| Foto: Bigstock
Ouça este conteúdo

Na coluna anterior, vimos que a feminista pós-liberal Louise Perry critica a revolução sexual criando um paralelo com a desregulação do livre mercado. Tal como, num mercado inteiramente desregulado, há quem aceite trabalhar por um prato de comida e isso afeta a vida dos demais trabalhadores, no livre mercado sexual há mulheres que se sujeitam a qualquer coisa, e isso afeta a vida das demais. Afinal, a propaganda da revolução sexual vende a mentira de que a sexualidade da mulher é idêntica à do homem. Mulheres tipicamente sentem necessidade de intimidade, de conexão emocional, para fazer sexo. Homens, não.

CARREGANDO :)

Os acadêmicos anglófonos botaram o nome de “sociossexualidade” nessa vontade de transar sem envolvimento emocional. Valendo-se desse termo, Louise Perry diz que há uma lacuna de sociossexualidade, a saber: há muito mais homens querendo transar sem compromisso do que mulheres querendo fazer o mesmo, de modo que não há como atendê-los. Segundo ela, esse é um problema inerente à natureza humana. A solução mais tradicional para isso é a prostituição, que é crime em boa parte do mundo de formação protestante. Assim, a solução que eles acabaram encontrando após a revolução sexual consistiu em borrar as diferenças entre a mulher normal e a prostituta, fazendo com que todas estivessem sujeitas a transar com mais homens do que gostariam, e sem intimidade. Isso é uma violência à qual as mulheres são pressionadas a se sujeitar e, segundo ela, é inerentemente errado.

É como se as mulheres tivessem um direito natural respaldado na ciência da psicologia evolutiva a não serem prostitutas nem atrizes pornôs em hipótese alguma. Eu concordo com a leitura dela dos fatos e já tinha chegado à mesma conclusão no que concerne à uniformização das mulheres por meio da prostituição (veja aqui e aqui), bem como ao fim do casamento tradicional (ela também acha que o casamento gay é uma consequência lógica do fim do casamento tradicional, e não sua causa; o casamento já tinha virado uma aventura romântica).

Publicidade

No entanto, usar a teoria da evolução para embasar a moral me parece uma verdadeira ideia de jerico. Não deu certo quando a ciência acreditava em hierarquia racial humana; não dará certo com moral sexual. Não enxergo como o argumento usado para proteger o conforto emocional das mulheres não possa ser usado para proteger o conforto emocional dos homens. Não à toa, um libertário criticado por ela propôs a ideia de alguma “Bolsa Prostituta” para resolver o problema do celibato involuntário masculino. Ela só poderia dizer “não” a essa proposta se adotasse a ética utilitarista de Mill e Bentham, segundo a qual é certo aquilo que não faz mal a outrem. Mas ela rejeita essa ética. Além disso, o argumento evolutivo já é usado por quem quer provar que os chifres são inexoráveis e científicos (como já critiquei aqui).

A essa luz, os problemas dos homens e das mulheres são similares. Por razões evolutivas, o conjunto dos homens jovens é violento e libidinoso; por isso, tem uma propensão natural a estuprar quando não consegue sexo voluntário. Por razões evolutivas, o conjunto das mulheres quer um marido e é propensa a pôr a vontade alheia acima da própria; por isso, tem uma propensão natural a se sujeitar a situações degradantes quando acha que esse é o único jeito de conseguir um marido. Ora, apesar da natureza, os estupradores têm responsabilidade e devem ser punidos. Do mesmo jeito, as mulheres têm a responsabilidade de vencer suas propensões naturais e fazer uso do bom-senso. Nós não podemos pedir direito a voto e, ao mesmo tempo, tutela sexual.

Num tempo em que se inventou o rótulo “demissexual” para descrever a sexualidade de uma mulher normal como se fosse algo exótico, as mulheres precisam ouvir que é normal não gostar de sexo casual

Ao meu ver, o trabalho de Louise Perry tem o grande mérito de dar um semancol aos homens que acham que atrizes pornôs refletem a realidade (são atrizes); e de dizer às mulheres que elas não são especialmente travadas por não se sentirem à vontade com sexo sem compromisso (são normais). Num tempo em que se inventou o rótulo “demissexual” para descrever a sexualidade de uma mulher normal como se fosse algo exótico, as mulheres precisam ouvir isso.

Louise Perry tem um mérito raro: ela é uma mulher padrão, mesmo sendo uma intelectual pública. É heterossexual, é mãe e, lendo a sua descrição de vulnerabilidade e desconforto, pude ver que ela se parece mais com uma mulher normal do que eu, que sem dúvidas tenho o traço comportamental da “assertividade”, que é mais comum entre os homens. Como escrever opinião em público significa dar a cara a tapa, esta acaba sendo uma atividade que filtra mulheres atípicas no que concerne à exposição a riscos ou à assertividade. Então se uma mulher como ela dá bons argumentos e diz que a situação das mulheres é pior do que eu imaginava, eu acredito, porque eu, sendo assertiva, tenho uma facilidade maior do que a maioria das mulheres de dizer “não”.

Publicidade

A virtude da normalidade, que ela possui, tem um lado ruim. Mulheres anormais existem; inclusive existem aquelas que sinceramente preferem se prostituir a trabalhar ou a ser boas esposas, mesmo tendo todas as oportunidades na vida. Existem mulheres que preferem ser assassinadas a ser estupradas. Existem mulheres que preferem morrer na miséria a se prostituir. A teoria da evolução não serve para uniformizar por completo a psicologia feminina – se a teoria da evolução fosse assim tão simples, não existiriam lésbicas. Assim como existe homem que não serve para marido (como diz a própria autora), existe mulher que não serve para esposa e mulher que não serve para mãe. Entre as más esposas estão aquelas que com alta “sociossexualidade”, para usar o novo termo científico.

