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Bruna Frascolla

Bruna Frascolla

Política

Povo nas ruas não é poder de verdade: a dura lição que a direita não quer aprender

Manifestação esvaziada promovida por movimentos de esquerda no dia 23 de março, em São Paulo. (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

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O final de semana foi cheio de acontecimentos políticos complexos e da maior importância. Quanto ao caso Marielle, só espero uma coisa: que Chiquinho Brazão seja ressocializado. Ele tem que fazer artesanato com papel machê e muita terapia para repensar as suas ações. Cadeia não recupera ninguém, e a Mulher Negra Angela Davis diz que as prisões têm que ser abolidas, de modo que, para honrar a memória da Mulher Negra Marielle Franco, ninguém deve ir para essa instituição racista e abominável. Não é?

Mas vamos ao que nos interessa. Sendo este um jornal com público de direita, o que interessa é apontar defeitos na direita. Os eventos que eu quero comentar hoje são: 1) a irrelevância do fiasco das manifestações antibolsonaristas e 2) o fiasco da primeira tentativa de golpe por pensamento positivo da História.

O fiasco petista nas ruas – e sua irrelevância

A ala mais tradicional e romântica do petismo (aquela que foi dizimada pela Lava Jato e que teve de aceitar o ingresso maciço de identitários no partido chamando-os de “homens brancos heterossexuais”) convocou manifestações de massa para mostrar à direita que Bolsonaro não é o senhor das ruas. Lula não foi a nenhuma manifestação. Não sabemos se ele fez isso para se resguardar de um eventual fiasco, ou se por não endossar a iniciativa dessa ala. De todo modo, Lula não se empenhou nem um pouco nisso, já que não vimos nenhum grande projeto midiático para levar as pessoas às ruas. A Mynd não deu um pio.

Seguramente, a manifestação foi um fiasco. De 2019 pra cá, até na capital da Bahia o bolsonarismo bota mais gente na rua do que o petismo. Os bolsonaristas vão, naturalmente, inferir uma coisa disso: que as eleições foram fraudadas. O que os petistas mais românticos vão inferir, eu não sei: o que eu, que não sou romântica, infiro, é que “povo na rua”, por si só, é irrelevante.

Gostei do apontamento feito por uma tuiteira bolsonarista: pelo material divulgado pelo próprio PT, sua manifestação (ao menos em Belo Horizonte) tinha um monte de velhos. Os esquerdistas costumavam desmerecer as manifestações bolsonaristas apontando a grande presença de idosos. Assim, ainda que a proporção varie, ambos os lados acertam ao apontar a idade avançada como uma característica comum entre os manifestantes. Creio que esse romantismo seja, então, um traço característico das gerações que pegaram o Maio de 68 e sua mística.

O PT não tem as ruas; tem instituições. O bolsonarismo não tem nem a mais elementar das instituições da vida política: um partido. O bolsonarismo bateu o PT em manifestações de rua. Poderá batê-lo também em venda de perfumes e botinas, bem como em audiência de lives. Mas e daí? Pelos critérios dos bolsonaristas, Taylor Switf bem poderia presidir o Brasil, já que junta gente, tem audiência e vende produtos.

Golpe por pensamento positivo

Com as trapalhadas de Cid e as notas que vêm brotando no Metrópoles como cogumelos depois da chuva, o que vem ficando cada vez mais evidente é o caráter caótico do bolsonarismo em todas as suas alas. Por exemplo, eu estive entre aqueles que, em 2018, tinham esperanças de que os olavetes fossem enquadrados e os militares tocassem o governo. No entanto, o caso Santos Cruz fala por si. E a decepção da saída foi constatar que (a julgarmos por esta nota não-desmentida do Metrópoles) Braga Netto, apesar de velho e general, é da mesma laia de um pirralho olavete.

Vejamos: do lado da direita, qual é o maior absurdo envolvendo a eleição de 2022? Esqueçam o TSE; estou falando da direita. Pois bem: o maior absurdo foi não reconhecer a eleição de Lula como fato consumado e deixar os seguidores ao Deus dará. O então presidente Bolsonaro pegou um avião e se mandou pros EUA para não passar a faixa, largando um monte de abilolado em frente aos quartéis pedindo “intervenção” (ou seja, golpe). Quando se vai tramar um golpe de Estado (ou Revolução, chamem como quiser chamar), convém não fazer isso em público, nem ter uma plateia anunciando-o antes de consumado. Um verdadeiro líder teria o dever moral de mandar os seus seguidores pararem de se expor. Mas Bolsonaro foi comprar cigarros nos States e nunca mais voltou, para a alegria de não poucos oportunistas que faziam a festa pedindo pix.

Por que esse abandono? Segundo uma nota do Metrópoles, porque Bolsonaro ouviu os “ideológicos”. Ciro Nogueira teria arranjado um encontro secreto entre o então presidente e Alexandre de Moraes em dezembro, a fim de que alinhassem um discurso e de que Bolsonaro admitisse a derrota. No entanto, diz a nota, “se o objetivo era distensionar a relação do ministro do STF com Bolsonaro, pode-se dizer que a reunião provocou efeito reverso. Mesmo após a longa conversa, nenhum dos dois recuou e acenou com bandeira branca. […] Bolsonaro, por sinal, não seguiu o conselho de Ciro Nogueira que poderia ter mudado o curso da história. Ainda presidente, ele foi convencido pela ala ideológica de que reconhecer a vitória de Lula desagradaria à [sic] boa parte de seu eleitorado que pleiteava uma intervenção militar. Entre os que foram contra o discurso, estão Braga Netto, Onyx Lorenzoni, Filipe Martins e militares como Mauro Cid.”

