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Bruna Frascolla

Bruna Frascolla

Pensão alimentícia é manutenção artificial do padrão da classe média

Bruna Frascolla: "Entre os pobres, estou disposta a crer que a pensão alimentícia sirva para contribuir com a alimentação das crianças. Nas classes média e alta, a coisa é completamente diferente" (Foto: Pixabay)

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Fui levada a escrever sobre a queda do padrão de vida na classe média para tocar num assunto espinhoso: o das pensões alimentícias. Pensão alimentícia de pobre dá uns trezentos reais, e de fato as despesas costumam pesar sobre a mulher. De fato é fácil um pobre sumir no Brasil e de fato faz sentido pôr a mão do Estado à disposição para ajudar a mãe do filho abandonado. E um detalhe importante: se uma mulher resolver achacar um homem usando o filho para arrancar dinheiro como uma forma de vingança, ela vai atrair ira, e o Estado brasileiro não é muito conhecido pela capacidade de evitar crimes de sangue e muito menos de puni-los. Você não vai ver mulher botando traficante na justiça para pagar alimentos.

A lei Maria da Penha não impede homem nenhum de matar mulher nenhuma. O que a lei faz é dar um papelzinho à mulher dizendo que Fulano de Tal é um agressor e não pode chegar tantos metros perto dela. Caso Fulano de Tal seja mesmo um agressor, o papelzinho não serve de nada. Ele vai matar a ex-mulher e o caso vai sair no Datena depois, junto com tantos outros. Caso o Fulano não seja um agressor, o papelzinho estatal está lá mesmo assim dizendo que ele é. O papelzinho serve para a ex-mulher ou ex-namorada achacar o Fulano, sumir com os filhos, difamar etc.

Homens engabelados e bem na fita

Creio que eu não seja muito extravagante ao afirmar que há uma misandria difusa pela classe média. É até bonito as madames saírem dizendo que foram estupradas. Creio que, paradoxalmente, isso é resultado de homens terem mais propensão a se dedicar à vida pública do que mulheres. O que é mais fácil: dizer a um sueco que ser brasileiro é horrível, tão ruim quanto nascer no Congo Belga, ou dizer a um brasileiro? Brasileiro sabe como é ser brasileiro. Do mesmo jeito, mulheres sabem como é ser mulher, e homens são mais fáceis de engabelar quando o assunto é “opressão de gênero”. Se há mais homens autônomos no espaço público do que mulheres autônomas (digo autônoma por oposição a poste), é natural que o vitimismo feminista cole.

Além disso, o conjunto dos homens é menos propenso ao vitimismo do que o das mulheres. Mulher arranja homem caso se mostre muito frágil – é mais difícil ela arranjar caso se mostre forte como uma judoca olímpica. Já homem não arranja mulher caso se mostre muito frágil. Mulher fica reclamando da gordofobia estrutural; no ativismo gordo, só dá mulher e gay. Por outro lado, os barbudinhos de camisa florida e óculos de aros grossos, por desconstruídos que sejam, não vão se organizar para fazer campanha pela aceitação do pinto pequeno.

Last, but not least, tem misândrica bonitinha. Antes de sofrerem uma desilusão amorosa e começarem a devorar potes de sorvete ou a abusar de substâncias ilícitas, elas têm a beleza natural da juventude. Então os homens vão assentir ao que diz uma turba de pirralhas malucas para ficar bem com elas.

As desequilibradas dizem “Oh, meu Deus, como os homens são maus! Passe aqui esse projeto de lei, seu homem tóxico, viril e inebriante!” E os homens acham bonito dizer: “Como são maus os homens! Quase nenhum é bom como eu. As damas indefesas contam com meu excepcional coração magnânimo para defendê-las!” E assim saem os projetos de lei. Tudo com acalorado apoio dos tiozões de zap-zap, da classe média politizada. Depois, quando as leis antifamília passam, é tudo culpa do PT, do marxismo cultural, das feminazis, da Globo, do globalismo, da ONU, – mesmo quando é de Bolsonaro e das evangélicas de sua base.

De fato, as mulheres devem denunciar a misandria. Eu mesma estou fazendo isso aqui, e destaco o trabalho da dupla Dámaris Nunis e Karen Marins. No entanto, como a maioria da população engajada em política ideológica e partidária é masculina, não dá para esperar mudança sem a revisão do comportamento masculino. Queridos leitores homens: bajular misândrica não vale a pena nem no curto prazo (quando ainda estão bonitinhas), porque elas podem botá-los na cadeia! Seja a misândrica uma feminista ou uma evangélica, o caminho é a cadeia. Se o seu problema for cavalheirismo, é hora de acordar pra vida e lembrar que mulheres também são seres humanos, portanto, são capazes de motivações mesquinhas. É necessário questionar suas motivações tanto quanto as dos homens.

Pensão é de alimentos?

Entre os pobres, estou disposta a crer que a pensão alimentícia sirva para contribuir com a alimentação das crianças. Nas classes média e alta, a coisa é completamente diferente. Vemos notícias de pais serem presos por dívidas milionárias com pensões, e ninguém pergunta por que o juiz botou um valor tão alto. Feministas veem o não-pagamento de pensões astronômicas apenas como a enésima prova da maldade masculina.

Ninguém em sã consciência acredita que as bem alimentadas que pedem milhões de pensão atrasada pedem porque precisam garantir a alimentação dos filhos. Logo, a pensão não é de alimento. Concordo que pais com condições não devam bancar apenas a alimentação dos filhos, mas é o fato de a pensão ser de alimentos que justifica a prisão do devedor. Como a prole não pode passar fome, é preciso prender e obrigar a pagar. Mas se o homem efetivamente quiser matar a ex-mulher com uma faca – e não de fome –, aí não é caso de prisão, é de papelzinho.

