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A Bahia não tem jornalismo independente, e a PM não tem exatamente uma fama de pacifista. A rede de TV de maior audiência e o jornal de maior leitorado são, ambos, de ACM Jr. No que concerne ao cenário nacional, carlistas e petistas baianos não são muito diferentes, tanto que ACM Neto e Jaques Wagner tiveram a intenção de apoiar Ciro em 2018. Apenas por isso, já é difícil saber ao certo o que aconteceu com o PM Wesley.
Por isso, ao procurar informações, fui para um site de notícias especializado em mundo cão, daqueles que espreme e sai sangue. É do jornalista Bocão, outrora um Datena local. A equipe de Bocão começou a cobrir o caso cedo, quando ainda não havia detalhes. Quando os demais veículos chegaram, já perto dos disparos contra o PM Wesley, os jornalistas não puderam fazer o seu trabalho, porque a PM disparou balas de borracha contra eles. Os disparos não parecem ter causado comoção nos jornais carlistas. Já o site policialesco o considerou “ataques à imprensa”.
A cronologia do G1, que pega desde o início da confusão às 2 da tarde até a morte às 11 da noite, bate com as informações de Bocão. Não encontrei nenhum veículo baiano que comentasse ou noticiasse aquelas frases reproduzidas por Eduardo Bolsonaro no Twitter. Não encontrei referências à origem daquelas imagens com som. Vi perfis do Sudeste compartilhando no Twitter. A BBC e o Globo deram-nas por verdadeiras e não mencionaram as borrachadas nos jornalistas.
Pode ser porque a imprensa baiana foi censurada, pode ser porque os jornalistas caíram numa possível montagem. (A primeira vez que vi aquela gravação foi no vídeo cheio de edições que o amigo colono mandou. A filmagem é de longe, mas a voz é muito audível? Já a outra filmagem, feita na Barra por um fotógrafo local, trazia tudo embolado e mostrava os disparos). O site de Bocão fala em delírios relacionados a Satanás. Ao que se sabe, o policial ficou gritando das duas às oito, de modo que pode ser tudo verdade, e ainda faltarão falas. Não parece razoável que uma pessoa em bom estado mental passe o dia assim.
Os bolsonaristas tampouco são fontes fidedignas. É certo, como dois e dois são quatro, que o Soldado Prisco comete atividades criminosas, terroristas, indefensáveis, centradas tão somente nos ganhos materiais de sua categoria. É um leproso político que só ganha eleições legislativas. Se os bolsonaristas embarcam nessa, é porque têm cabeça de camarão. Vão dar ao PT a chance de posar de partidários da lei e da ordem.
Interior versus capital
O atual toque de recolher na Bahia é das 6 da tarde às 5 da manhã. O interior da Bahia é diurno. Anos atrás, bem antes de pandemia, fui fazer concurso numa das dez maiores cidades da Bahia, chamada Jequié, a seis horas de Salvador. Fiquei hospedada num hotel no Centro e queria comer alguma coisa à noite. Boto a porta para fora do hotel umas oito da noite e dá para o breu. Estabelecimento comercial aberto, só um restaurante japonês solitário numa praça próxima, com uns postezinhos.
O significado disso é muito simples: as medidas que deixam o soteropolitano louco são muito leves ao baiano do interior. Não quer dizer que o interior as apoie, nem que não se sinta incomodado com elas. Quer dizer apenas que os ânimos não estão exaltados por aqui. Antes que o leitor bolsonarista venha reclamar, aviso mais uma vez que estou morando no interior, no Recôncavo, a duas horas e meia de Salvador.
Na minha cidade, como já disse, há postes transmitindo uma rádio simpática ao prefeito que não conseguiu se reeleger. Fala mal da administração dos hospitais e alimenta boatos de fechamento de comércio. As únicas alterações na minha rotina foram: (1) não posso mais ir ao bar no horário que quero, (2) nem comprar pão perto das 19h, o horário normal de a padaria fechar. O comércio está aberto e os roceiros continuam trazendo sua produção aos sábados para a feira livre.
Meios de comunicação
Os interioranos têm celular com internet. Isso, porém, não os torna automaticamente espectadores de programas políticos da internet. Na minha cidade, política é ex-prefeito versus atual prefeita. Para isso, as rádios e o tititi bastam. Coppolla não vai falar da prefeita de uma cidade do interior da Bahia com 30 mil habitantes. Augusto Nunes não sabe do imbróglio das Santas Casas que não sai da boca do povo desta cidade e da vizinha. No interior não tem público para YouTuber. O que os interessa da política nacional é mais a Covid, já que a saúde é um tema sensível e eles, ainda por cima, estão puxando os cabelos com hospital.
Se os bolsonaristas tivessem meio neurônio, poderiam explorar no Nordeste a questão do MST. É uma entidade da qual todo mundo no interior fala mal, independentemente da posição política. Você vai encontrar quem diga que vota no PT, mas não gosta dessa baderna do MST, que sai tomando o que é dos outros. Quer pegar a atenção do roceiro baiano que usa a internet? Bote no zap-zap notícias – verdadeiras – sobre as presepadas do MST que não saem na Rede Bahia.
E, se você for um sulista que está no Extremo-Oeste baiano (o BA do MATOPIBA), tire da cabeça a ideia de que Bahia = Salvador + Barreiras e redondezas. A agricultura tecnológica tem importância socioeconômica, mas importância demográfica ainda menor do que Salvador. O grosso da população baiana é nesse estilo que eu vejo de perto: roceiros voltados a abastecer o pequeno comércio, de índole conservadora, porém desinteressados de política nacional e de ideologias. Quem abraçar Prisco, o baderneiro, vai contra essa índole conservadora e pragmática.
O que os bolsonaristas querem?
Digamos que o PM não teve um surto psicótico, nem atirou contra os colegas. Então temos um PM com um fuzil na mão dando tiros para o alto no meio da cidade, das duas às seis da tarde, porque de repente teve que bater em trabalhador e apreender mercadoria.
É só agora que a PM faz isso? A PM não senta porrada há décadas em ambulantes? Não vandaliza e apreende mercadoria? A economia brasileira é muito informal. Vendo os bolsonaristas, parece até que no Brasil sempre houve paz para empreender e que os policiais nunca bateram em comerciante na vida.
Assim, é bonito para os bolsonaristas pegar um fuzil para ficar atirando para o alto e gritando por quatro horas no meio da cidade. E se a moda pega? Se policial racialista (que existe) pegar um fuzil ao se emocionar com o racismo estrutural e sair por aí fazendo loucuras, os bolsonaristas vão achar bonito também?