Elon Musk alterou a censura do Twitter, permitindo falar de efeito colateral de vacina e proibindo pornografia infantil| Foto: EFE/ John G. Mabanglo
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Desde o século XX, censura e propaganda andam de mãos dadas. Durante a I Guerra Mundial, os EUA criam o primeiro departamento de propaganda do mundo, o Comitee of Public Information (Comitê de Informação Pública), de George Creel. George Creel era jornalista e, no governo Woodrow Wilson, se empenhou tanto em difundir informações entendidas como verdadeiras quanto em punir informações entendidas como falsas. Quem decidia o que era verdadeiro e falso era o governo dos EUA. Agentes de desinformação, rotulados como kaiseristas, deveriam ser denunciados anonimamente, e poderiam ser presos por críticas ao governo feitas em privado, dentro de casa.

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O entendimento do juiz Oliver Wendell Holmes de que a Primeira Emenda implicava a liberdade de expressão irrestrita, salvo em caso de dano iminente (como gritar “fogo” num teatro lotado), foi usada justamente para defender a censura de coisas reputadas como perigosas pelo governo durante a guerra. O problema da liberdade de expressão limitada somente em caso de dano é o mesmíssimo da censura à desinformação ou “fake news”: cabe ao arbítrio do poderoso (o juiz, no caso dos EUA) decidir o que é dano, bem como decidir o que é verdadeiro ou falso. Para ser mais proibicionista, basta exagerar os danos iminentes; para ser mais liberal, basta negá-los. O que era para ser uma discussão de princípios vira uma discussão de fatos. Deveria ser mais fácil discutir fatos do que princípios, mas a afirmação de um fato pode ser censurada por causar danos. O censor tem direito aos seus próprios fatos.

O resultado disso foi que nos EUA ficou impossível, em tempos de paz, discutir democraticamente a censura baseada em princípios. Isso coincidiu com a expansão do rádio e com o surgimento da TV, que se tornaram instrumento de propaganda da contracultura. Alguns milionários podiam fazer propaganda de práticas que violassem os costumes da maioria, mas a maioria não podia se defender por meio de projetos de leis que censurassem algumas coisas. Se o aborto era visto como uma coisa ruim nos EUA durante os anos 50 (nem a Planned Parenthood o defendia), hoje a maioria da população de lá o enxerga como um direito.

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Os EUA dominam o Ocidente desde a II Guerra. O surto censório que estamos vendo aqui é só uma consequência disso – vejam que a censura que os nossos “democratas” defendem se escora toda na noção de dano iminente. As pessoas vão morrer se ouvirem críticas às sacrossantas vacinas de mRNA. A democracia vai acabar se as infalíveis urnas eletrônicas forem postas em dúvida, ou se o STF deixar de existir por causa da crítica a alguns ministros. E assim em diante. Todos amam a liberdade de expressão; é que criticar as urnas, os ministros do STF e as vacinas de mRNA é como gritar fogo num teatro lotado.

Reviravolta no Twitter

A questão da pandemia deve (ou deveria) ter servido para lançar os holofotes para o contraste entre o que a censura permite e o que a censura veta. Médicos que discutissem os efeitos colaterais eram censurados de todas as Big Techs, Youtube incluso. Mas traficantes estavam liberados para divulgar os seus proibidões com apologia das facções, da posse de armas ilegais e de acesso a drogas ilícitas. Médicos deixaram de ser pessoas respeitáveis. Os bandidos, como se sabe, são vítimas da sociedade, e o vício em drogas, longe de ter um aspecto moral, é uma questão puramente técnica; uma questão de saúde pública. No âmbito nacional, a youtuber Bárbara Destefani, do Te Atualizei, deu um depoimento ao Senado que enfatizou essa discrepância: ela, uma dona de casa que comenta notícias num canal de Youtube, tem menos direitos do que traficantes. A resposta na ponta da língua dos progressistas é que ela “ameaça a democracia”, portanto é perigosa demais para continuar falando livremente no Youtube.

É um erro, porém, pensar que isso seja uma exclusividade brasileira. Tal como na I Guerra, essa censura é arquitetada pelo governo dos EUA. Veja-se esta matéria desta Gazeta, na qual somos informados de que “o governo americano promove reuniões a portas fechadas com plataformas privadas, para, por meio de pressão, 'tentar moldar o discurso online'. As pautas dos encontros vão desde o escopo da intervenção governamental no que é dito na internet até formas de simplificar os pedidos de remoção de informações supostamente falsas.” Os EUA continuam tendo um Comitê de Informação Pública; a diferença é que ele é velado, opera em parceria com gigantes privadas e interfere em outros países. Como o nosso.

