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Bruna Frascolla

Bruna Frascolla

Por que eu acho que a Bahia vai mudar de lado

Salvador, Bahia
A Bahia mudará de lado no próximo pleito? (Foto: Pixabay)

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Falha miseravelmente em entender a Bahia quem a lê como esquerdista. A Bahia não é esquerdista, a Bahia é governista. No período militar, o intelectual de esquerda dizia que o sertanejo votava na ARENA por causa da tirania dos coronéis ou da ignorância do povo. Hoje o tema da ignorância do povo é repetido contra o eleitorado de Bolsonaro e os evangélicos. Odeiam o “pobre de direita”, que não percebe a necessidade evidente de ser esquerdista, isto é, favorável a bundalelê LGBT.

O sertanejo, porém, está liberado. E os coronéis também. O antigo clã Ferreira Gomes, outrora ARENA, representa o progressismo e os gamers. (Viram que João Santana inventou um programa Ciro Games no Youtube, né? Como é que ele ganha dinheiro com isso?) Os grotões rurais da Bahia, outrora lugares lúgubres de domínio obscurantista, viraram polo irradiador de progressismo. O fato foi então reinterpretado como luta de classes. O Nordeste, pobre, esbanjaria consciência social. O nordestino é o pobre bom, enquanto que o evangélico é o pobre mau.

Desigualdade regional de mentalidades

O esquerdista pensa isso de maneira irrefletida, mas tem algum amparo na realidade. O Nordeste é ao mesmo tempo a região mais católica e a menos evangélica do Brasil. Na verdade, o esquerdismo é conservador na má acepção da palavra: defende a manutenção de um estado de coisas opressivo em que ele fica por cima da carne seca. A concupiscência materialista da esquerda não quer rivais na sua busca por dinheiro.

Se o Brasil fosse uma grande zona rural nordestina, haveria pouca gente cobiçando dólares, idas a Miami, artigos de grife. Os camponeses lavrariam a terra, pagariam impostos, se manteriam longe de qualquer curso superior que os capacitasse ao exercício de profissões liberais, e o esquerdista passaria fácil num concurso público. Seria pago com dinheiro de imposto mais impressão de moeda, que é um jeito de concentrar renda. (Se você, que domina o erário, imprimir muito para si, naturalmente o do outro fica desvalorizado. Na prática, é pegar o poder de compra alheio e botar no seu bolso.)

O evangélico urbano é concorrência para o esquerdista concupiscente; ambos querem dinheiro. Os primeiros querem por meio do Estado, os segundos querem por meio do trabalho constante. Isso os põe numa rota de colisão política, já que ambos os grupos são levados a formular ideias sobre o governo.

Esse não é o caso do nordestino, que via de regra está mais interessado em coisas práticas como infraestrutura. Fazer campanha no Nordeste é discutir “melhorias para a região” (obras) em cada cantinho do mapa. Quem vai atrás das tais melhorias não é a sociedade civil organizada, mas os políticos miúdos, que se empenham em se arrebanhar em torno de coronéis para se fazerem ouvir por gente importante. Os coronéis ficam então munidos de uma rede política pragmática e não ideológica capilarizada pelos interiores. No frigir dos ovos, são eles quem decide eleição na Bahia. Olhar para a capital não adianta nada.

Uma população significativa da Bahia chegou ao século XXI sem eletricidade. Quem botou foi Lula, com o Luz para Todos. É correto dizer que o Nordeste era uma região esquecida pelo poder federal e que o PT acertou em cheio ao investir em infraestrutura ali. Junto com isso vieram as alianças com os coronéis e o domínio do estado, substituindo ACM.

Certa feita a minha minha avó carioca veio me contar toda ofendida que o vizinho, filho de paraibanos, perguntou a ela se na infância ela já tinha eletricidade. Ora, na Bahia eu tenho colegas mais novos que eu que viveram sem energia elétrica. Bastava sair da região metropolitana que se encontrava área sem eletricidade, com jeitão ainda mais medieval do que hoje.

Cronologia estadual e federal

Diferentemente de Pernambuco, que tinha como oposição aos militares um emedebista, Miguel Arrares, a coisa mais parecida com um opositor que tivemos na Bahia durante o regime militar foi Roberto Santos, reitor da UFBA. Ele era opositor de ACM, da ARENA. Acontece que Roberto Santos era da ARENA também. ACM era de Salvador, porém casado com a filha de um fazendeiro de Ilhéus, e soube firmar alianças eleitorais com os coronéis do interior. Esse arranjo político teve na redemocratização um pequeno solavanco, que foi a eleição direta de Waldir Pires para o governo do estado em 1986. Ele era então do PMDB e depois iria para o PT. E não durou no cargo: renunciou e assumiu o vice. Nilo Coelho, um fazendeiro de Guanambi, em área próxima ao norte de Minas.

