Por mais que haja diversidade de opiniões políticas, as relações pessoais tendem a juntar pessoas com uma mentalidade parecida. Quem tem ensino superior, por exemplo, passa mais tempo conversando com quem também tem. E nesse nicho, entre ateus e católicos, há pouca gente disposta a defender a crença em milagreiros. Podem até encomendar suas mandingas, mas dificilmente se gabarão disso, com medo de parecerem uma tia zen dos incensos ou uma neopentecostal analfabeta. Assim, embora eu seja uma cética, tenho poucas ocasiões para desenferrujar o meu ceticismo no que concerne a eventos sobrenaturais. E bastou alguém tentar me convencer dos poderes mágicos de cura de um religioso não-ocidental para eu ver que está tudo em ordem com o meu ceticismo.
Ouço aquele tipo de relato muito enfático dizendo que eu não vi as coisas que ele viu, e que foi curado de uma doença incurável, para a qual os médicos não davam esperança alguma. Disso depreendo que o curado certamente acredita nos poderes do curandeiro. Como a doença não mais se manifesta, infiro que a doença tem que ter fundo emocional: o curandeiro mexeu com a cabeça, e isso fez com que a doença parasse de se manifestar.
Vou ao buscador e voilà: a doença, psoríase, não tem uma causa bem determinada – junta-se genética, alimentação etc –, mas é desencadeada por depressão e angústia.
Por alguma razão não muito bem conhecida, a pele de algumas pessoas se abre em feridas padronizadas quando estão deprimidas ou angustiadas. Como essas pessoas ficam todas perebentas e aparentam ter algo de contagioso, isso as deixa mais deprimidas e angustiadas, o que faz com que as feridas pipoquem, ficando assim mais deprimidas e angustiadas, e… No caso de um indivíduo que não era um cético como eu, um curandeiro mexeu na cabeça e resolveu o problema.
Que faria o cético?
Uma vez estabelecido que o problema estava na cabeça, que faria em seu lugar alguém como eu, que não acredita em autoridades sobrenaturais? Pessoas assim costumam procurar o conhecimento científico disponível para pensar o assunto e resolvê-lo. Há um bom tempo o padrão é considerar que depressão é um problema que pode ser resolvido com auxílio medicamentoso – ainda que sempre se diga, da boca pra fora, que o auxílio do psicólogo é fundamental.
(Da boca pra fora, porque na prática os psicólogos servem para mandar as pessoas para o psiquiatra, que passa remédio. E à medida que essa prática vai se disseminando, os pacientes vão por conta própria dando seu jeito de conseguir as drogas legais com o menor número possível de intermediários. Vide o caso da Ritalina e dos remédios para dormir.)
Pois muito bem: antes da pandemia, um cético teria poucos motivos para aplicar seu ceticismo à dita Ciência, que na verdade é um corpo de acadêmicos comprometidos com a indústria farmacêutica que os financia. Antes da pandemia, é possível que o cético quisesse tratar sua psoríase seguisse o protocolo de procurar o psicólogo, que então o enviaria para o psiquiatra, que então passaria um antidepressivo. Esse antidepressivo teria grandes chances de ser fluoxetina, um antidepressivo popular. O cético leria a bula e descobriria que lá está a perda da libido entre os efeitos colaterais. É de se presumir que um indivíduo privado de libido deprima, e, uma vez deprimido, seja a levado a tomar mais remédios que tiram a libido, e, sem libido, deprima, e… Bom, aí tem-se uma situação análoga à da psoríase, só que inteiramente induzida por medicamentos.
O Brasil não é bom em produzir dados. Quando produz, não raro são deliberadamente distorcidos por ideólogos – como os do IGBE, que decidiu que pardos são negros. Assim, resta-me usar a experiência própria e alheia para tentar dizer como é a realidade.