Esse cenário, porém, sofreu um abalo com a compra do Twitter por Elon Musk. Não temos como saber agora se ele é apenas um empresário privado, porque não sabemos o que se passa nos bastidores da política dos EUA – ao que parece, nem Trump sabia, e por quatro anos conviveu com uma burocracia que no mínimo fomentara o boato de que ele é um agente da Rússia e, depois, se empenhara em censurar a notícia do laptop de Hunter Biden durante a eleição.

Ainda assim, sabemos com muita clareza uma coisa sobre a compra do Twitter por Elon Musk: ele alterou a censura da plataforma. Agora todos podem falar de efeito colateral de vacina, por exemplo. E – o que é mais chocante para mim – agora não se pode mais vender pornografia infantil. Após a compra, soubemos que existiam hashtags conhecidas para a venda de pornografia infantil, e que Elon Musk as derrubava. A responsável por viralizar a informação foi a ativista Eliza Bleu. A julgar pelo que ela posta no Twitter, tráfico de menores de idade é um problema em ascensão nos EUA, e é um problema doméstico. Existe a figura do groomer virtual (traduzamos como “aliciador”) que seduz menores de idade pela internet e os estimula a fugir da casa dos pais. A própria ativista foi vítima.

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O termo groomer vinha sendo censurado pelo Twitter. O perfil do filósofo James Lindsay, que vivia fazendo campanha contra aliciadores, foi restabelecido com a compra por Elon Musk.

Propaganda de abuso infantil?

Como vimos na última coluna, uma das coisas propagandeadas entre nós com ares de ciência e empatia é o uso de drogas. O Twitter tampouco se empenhava em combater facções narcotraficantes. Esta Gazeta certa feita denunciou, numa matéria, as contas do Comando Vermelho, e o Twitter, após a denúncia jornalística, deletou-as. No entanto, a proibição não foi duradoura e logo voltaram a aparecer contas do Comando Vermelho. Ontem um político fluminense de selo azul abordou Elon Musk no Twitter e solicitou que as contas do Comando Vermelho fossem apagadas. O magnata respondeu com presteza e agora, pelo menos, não parece haver nenhuma conta indisfarçada do Comando Vermelho. Como foi possível o Comando Vermelho e várias seccionais terem conta no Twitter com o nome “Comando Vermelho”, sem nem se dar ao trabalho de esconder? Já sabemos: os censores julgam que narcotráfico não é errado. Errada é a polícia, que mata as vítimas da sociedade. Perigosos são os médicos, a dona de casa youtuber…

Será que a pornografia infantil e o aliciamento de menores também não são ativamente promovidos por essas plataformas? Num perfil verificado chamado Jeffrey Marsh, um macho da espécie, com fala macia de psicóloga infantil e maquiagem colorida, diz ser uma pessoa trans não-binária. Discursa sobre como o mundo é injusto com pessoas trans e, em algumas de suas mensagens motivacionais, se anuncia como mãe daqueles que são rejeitados pelas famílias. Quando perguntada se sente atraída por homens ou mulheres, a pessoa responde que se sente atraída por qualquer pessoa de boa aparência com a qual possa se conectar espiritualmente. Por acaso, nunca se sentiu atraída por uma mulher. Não temos como saber da vida privada de Jeffrey Marsh, mas o que ele torna público nessa entrevista afixada em seu Twitter é que é normal ou aceitável sentir-se atraído sexualmente por pessoas que não são homens nem mulheres, desde que sintamos conexão espiritual com elas. Nós temos conexão espiritual com crianças, e com certeza crianças têm boa aparência. Tirem a conclusão por conta própria.

Essa pessoa tem Twitter, Instagram e Tiktok. Ultimamente parece mais ativa nestas duas últimas redes sociais, que os pais deixam as crianças usarem à vontade.

Pais abobados e desinformados

Mas se quisermos falar em propaganda de abuso infantil, dia desses tivemos um baita elefante na sala, que foi a propaganda da Balenciaga, uma grife luxuosíssima e caríssima que achou uma boa ideia botar crianças segurando ursinhos com apetrechos de sadomasoquismo, além de uma bolsa lançada em cima de papéis de uma decisão da Suprema Corte sobre pornografia infantil online.

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Neste artigo, uma especialista fala aquilo que qualquer um que trabalhe com o assunto pode lhe dizer: hoje pré-adolescente manda nude. E a matéria traz também um dado importante dos EUA: aos 11 anos, mais da metade das crianças já tem smartphone.

Hoje há propagandas e campanhas de conscientização sobre uma porção de coisas: gordofobia, Covid, racismo, machismo, homofobia, dengue, cigarro (de tabaco), fake news, álcool e direção, urnas eletrônicas… Sumiu a propaganda contra as drogas. Já as campanhas de conscientização dos pais para os riscos de dar smartphone pra criança, essas nunca vieram à luz.

Por quê?

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]