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Quando abro o computador para começar a escrever estas linhas, vejo que Lula é capa da Time, a qual alega que o presidente mais popular do Brasil quer voltar à presidência para salvar o país. Ao que parece, não só a União Europeia, mas os EUA de Biden sabem muito bem o que é bom para o Brasil. E o melhor para o Brasil é ficar com Lula, porque estes maus selvagens que somos vivemos tocando fogo na Amazônia. Di Caprio sabe mais da Amazônia do que Bolsonaro. É verdade: Anitta disse. Ela, Di Caprio e o TSE, órgão responsável por fiscalizar nossas eleições, estão empenhados em colocar o jovem com consciência social para votar e derrubar Bolsonaro. Mas não se preocupem com a lisura das eleições, pois a burocrata Victoria Nuland veio ao Brasil dizer que nossas urnas são confiabilíssimas aos olhos dos EUA.
Se o Brasil não fosse uma razão suficiente para os brasileiros largarem o anticomunismo frívolo e pararem de se alinhar incondicionalmente com os EUA e suas “democracias”, um exame sobre a Ucrânia deveria deveria fazer corar o brasileiro pró-vida.
Dá para ser um anticomunista frívolo?
Enquanto escrevo estas linhas ranzinzas, um anjinho sobre o meu ombro faz um arrazoado: “E dá para ser um anticomunista frívolo? Ora, o comunismo matou milhares de vezes mais que o nazismo, mas não me parece que faça sentido falar em antinazismo frívolo, já que o nazismo é uma coisa má em si mesma e todos têm a obrigação moral de serem antinazistas, bem como anticomunistas”. Na verdade, dá sim para falar em antinazismo frívolo. É só olhar justamente para os comunistas ocidentais durante a II Guerra. Piegas, cafonas, ficavam tirando onda de pacifistas, de moralmente superiores, de almas sensíveis, enquanto vigia o pacto Molotov-Ribbentrop. Era uma beleza olharem sobranceiro para os outros, considerando-se bravos antinazistas e defensores das vítimas da fome. Enquanto isso, defendiam greves na indústria bélica dos Aliados a mando de Moscou, e não se empenhavam em saber o que se passava na Ucrânia, onde não faltavam vítimas da fome. Se eu pudesse, alisaria as franjinhas desses comunistas vaidosos e diria: “Não fale assim do seu irmãozinho! O nazismo é seu caçulinha!”. Pois falar mal do outro às vezes é só um diversionismo de narcisistas. Em vez de olhar para o próprio rabo, apontam um vilão para esconder os próprios vícios.
O progressismo, totalitarismo dos EUA
No caso dos anticomunistas frívolos, desvia-se a atenção do progressismo. Oh, sim, a China de Mao era muito má, a China com campo de concentração de uigures é muito má. Estou de pleno acordo. A China da política do filho único é muito má. Acontece que o progressismo é mau e impõe ao mundo políticas de redução populacional. Como mostrei aqui, a visita de Jimmy Carter à China foi seguida pela abertura comercial desta e… pela política do filho único, que não tinha precedentes no mundo comunista. Ao contrário: o ocidentalíssimo Clube de Roma, fundado por Rockfeller, acabara de divulgar um relatório segundo o qual o mundo precisava de uma taxa de natalidade de no máximo dois filhos por casal.
Felizmente, quando a gente publica coisas de interesse público, mais gente começa a pesquisar sobre. Um amigo encontrou este excelente artigo do Instituto Cato, um think tank libertário dos EUA, sobre os impactos do neomaltusianismo na China e na Índia. Nele, lemos como a UNFPA – a mesma entidade citada pelo colega Jônatas Dias Lima aqui – premiou autoridades desses países por políticas atrozes.
Cito o artigo: “Nos anos 60 e 70, o pânico neomaltusiano a respeito da superpopulação superou a eugenia como motivação primária para políticas coercitivas voltadas para a limitação dos partos. As ideias neomaltusianas se espalharam entre tecnocratas de alto escalão e líderes governamentais em alguns países em desenvolvimento, resultando em abusos dos direitos humanos que os profissionais ocidentais de desenvolvimento encorajaram, e que o Ocidente amiúde financiou. Esses abusos cumularam na política de filho único da China (1979 – 2015) e nas esterilizações forçadas da Índia durante a sua ‘Emergência’ (1975 – 1977), um período na Índia em que as liberdades civis foram suspensas e a primeira ministra governou por decreto. […] Em 1983, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA)— à época Fundo para Atividades Populacionais das Nações Unidas — a maior fonte de financiamento multilateral para programas estatais de população, começou a dar um prêmio chamado Prêmio de População, a ser dado anualmente ao ‘indivíduo, ou indivíduos, ou instituição, pela contribuição mais destacada para a consciência das questões populacionais e suas soluções.’ Os primeiros agraciados foram Indira Gandhi, a primeira ministra da Índia que declarou a ‘Emergência’ nacional […] e Qian Xinzhong, chefe do Comitê de Planejamento Familiar do Estado da China”.
