológicas, descobrir a cura do câncer e não conseguir convencer médicos nem acadêmicos das biológicas? Médicos são obviamente muito menos crédulos do que doentes terminais.
O caso da covid é bem diferente. Quanto à doença em si mesma, nós já sabemos que seu vírus começou a ser criado num laboratório com financiamento dos EUA (pelo NIAID, o CNPq deles); já sabemos que a pesquisa (e o financiamento) foi para Wuhan, e que houve uma conspiração acadêmico-burocrática para fazer de conta que surgira da natureza. Pior: sabemos que um dos envolvidos na criação do vírus, o Dr. Fauci, é o burocrata responsável por gerir a pandemia nos EUA.
Existe ao menos uma conspiração entre burocratas norte-americanos e acadêmicos, que consistiu em pegar dinheiro do governo para financiar pesquisas danosas à humanidade. Resta saber se uma conspiração dessa natureza não poderia envolver também a Big Pharma.
Vamos à outra diferença: no caso do tratamento precoce, a iniciativa partiu dos médicos. A popularidade da hidroxicloroquina, primeira droga mundialmente conhecida como parte do tratamento precoce, se deve à iniciativa de um médico de família dos Estados Unidos chamado Vladimir Zelenko que gravou um vídeo no Youtube pedindo que o presidente o ouvisse. Uma vez na boca de Trump, a nova correu o mundo e foi testada por médicos. Digamos que o tratamento precoce é um movimento de médicos, enquanto que a fosfoetanolamina foi um movimento de doentes desesperados. Inclusive chama a atenção, na mídia brasileira, a falta de médicos com experiência em covid entre as celebridades da pandemia. Apareceu até cantora.
Quanto aos acadêmicos, tornou-se referência um microbiologista que vivia como youtuber em canal nerd. Já o seu orientador, um virologista com trabalho reconhecido sobre Zika, súbito virou “genocida”. (Refiro-me a Átila Iamarino e a Paolo Zanotto. A relação de orientação podia ser verificada por qualquer um antes do apagão da Plataforma Lattes.)
Last, but not least, as matérias do jornalista David Ágape nesta Gazeta dão indícios contundentes de que há, na burocracia, gente capaz de matar para desacreditar um tratamento.
O precedente da perseguição a psicoterapeutas pela ideologia de gênero
No entanto, talvez a razão mais forte para acreditarmos na possibilidade uma conspiração entre acadêmicos, burocratas e Big Pharma contra a medicina boa e barata é o fato de que ela já ocorre no primeiro mundo com as “clínicas de gênero.”
Resumo aqui o que você pode encontrar com detalhes em “Irreversible Damage”, de Abigail Shrier, e em alguns artigos desta Gazeta. Em alguns estados dos EUA, tendo como proa a Califórnia, já se ensina teoria de gênero às crianças da pré-escola. Ninguém nasce homem ou mulher, e existem pessoas “não-binárias” que se situam entre ou fora do “espectro de gênero” cujos extremos são homem e mulher. Toda menina que não seja uma Barbie é uma “gender non-conforming”, assim como todo menino que não seja um mini-caminhoneiro. Essas crianças e adolescentes são alvos potenciais das “clínicas de gênero” e dos psicólogos especialistas em gênero.
Nas mãos deles, essas crianças e adolescentes recebem a terapia afirmativa de gênero, que consiste em dizer que elas pertencem ao sexo oposto. As escolas e faculdades não informam aos pais que seus filhos são tratados por professores e colegas por um novo nome, do sexo oposto. Na faculdade, recebem gratuitamente hormônios do sexo oposto também sem conhecimento dos pais. No Canadá, um pai que insiste em chamar a filha de filha acabou preso por isso, que é entendido como violência doméstica.
Disforia de gênero é coisa velha; sempre existiram homens que dariam tudo para terem o corpo feminino. O estado da arte até pouco tempo era: o mal acomete muito mais meninos do que meninas, surge na primeira infância e em geral passa na adolescência. A criancinha disfórica virava um adolescente gay. Em casos raros, a disforia não passava. A primeira tentativa dos terapeutas era combater a disforia sem mexer no corpo, cientes de que os procedimentos são graves e experimentais. Somente quando achavam que os riscos valiam a pena, aconselhavam a fase médica.
O estado de coisas desde a moda trans é totalmente diferente. O público não é mais de criancinhas do sexo masculino, mas sim meninas no início da puberdade. O procedimento inicial é o “botão de pausa” ou “bloqueador de puberdade”; na verdade trata-se de Lupron, um remédio de castração química que interrompe a puberdade quando dado a crianças. Assim, um caso clássico de disforia de gênero não passaria pela fase que cura o seu problema.
O Lupron vem junto com o tratamento afirmativo. Se a menina está ansiosa com a adolescência e resolve dizer que é menino, o terapeuta vai dar o “botão de pausa” para ela pensar mesmo se quer ser menino ou menina e começar – junto com todos na escola – a chamá-la por um nome escolhido. Depois, “decidida” a ser menino, vai tomar hormônio masculino e correr altíssimos riscos de infarto. O Lupron dá problemas ósseos por toda a vida. E ter filhos, nem pensar.
Os pais muitas vezes aceitam isso por não serem informados dos riscos e por serem assustados com estatísticas de suicídio em transexuais. Acreditam que se a filha não transicionar, vai se matar. Esta Gazeta mostrou a história de alguns pais mais espertos que deram um jeito de fugir com os filhos para impedir que o Estado os tomasse.
Médicos que não aderiram a esse novo “tratamento” tiveram, em alguns estados, as suas licenças cassadas. Suas reputações foram aviltadas. Ser contra o “tratamento afirmativo de gênero” é o mesmo que ser um terrível transfóbico e radical de direita.
Nisso, as clínicas de gênero faturam horrores com montanhas de mastectomias e castrações. Veem multiplicadas as suas receitas os laboratórios que fabricam supressores hormonais e hormônios – tudo coberto pelos planos de saúde dos EUA.
Temos aí articuladas burocracia, Big Pharma e academia. Junto de uma conspiração dessa natureza, a da covid fica quase modesta. Se nos países ricos essa tríade consegue perseguir psicoterapeutas honestos e convencer o público de que é bom castrar crianças e adolescentes, perseguir médicos para mandar o povo morrer intubado é bobagem.