Penso que a proibição da prostituição força à uniformização das mulheres, que é a raiz do problema atual. Assim, o ideal é algo próximo da legislação brasileira, que permite a prostituição ao tempo que desincentiva a prática proibindo o intermediário, o cafetão. Por isso penso também que esse desincentivo tinha que ser atualizado em tempos de OnlyFans e Pornhub. Tais plataformas têm que ser banidas do Brasil: a primeira por ser de intermediários e a segunda por lucrar com todo tipo de vídeo. Louise Perry relata as dificuldades que vítimas de estupro tiveram para retirar vídeos de curra dos sites de pornografia. Eles lucram por tráfego, e não têm escrúpulos contra ganhar dinheiro enquanto o processo corre na justiça. Mas ainda que eles fossem escrupulosos, a quantidade de vídeos suplanta a viabilidade de verificar se algum crime foi cometido neles. E não custa lembrar que essas plataformas não são competentes no trabalho de impedir o acesso de menores.

OnlyFans e Pornhub deveriam ser banidos do Brasil.

A virtude do livro, portanto, é a iniciativa de promover uma reforma moral. Eis uma lista de perguntas às mulheres feita para nos convencer disso: “(1) Você já considerou que a sua virgindade era um fardo embaraçoso do qual quisesse se livrar? (2) Você sente nojo ao pensar em alguma experiência sexual consentida que você teve no passado? (3) Você já se apegou a algum parceiro de sexo casual e escondeu dele esse apego? (4) Você já fez algo no sexo que fosse doloroso ou desagradável e escondeu esse desconforto do seu parceiro, seja durante ou depois do sexo? Se você não pontuou nada, parabéns: sua alta sociossexualidade lhe permitiu navegar com sucesso por um mercado sexual traiçoeiro. Mas se você respondeu ‘sim’ a alguma dessas perguntas (como eu suspeito que você provavelmente fez), é seu direito sentir raiva da cultura sexual armada para o seu fracasso.” Acrescento que, numa cultura que equivale atividade sexual a sucesso, responder “sim” na primeira é consequência lógica para qualquer fêmea que chegue à adolescência sem ter sido estuprada na infância.

Ela fez uma lista dessa para homens também, pretendendo convencê-los de que agem como cafajestes com algumas mulheres. Não creio que o leitor brasileiro precise ser convencido disso, já que nenhum hesitaria em dizer que existe mulher para casar e mulher para transar. E eu concordo, como expliquei acima. O máximo que se pode fazer nesse quesito é perguntar se todas as que foram tratadas como “pra transar” mereciam ser tratadas assim.

Publicidade

Quem vê uma atriz pornô gemendo de prazer com sexo anal se esquece de que uma atriz pornô é uma… atriz.

Mas o semancol no que concerne à pornografia é importantíssimo. Em primeiro lugar, vício em pornografia acaba gerando dessensibilização e impotência – o livro de Louise Perry toca nisso também. Para não perder o foco, dou dois exemplos, um de nicho e um mais corriqueiro, da esmola muita que os homens levam sem nem querer desconfiar. Primeiro exemplo, característico de núcleos progressistas: moça prafrentex convida amiga para fazer ménage à trois com o namorado. O homem concluiria que a moça realmente é prafrentex e gosta de provar coisas diferentes – como se fosse uma atriz pornô. Na verdade, a criatura está doida para segurar o homem; encara essa “abertura” (que na verdade é sujeição) como um diferencial que o fará ficar ao seu lado. Mas depois do ménage ela vai ter altas crises de ciúme por cismar que o homem gostou mais da amiga do que dela. O homem vai ficar perplexo, vai se lastimar aos amigos dizendo que a namorada é doida, mas a reação dela é lógica: se ela só fez isso porque temia ser deixada, é óbvio que vai morrer de ciúmes depois de testemunhar o entusiasmo com a amiga – que ainda é mais uma prafrentex que topa fazer ménage, indo para o ralo a esperança de ter um diferencial especialíssimo. A mulher em questão não é doida, é burra. E desesperada.

Outro, mais banal, é os homens terem certeza de que mulher gosta de sexo anal. Esses mesmos homens sentem repulsa pela ideia de serem penetrados. A minoria de homens que gosta de ser penetrada toma mil precauções para não se machucar nem ter infecção. E tudo isso porque homens têm a próstata, que, uma vez atingida, pode gerar prazer. As mulheres não têm próstata, são menores do que os homens e, por motivos óbvios, não têm perícia em tomar essas precauções. Mulher que se submete a isso não deve ser vista como empoderada e liberada, mas sim como o trabalhador que se oferece por um prato de comida. Quem vê uma atriz pornô gemendo de prazer com isso se esquece de que uma atriz pornô é uma… atriz. E se ficar vendo pornô, as ideias de jerico para “apimentar a relação” vão aumentando de modo inversamente proporcional ao desempenho do Bráulio.

O bordão estudantil da nova esquerda brasileira, “anal contra o capital”, está ao contrário. Anal vende lubrificante, vende drogas ilícitas, vende muito tráfego de internet, vende tratamento para impotência e ejaculação precoce… Resta saber se a defesa do capital é tão importante assim.