De minha parte, notei que quem tem da minha idade pra baixo e é de classe média cresceu indo para psicólogo, e de lá saem para o psiquiatra e recebem algum diagnóstico. (Eu já contei que eu escapei!) Falam com uma naturalidade de troca de remédios psiquiátricos que me deixa boquiaberta.
Um amigo mais velho do que eu, formado em psicologia, tem há anos o hábito de paquerar moças de classe média com vinte e poucos anos. Segundo ele me conta, o normal delas e de suas colegas de escola é tomarem antidepressivo desde os quinze anos. E não se masturbam. Talvez essas feministas todas que ficam fazendo oficina de siririca em federal sejam quimicamente castradas desde a adolescência, e por isso sejam tão obcecadas por prazer sexual. (Que pessoa normal chega à universidade precisando de aula para para aprender a se masturbar?)
Crédulos dos remédios
Se o Brasil não mede as coisas direito, o Reino Unido mede. Segundo conta Eli Vieira nesta matéria, “um em seis adultos britânicos tomam ou tomaram antidepressivos” em 2019 e 2020. Esse cenário não poderia estar ligado à queda de natalidade na Europa?
De todo modo, trago o artigo de Eli porque, assim como eu encontrei alguém que me dissesse que feitiçaria cura psoríase, na certa aparecerão pessoas que digam que tomaram antidepressivos e foram curadas da depressão. E como a depressão, assim como a psoríase, é assunto da cabeça, cabe a pergunta: e se o ato de tomar o remédio acreditando na sua eficácia não for o que basta para curar-se? Há quem confie no curandeiro e há quem confie no médico. Se o primeiro cura, falamos em “força da fé”; se o segundo cura, devemos perguntar se não foi o famigerado efeito placebo.
Segundo trouxe Eli, os estudos nos quais se baseiam a aprovação de antidepressivos consistem justamente em comparações entre os efeitos do placebo e os do remédio. Tais estudos podem ter qualidade melhor ou pior. Cito Eli: “Horowitz e Wilcock apontam que muitas das evidências a favor dos antidepressivos das duas classes mais usadas hoje vêm de estudos com controle de placebo que duraram entre seis e 12 semanas. Em um dos poucos estudos com maior duração, envolvendo mais de 4 mil pacientes durante um ano, somente 2,7% melhoraram. […] Há vozes discordantes entre os especialistas, mas um quadro geral, segundo os autores, é que os atuais antidepressivos deixam a desejar no tratamento do transtorno. A Cochrane, que publica revisões rigorosas de tratamentos médicos, chegou a perguntar se vale a pena prescrever antidepressivos, dado que alguns deles chegam a aumentar o risco de suicídio em comparação com o placebo. A avaliação da Agência de Medicamentos Europeia (EMA) é mais otimista, mas os autores da nova revisão levantam dúvidas a respeito dos métodos da entidade.”
Os antidepressivos, ao contrário da feitiçaria, têm efeitos colaterais. Assim, é perfeitamente plausível que sejam piores do que placebo. Mas se for verdade que os antidepressivos criam o mal que combatem, é verdade também que os laboratórios têm um belo pretexto para corromper agências reguladoras do governo. Vão vender água salgada para um perpétuo número de sedentos.
Rumos da pesquisa acadêmica
O próprio efeito placebo não deixa de ser interessante em si mesmo; afinal, mostra que há problemas físicos para os quais a solução não é medicamentosa. O impacto da mente sobre a saúde física não é nenhuma novidade, já que a existência de fenômenos psicossomáticos não é negada. O ponto interessante é que abanamos a mão e dizemos “Ah, isso é psicossomático”, em vez de estudarmos os efeitos que os pensamentos e o estado de espírito têm sobre a saúde física das pessoas. O estudo desse tipo de solução estaria em oposição aos interesses da indústria farmacêutica.
Se a psicologia clínica continuar sendo uma área degradada das ciências humanas, isso estará em conformidade com os interesses dessa mesma indústria.
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