Como vimos, uma coisa datada é a crítica ao consumismo. Hoje temos de comprar coisas chiques para nos empoderarmos, isto é, fazer os outros crerem que somos felizes e financeiramente bem-sucedidos. Outra coisa que sumiu foi o “Diga não às drogas”. O cartaz trazia uma mão aberta com uma linha que a cruza desde acima do polegar até o pulso. Era um evidente sinal de “proibido” e, ao mesmo tempo, remetia à vida, porque essa linha da mão é popularmente conhecida como “linha da vida” graças à prática da quiromancia. As drogas estavam proibidas em nome da vida.
As memórias da propaganda contra as drogas variam conforme a idade e a região. Mas o adulto que não for velho o suficiente para ter crescido num ambiente sem drogas há de se lembrar de alguma. A coisa começou com a contracultura, no final dos anos 60. Era bom fazer amor livre e “expandir a consciência” por meio do uso de drogas. Era coisa de classe média alta e de universitário. Como essa turma manda na imprensa e cria tendências, nos anos 80 os baseados já eram banais em qualquer nicho “esclarecido” do país. Daí suponho que quem esteja na casa dos 40 tenha crescido com propaganda contra as drogas, como eu. No entanto, quem está crescendo hoje não vê tal coisa.
O caso da USP ilustra bem
Hoje o que reina é um fatalismo pessimista aliado a uma filosofia de exacerbado individualismo. O fatalismo diz: é inevitável que os jovens se droguem. A nova filosofia diz: cada indivíduo é livre para fazer o que bem entender e ninguém tem nada com isso. É uma estranha mistura de liberdade e determinismo, já que se acredita que o “somatório de indivíduos” (a sociedade) está condenada a usar sua liberdade da melhor maneira possível.
Assim, graças ao UOL, somos informados de que a nova tendência na USP – não na cracolândia, não nos albergues de mendigos, não entre os párias da sociedade, mas na USP – é a gente bonita e sincera defender o “uso seguro” de drogas, e essa galerinha do bem vem sendo atacada por abomináveis bolsonaristas que não aceitam os rumos do progresso.
O UOL é didático e abre logo a matéria explicando: “Diminuir os riscos do consumo de drogas psicoativas por pessoas que não podem ou não querem parar de usá-las. Este é o norte das práticas de redução de danos. Em 2003, a estratégia de saúde focada no acolhimento se consolidou uma abordagem de atendimento no SUS (Sistema Único de Saúde). Mas ainda enfrenta resistência por parte do poder público e da sociedade.” De repente surge a pessoa que “não pode” parar de usar drogas. Essa figura existe? Síndrome de abstinência existe, então podemos dizer que sim, existe a pessoa que não pode parar de usar drogas. Que fazer com essa pessoa? Eis um assunto médico do qual não estou suficientemente inteirada, mas estou inteirada o suficiente para saber que é um assunto médico.
E pouco importa, porque a “política de redução de danos” é para quem “não pode ou não quer”, indistintamente. Ora, se tratarmos os dois grupos como se fossem a mesma coisa, será um disparate pensar que os dois não se transformem na mesma coisa? Se o uso público de drogas mais perigosas que a maconha for normalizado em plena USP, será que o uso não aumentará e converterá os usuários voluntários em dependentes? Em se tratando de drogas viciantes e perigosas, não é nenhuma hipótese ousada.
Assim, antes de uma festa tradicional da USP, o perfil do Instagram do Centro Acadêmico avisou que um tal de ResPire tinha dicas de como usar drogas na festa da universidade. Na postagem (que segue no ar) constam “dicas” para quem vai usar álcool, cocaína, ecstasy, MD, lança perfume, LSD e maconha. Além disso, a postagem informava que o ResPire “é uma organização que trabalha com a questão da Redução de Danos. Eles farão atendimentos para quem precisa testar substâncias ou estiver em uma bad trip, por exemplo. Teremos cartilhas informativas, testegem rápida de HIV e muitos outros serviços.”
Ah, bom, já que estudantes usam drogas, então, em vez de desestimulá-los alertando para os riscos, vamos garantir a redução dos riscos. Antes esses riscos iam além da saúde e incluíam o nível penal. Mas aprendemos que vício em droga era “questão de saúde pública”. Então agora que é só uma questão de saúde pública, podemos botar umas babás em cada festa, cuidando de prevenir bad trips.