O papel de um líder não é agradar o seu eleitorado. Bolsonaro jamais deveria ter pretendido tornar-se presidente, se é tão ignorante do seu papel.

Outra coisa que se depreende daí (até prova em contrário) é que o golpe foi uma miragem com a qual o Mito iludiu parte do seu eleitorado. Reativo, nunca teve nenhum plano para seu eleitorado além de agradá-lo no curto prazo. Se o seu eleitorado quisesse que ele andasse nu com a mão no bolso, ele ia tentar.

No frigir dos ovos, a intentona direitista de 2023 quis dar o primeiro golpe de Estado por meio de pensamento positivo: bastava ficar sentado defronte do quartel cheio de força de vontade, que em 72 horas tudo estaria resolvido. Vitória cultural do New Thought.

Desinstitucionalização da religião e da sociedade

A presença de velhos nas passeatas pró e contra Bolsonaro têm, ao meu ver, um marcador geracional: é a turma que fez política sob o signo do Maio de 68 (que já não deixava de ser uma coisa meio New Thought, mesmo, como vimos nesta resenha de Gene Sharp). Lula e Bolsonaro têm os velhos hippies e ex-hippies ao seu lado.

O que Bolsonaro tem, e Lula não tem, são as massas de classes médias (da média baixa à média alta) ideologizadas, dispostas a ir à rua para "mudar o mundo". Muito já se falou da importância das redes sociais nesse processo, e creio que o petismo tenha tentado resolver esse problema usando uma agência Mynd ou expedientes similares. Esse esquema tem por alvo jovens consumistas que passam o dia na internet vendo besteira – que é, basicamente, o público-alvo no qual o identitarismo é mais exitoso. Como essa é uma gente muito passiva, produz pouco conteúdo de livre e espontânea vontade, e o resultado é que as redes sociais bolsonaristas acabam sendo mais vibrantes. Enquanto influencer identitário cobra para fazer uma publi no Instagram, o bolsonarista, de livre e espontânea vontade, está fazendo lives sobre os sósias de Lula que o substituíram após a sua morte e ganhando com a monetização do Youtube. (Mas ter apoio desse quilate só é bom na cabeça de quem romantiza as massas na rua.)

Outro ponto que costuma ser apontado nas massas bolsonaristas é a adesão da miríade de seitas protestantes esdrúxulas que, apesar de ser uma miríade, guarda certa uniformidade ideológica. Vide o sionismo cristão, que foi tão bem ilustrado pelas senhorinhas que diziam apoiar Israel por se tratar de um país cristão. Essa uniformidade ideológica acaba ultrapassando os limites das denominações miúdas e se espalha por toda a Nova Direita, chegando até mesmo aos fiéis da Igreja Católica (em cujo seio o sionismo foi muito fomentado por Olavo de Carvalho, que chegou até a discutir a entrega de um pedaço da Amazônia para resolver o conflito Israel X Palestina).

A leitura da matéria da Piauí deste mês sobre as mensagens de Deltan Dallagnol, protestante da “Igreja Batista do Bacacheri” (IBB) (Bacacheri é um bairro de Curitiba, mas a denominação tem unidades em Pinhais/PR e em Uberaba/MG), deu-me um insight sobre essa questão. Na matéria, vemos o exitoso procurador Dallagnol comemorar o tamanho do público de sua palestra, maior do que o do aniversário do PT, e daí inferir que Lula estava acabado. Anos depois, porém, Dallagnol está cassado, suas mensagens privadas estampam a revista favorita da esquerda caviar e Lula é presidente outra vez. A mesma confusão entre ser pop e ter poder, que os bolsonaristas fazem hoje, Dallagnol já fazia à época da Lava Jato.

Na matéria, vemos também Dallagnol explicando a sua estratégia de pregação política. Ele diz preferir palestrar para líderes religiosos a universitários, porque “100 alunos são 100 pessoas, enquanto 100 líderes significa alcançar mais de mil pessoas de modo geral”. Bom, se eu fosse uma procuradora e tivesse as opções de palestrar para 100 universitários de um curso de elite do Direito, ou 100 pastores metidos em política, eu pensaria no potencial de influenciar na formação da elite nacional, não em convencer um grande número de leigos cujo trabalho não tem nada a ver com o Direito. Para que mobilizar, ideologicamente, gente que não entende nada de política? Não tem como dar certo; não é de admirar que resulte em baderna.

A grande consequência política do avanço do protestantismo no Brasil é o avanço da desinstitucionalização na nossa sociedade, que agora se estende à religião. Do mesmo jeito que o neodireitista não liga para a formação de partidos, ele tampouco liga para a preservação de instituições religiosas. Se um pastor brigou com outro, abre uma nova denominação na própria garagem.

As igrejas protestantes mais antigas prezam por sua institucionalidade e surgiram vinculadas a Estados nacionais. Mas crescimento do protestantismo no Brasil está acontecendo não por meio do crescimento de instituições eclesiásticas fortes, mas sim por meio da multiplicação de igrejinhas com denominações esdrúxulas. (Não à toa, o petismo tem uma dificuldade maior em falar aos evangélicos, porque eles não têm liderança -- vide este texto do Pr. Guilherme de Carvalho.) Assim, o que cresce entre nós junto com o protestantismo é o esfacelamento das instituições religiosas. Uma religiosidade difusa e pobre de intelecto cresce contra as instituições.

Não basta ficar sem partido: a direita (e o Brasil) está ficando sem igreja também, trocando as instituições por pastores avulsos que mais parecem coaches e feiticeiros.

Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

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