Reinou então o carlismo, isto é, o grupo político de Antônio Carlos Magalhães, que se concentrava no PFL. A Bahia alternou entre o sobrevivente do regime militar e o sindicalismo biônico do PT. Em 1991 ACM vira governador democrático da Bahia pela primeira vez, e o último ano com um governador carlista em exercício é 2006. Nessa época, eram carlistas Ângelo Coronel e Otto Alencar, um fazendeiro e um médico do interior. (E como a mentalidade do interior da Bahia é pré-capitalista, o acúmulo de dinheiro é revertido em acúmulo de terras. Médico de interior não raro vira fazendeiro – e até banqueiro, como o baiano Daniel Dantas, vai querer virar senhor de terras. Por trás disso estaria o imbróglio fundiário com o governo baiano e a China.)

A divisão regional Norte X Sul aparece pela primeira vez na reeleição de Lula. Abaixo estão as vitórias por estado nas eleições de Collor, FHC (duas vezes) e a primeira de Lula.

Collor X Lula
Lula contra o ministro do Plano Real. E os gaúchos, hem?
Aqui o Império de Brizola foi para Lula.
Por que os alagoanos gostaram tanto de Serra?

E assim ficou o mapa com a reeleição de Lula:

Lula X Alckmin
Chegou a Mãe do PAC.
Tudo igual, exceto pelo DF.
A Amazônia terminando de virar a casaca.

Depois o petismo foi perdendo território. Por alguma razão, a Amazônia mudou e o Nordeste não.

ACM tentou se aliar com Lula e chegou a apoiá-lo. Ao que parece, os cacicados locais prosperavam com mais autonomia sob FHC do que sob Lula. Foram indicados de cima para baixo dois operários do Polo Petroquímico de Camaçari – um enclave industrial num estado rural. É provável que haja dedo de teórico marxista nisso. Wagner, o primeiro indicado, era um sindicalista judeu carioca, perfil completamente distinto do habitual. De todo modo, sangue à parte, a mudança de ACM para Wagner foi como a do Czar para Stálin: para ganhar as eleições, Wagner fez aliança com coronéis carlistas e levou esse poder capilarizado deles. Também tratou de converter sua riqueza em terras, comprando vastas extensões na Chapada Diamantina.

Governista hoje

Ao meu ver, é uma incógnita a situação política da Bahia. Olhando para o governo do estado, podemos dizer que o governo é o STF. Numa canetada, o STF resolveu que brasileiros não-vacinados não podem entrar no seu próprio país. Somos sub-cidadãos no que depender do STF. (Com o silêncio cúmplice de Sérgio Moro, que redigiu a lei de 2020 que permite vacinação compulsória.) Valendo-se da lei de Moro de 2020, o governador da Bahia implementou passaporte vacinal até em órgãos públicos, impedindo que não-vacinados tirem carteira de identidade.

Eu não posso tirar identidade no meu estado, e, como o passaporte vacinal vale para transporte terrestre, eu não posso comprar uma passagem de ônibus para tirar identidade em outro estado. Sou uma cidadã de segunda classe na Bahia, assim como o brasileiro no exterior é um cidadão de segunda classe. Tudo isso, repito, com a anuência de Moro. Ainda que Bolsonaro seja um tonto que assinou esse negócio de Moro e Mandetta, ele ao menos verbaliza sua oposição e não impõe passaporte vacinal no âmbito federal.

A aliança baiana com o poder central é baseada em uma miríade de “melhorias para a região”. Isso o STF não dá. Pelo contrário: antes de Rui Costa sair fazendo decreto terrorista contra os não-vacinados, a Bahia tinha só 49% de vacinados, índice só comparável aos estados amazônicos, que têm uma logística bem complicada. O baiano não quer se vacinar e está sendo forçado. Agora ainda tem de lidar com enchente: vê a casa desmoronar enquanto o governador fala com máxima gravidade da gripe agá-não-sei-o-quê.

Bolsonaro tem rodado a Bahia entregando obra. O nome de João Roma tem sido ouvido. Creio que, se a urna for tão boa quanto Djamila Ribeiro diz na propaganda do TSE, a Bahia mudará de lado no próximo pleito. E creio que o mesmo cenário que vemos no Brasil – Bolsonaro contra Moro e os escombros do petismo – se repetirá na Bahia. A questão é se será João Roma X ACM Neto, João Roma X Wagner, João Roma X Otto…

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