O álcool
O álcool está malandramente incluído na lista. Leiamos a dica: “Preste atenção no teor alcoólico e na qualidade do que for beber. Evite misturar diferentes tipos de bebidas alcoólicas (cerveja e destilado, por exemplo). Lembre-se de fazer uma boa refeição antes de começar a beber e hidrate-se bastante ao longo do dia. Não dirija sob o efeito de álcool!” De fato, muitos calouros estão começando a encher a cara. Aos 17 ou 18 anos não se é um bebedor experiente, e jovens costumam errar na mão quando estão aprendendo a beber. No entanto, esse processo de aprendizagem é tão velho quanto o álcool. Nunca ninguém achou que fosse necessário incluir babás permissivas ao pé dos jovens para explicar como evitar ressacas. Todo jovem ouve que é para não beber demais, nem de barriga vazia, nem misturar bebidas. A novidade dessa organização não é só a permissividade, é a infantilização do jovem. É a pressuposição de que ele não vai descobrir nada sobre a bebida sozinho, nem com os amigos, nem com a família. É preciso criar uma burocracia privada para aconselhar os jovens em matéria de bebedeira.
Funcionaria? Esses conselhos relativos à bebida não diferem em nada do que os jovens recebem em casa ou dos amigos. A verdade é que aprender a beber não é muito diferente de aprender a andar de bicicleta, ou a aprender a fazer qualquer coisa que exija prática. Instruções práticas não servem de nada sem prática. Ler livros de culinária não faz de ninguém um bom cozinheiro. Aprender a andar de bicicleta ou a cozinhar envolve alguns tombos e algumas coisas queimadas, a despeito dos conselhos recebidos. E mesmo depois de experientes, é possível levarmos um tombo ou queimarmos o arroz.
Ao cabo, a única coisa que essa “organização” tem a oferecer que os jovens não encontram em casa ou entre amigos é a leniência irrestrita. Família e amigos não dizem: “Vá lá, cheire tanta cocaína quanto quiser, mas veja bem que canudinho você vai usar. Uso seguro, hem??”
Remuneração
A razão para nem os amigos doidões ficarem nessa função é que cuidar de drogado dá trabalho. Toda família tem um bêbado chato, mas o que se faz não é aconselhá-lo sobre alimentação, é coibir o seu comportamento. Imaginem se a cada festa de família estivesse lá uma turma de ongueiros dizendo ao tio Juvenal que ele pode beber o quanto quiser, só tem de cuidar da hidratação...
Eu disse ongueiros? O UOL explica que o tal do ResPire é “uma iniciativa do É de Lei, uma OSC (Organização da Sociedade Civil sem Fins Lucrativos) que desde 1998 promove a redução de riscos e danos — sociais e à saúde — ocasionados pela política de drogas. O coletivo atua com advocacy [sic], comunicação, ensino e pesquisa, praticando intervenções práticas em diversos meios.” Como se vê, criaram um eufemismo para ONG, que agora é OSC. Naturalmente, essas ONGs, não fazem nada de graça. Contam com profissionais dedicados, em vez de meros voluntários que empenham tempo ocioso. Financiamento para tais tipos de pauta também está longe de ser um problema – a Open Society e a Fundação Ford que o digam.
Assim, creio que seria preciso alguma teoria conspiratória para afirmar que não estamos vivendo uma propaganda de apologia das drogas. A própria matéria do UOL – um dos maiores grupos de mídia do país, dono da Folha – mais parece assessoria de imprensa da ONG do que jornalismo.
Quem ousa dizer aos jovens, hoje, que eles não devem usar drogas, pois elas fazem mal, viciam e financiam o tráfico? Ao que parece, virou coisa de crente, e não mais geral. Hoje o governo diz que é para combater uma porção de fobias. Droga, nada. É “questão de saúde”. Não obstante, ser gordo é questão de saúde e de grande importância na Covid. Mas a imprensa prefere alertar para os males da cloroquina e a ivermectina enquanto tece loas aos potenciais cada vez mais mirabolantes da maconha. Tudo isso é por acaso, sem nem um tiquinho de financiamento envolvido?
Os conservadores falam em indústria do aborto. Começou como “questão de saúde” e obviamente indesejável. Depois o “aborto seguro” virou direito humano. Não é hora de começar a se falar em indústria das drogas? Pelo andar da carruagem, no ano que vem estaremos combatendo a cracudofobia e distribuindo crack seguro, porque um cidadão tem o direito humano inalienável de fumar crack.
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