Por onde os EUA passam, levam progressismo
Também já vimos que, sob a tutela dos EUA, o Afeganistão passou a ter cota pra mulher no parlamento e viu centenas de milhões de dólares despejados pelo Ocidente no seu país para promover a ideologia de gênero. Ora, desde a “Revolução da Dignidade” (2014), a Ucrânia é pró-EUA e antirrussa. Se é assim, o mínimo do mínimo que o pró-vida responsável deveria fazer é averiguar como é a situação do aborto na Ucrânia. Fanfarrões americanófilos se deram ao trabalho de averiguar a taxa de abortos feitos até os 3 meses naquele país para provar que não é conservador – como se os EUA não fossem muito piores, já que têm aborto sem prazo (isto é, permitem infanticídio) sem nunca terem passado por um regime comunista.
A Rússia está sob os holofotes dos anticomunistas ocidentais. Por isso, averiguar a Ucrânia é mais difícil. Na maioria das fontes ocidentais, encontraremos que ela permite aborto até as 12 semanas (3 meses), como a Rússia, e que é o prazo defendido pelo nosso Conselho Federal de Medicina. Com algum empenho, porém, encontra-se a informação de que na Ucrânia “abortos entre 12 e 28 semanas [sete meses!] requerem aprovação de um conselho médico e só são feitos por razões médicas, sociais e pessoais significativas. E pílulas de aborto são disponíveis na Ucrânia sem receita”. Tenho até dificuldade para conceber uma razão para abortar que não seja nem médica, nem “social” (eufemismo de "pobreza"), nem pessoal. De todo modo, se pílulas abortivas são um maná que cai do céu, o médico terá de fazer curetagem na paciente que as tomou sem passar pelo conselho.
“Ucranize já!”
Pois bem, como há pouca clareza no Ocidente sobre aborto na Ucrânia, é graças ao progressismo sem-noção dos canadenses que podemos ver o clima lá. A reportagem de que tirei a informação é do The Globe and Mail, o principal jornal do Canadá. O contexto são as condições das refugiadas ucranianas que foram para a Polônia, um abominável país católico onde anticoncepcional precisa de receita médica e o aborto só é liberado em poucos casos, parecidos com os da lei brasileira. Na Ucrânia, por outro lado, pílulas anticoncepcionais e abortivas são manás que caem do céu. Se já era assim antes da guerra, agora está mais fácil ainda, já que a Planned Parenthood entrou lá para distribuir essas coisas todas, alegando defender vítimas de estupradores russos.
Então temos uma situação estranha, em que uma figura como Sara Winter se vinculava a um grupo ucraniano (o Femen) para pedir aborto, dá uma guinada pró-vida de moralidade duvidosa e passa a defender a "ucranização" do Brasil. O que é isso? Defesa da vida, não é. Da soberania, tampouco, já que a Ucrânia está sujeita a tribunais internacionais a pretexto de combate à corrupção – proposta defendida por Moro, aliás. É incorporação de paramilitares extremistas ao Exército brasileiro? Os 300 eram uns Azov que deram chabu? A direita deveria pedir explicações a Sara Winter, em vez de ficar jogando confete em qualquer coisa que se apresente como de direita.
Nos anos vindouros, precisaremos entender o que se passou na direita entre a eleição de Bolsonaro e 2020, quando parte resolveu forçar a um aumento da temperatura nas relações com o STF (tenho em mente Sara Winter e Arthur Weintraub), e parte traiu o presidente (vide Joice Hasselmann e Moro).
Caráter antidemocrático
Mas voltemos ao aborto na Ucrânia. Lendo a matéria canadense, aprendemos que uma refugiada saiu de lá com o filho e a mãe – ela talvez tenha um marido na guerra –, e, coitada, não tem mais anticoncepcional caindo do céu, como na Ucrânia. Então logo vem à mente que, independentemente da sua opinião sobre conduta sexual, é preciso elencar prioridades, sobretudo numa guerra. Desde a crise na Venezuela, os brasileiros sabem que receber refugiado dá um trabalho danado. É gente que chega com uma mão na frente e outra atrás, precisando de comida e abrigo. Dá trabalho e é caro. Assim, por que colocar a distribuição de anticoncepcionais para todas as mulheres como uma prioridade?
Com toda a certeza, existe o lobby de ONGs como a Planned Parenthood para que Estados nacionais gastem mais e mais com contracepção. Ninguém há de negar que distribuição de anticoncepcional é um assunto de moral pública, e uma mãe carola tem todo o direito de ficar incomodada caso sua filha adolescente possa pegar contraceptivos de graça na mão do Estado. Na Polônia, essa tipo de mãe é contemplada pela legislação local, ao passo que a mãe prafrentex ficaria impedida de comprar anticoncepcional pra filha. Esta não é uma questão a ser decidida por legisladores eleitos pelo povo?
No atual estado de coisas das sociedades ocidentais (Brasil incluso), um burocrata dá uma canetada, alega que ter anticoncepcional a rodo é uma “questão de saúde pública” e impõe ao público, de uma só vez, gastos com medicamentos e adesão ao neomaltusianismo progressista. Isto não é democrático.