Está tácito na classe média que homens devem pagar as somas altas que o juiz determinar. O que é difícil de discernir é a finalidade disso. Em primeiro lugar, cabe perguntar: todos acreditam que os homens são todos canalhas que se recusam a ajudar os filhos? Eu não acredito nem a pau. Então por que não deixar as coisas na base da boa-fé e fazer acordos em particular, sem meter o Estado no meio? Digamos que a renda de um homem caia – coisa comum sobretudo agora, na pandemia. Se caiu, será preciso ele acionar a justiça para pedir a redução da pensão com base na redução de sua renda. A justiça não é célere – e os casos que ganharam destaque na imprensa, a saber, do jogador Giba e do cantor de rap Falcão, têm a ver com essa redução de renda.

Então admitamos logo que a pensão alimentícia é um mecanismo de achaque das mulheres largadas contra os homens que as largaram. Elas preferem fazer por mal o que poderia ser feito por bem.

Mas isso explica tudo? E o lado dos filhos? Afinal, a pensão continua: vai até 24 anos caso o filho ainda esteja estudando, e ainda assim, sei lá por quê, a pensão vai durando até o pai tomar coragem e entrar na justiça contra o filho. Entre os peões isso sera vergonhoso, mas entre advogados, empresários, professores, é normal.

O novo normal

Eu me pus a pensar sobre o assunto porque viajei pra ver a família no Sudeste – evento que quase sempre tem ares de expedição antropológica. Nisso, descobri que sou exceção ao dizer que não precisava de pensão enquanto era uma filha que estudava. Eu queria dizer que estou me gabando ao escrever isso, mas não. É como se eu descobrisse que no cenário inteiro todos estão com adagas e punhais, prontos para enfiar nas gargantas uns dos outros, menos eu. A gente se gaba quando está confortável, não quando se sente num campo minado. Depois pensei que não deveria ter me assustado, pois, na verdade, vejo as pessoas de classe média falando com muita naturalidade das pensões esticadas ad infinitum, de brigas na justiça (contadas quase sempre pela mãe, que não tem vergonha) e até pais que acham que têm uma boa relação com o filho por terem já estipulada uma data futura para o fim da pensão. (Se a relação é boa, por que não cessar a obrigatoriedade desde já? Entre cavalheiros convém afastar a ameaça policial. Se eu fosse um pai, estaria desde a menoridade dizendo aos meus filhos como eu espero que uma pessoa decente se comporta.)

Então eu recuperei na memória o meu raciocínio para abrir mão de pensão. Acho que nem deveria ter que raciocinar, mas, quando passamos por trouxa, temos que dar justificativas.

A questão foi: eu preciso desse dinheiro? Não, porque já encontrei uma fonte de renda que, embora modesta, me permite não pedir dinheiro a ninguém enquanto tiver um teto, e ainda sobra. Se eu precisar de dinheiro, eu prefiro pedir ao meu pai em vez de obrigá-lo a isso. Se ele não quisesse me dar por pura maldade (e não por estar apertado), seria melhor eu excluí-lo de minhas relações pessoais e ficar só com os parentes com os quais pudesse contar.

Esse raciocínio elementar é o que as pessoas não fazem. No mais, o meu comportamento sempre foi frugal, gastava só com livro e cerveja em pé duro, andava de ônibus ou a pé. O único ganho financeiro que eu julgaria importante na minha vida seria um que me permitisse manter uma casa. Isso demanda estabilidade da renda – o que, para mim, se traduzia como a necessidade de encontrar uma profissão, missão quase impossível para uma acadêmica em plena implosão da bolha da academia. No fim, eu acabaria o doutorado em menos tempo, dispensando meses bolsa, porque bolsa tem prazo para acabar e, por isso, não permite um teto estável. Acho que um outro traço atípico meu é precipitar os problemas para resolvê-los logo. Esse temperamento explosivo pode ser um problema em si mesmo, mas de um mal eu não padeço: empurrar problemas com a barriga e ficar convivendo com eles indefinidamente. E esse é um mal bem comum.

Então a minha mentalidade é atípica hoje por uma questão moral (não é certo obrigar meu pai a me dar dinheiro); pela frugalidade e por um traço de personalidade (prefiro antecipar problemas a retardá-los). Este último traço é bem atípico e dispensa comentários. Acho que é bem comum as pessoas empurrarem os problemas com a barriga e nem sempre isso é uma coisa ruim.

Se eu conheço o atípico (que sou eu mesma), daí posso extrair o que é o típico. Vivemos um achatamento da classe média e as pessoas tipicamente querem ter uma condição de vida melhor do que as dos seus pais. Não são nada frugais; nem sonham em andar a pé. Pagam para ficar usando Uber e pagam para queimar na academia o que poderiam queimar a pé. Não aprendem a fazer comida quotidiana; quando põem os pezinhos na cozinha, é para fazer alguma coisa de chef de TV. Numa palavra: não têm condições nem para ter uma vida frugal, mas querem luxo.

Esses jovens cresceram com uma mulher que vivia culpando outrem – um homem – pelos próprios infortúnios. O caldo de vitimismo vem da sociedade como um todo e também da própria mãe. Eles não são encorajados a julgar o próprio mérito. Aprenderam com a mãe que a culpa é sempre de um terceiro, e eles próprios merecem tudo. O mundo lhes deve, tal como o pai deve à mãe.

E assim vivem com um padrão que o pai lhes deve, rolando o problema da própria insustentabilidade com a barriga. O pai vai morrer um dia, e só deus sabe o que vai ser desse povo quando não tiver mais pais. Enquanto isso não acontece, classe média vai se dilacerando numa guerra intestina intergeracional, com o padrão dos mais velhos sendo reduzido em benefício provisório do dos mais novos.

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